Ciência Política Cásper/ Weber e a Política como Vocação
WEBER, Max. Ciência e Política : Duas Vocações. São Paulo: Editora Cultrix, 1996.
FORMAS DE PENSAR "O QUE É A POLÍTICA?"
"Que entendemos por política? O conceito é extraordinariamente amplo e abrange todas as espécies de atividade diretiva autônoma. Fala-se da política de divisas de um banco, da política de descontos do Reichsbank, da política adotada por um sindicato durante uma greve; e é também cabível falar da política escolar de uma comunidade urbana ou rural, da política da diretoria que está à testa de uma associação e, até, da política de uma esposa hábil, que procura governar seu marido. Não darei, evidentemente, significação tão larga ao conceito que servirá de base às reflexões a que nos entregaremos esta noite. Entenderemos por política apenas a direção do agrupamento político hoje denominado 'Estado' ou a influência que se exerce em tal sentido." p.55
"Todo homem, que se entrega à política, aspira ao poder — seja porque o considere como instrumento a serviço da consecução de outros fins, ideais ou egoístas, seja porque deseje o poder 'pelo poder', para gozar do sentimento de prestígio que ele confere."
MONOPÓLIO LEGÍTIMO DO USO DA FORÇA
"Em nossa época, entretanto, devemos conceber o Estado contemporâneo como uma comunidade humana que, dentro dos limites de determinado território — a noção de território corresponde a um dos elementos essenciais do Estado — reivindica o monopólio do uso legitimo da violência física. [...] o Estado se transforma, portanto, na única fonte do 'direito' à violência"
"Tal como todos os agrupamentos políticos que historicamente o precederam, o Estado consiste em uma relação de dominação do homem sobre o homem, fundada no instrumento da violência legítima (isto é, da violência considerada como legítima). O Estado só pode existir, portanto, sob condição de que os homens dominados se submetam à autoridade continuamente reivindicada pelos dominadores. Colocam-se, em consequência, as indagações seguintes: Em que condições se submetem eles e por quê? Em que justificações internas e em que meios externos se apoia essa dominação?"
FUNDAMENTOS DA LEGITIMIDADE
"Existem em princípio — e começaremos por aqui — três razões internas que justificam a dominação, existindo, consequentemente, três fundamentos da legitimidade. Antes de tudo, a autoridade do "passado eterno", isto é, dos costumes santificados pela validez imemorial e pelo hábito, enraizado nos homens, de respeitá-los. Tal é [a dominação tradicional], que o patriarca ou o senhor de terras, outrora, exercia.
Existe, em segundo lugar, a autoridade que se funda em dons pessoais e extraordinários de um indivíduo (carisma) — devoção e confiança estritamente pessoais depositadas em alguém que se singulariza por qualidades prodigiosas, por heroísmo ou por outras qualidades exemplares que dele fazem o chefe. Tal é [a dominação carismática] exercida pelo profeta ou — no domínio político pelo dirigente guerreiro eleito, pelo soberano escolhido através de plebiscito, pelo grande demagogo ou pelo dirigente de um partido político.
Existe, por fim, a autoridade que se impõe em razão da "legalidade" [a dominação racional-legal], em razão da crença na validez de um estatuto legal e de uma ' 'competência" positiva, fundada em regras racionalmente estabelecidas ou, em outros termos, a autoridade fundada na obediência, que reconhece obrigações conformes ao estatuto estabelecido." (P.57)
VIVER DA POLÍTICA OU PARA A POLÍTICA
"Há duas maneiras de fazer política. Ou se vive "para" a política ou se vive "da" política. Nessa oposição não há nada de exclusivo. Muito ao contrário, em geral se fazem uma e outra coisa ao mesmo tempo, tanto idealmente quanto na prática. Quem vive "para" a política a transforma, no sentido mais profundo do termo, em "fim de sua vida", seja porque encontra forma de gozo na simples posse do poder, seja porque o exercício dessa atividade lhe permite achar equilíbrio interno e exprimir valor pessoal, colocando-se a serviço de uma "causa" que dá significação a sua vida. Neste sentido profundo, todo homem sério, que vive para uma causa, vive também dela." (P.64)
SOBRE O JORNALISMO
"Muito raramente se considera que a responsabilidade do jornalista é bem maior que a do cientista, não sendo o sentimento de responsabilidade de um jornalista honrado em nada inferior ao de qualquer outro intelectual — e cabe mesmo dizer que seja superior, quando se têm em conta as constatações que foi possível fazer durante a última guerra. O descrédito em que tombou o jornalismo explica-se pelo fato de havermos guardado na memória os abusos de jornalistas despidos de senso de responsabilidade e que exerceram, frequentemente, influência deplorável. "
"O que nos interessa, no momento, é o problema do destino politico reservado aos jornalistas: quais as possibilidades que a eles se abrem de ascender a postos de direção política?" [...] São exatamente os jornalistas de grande notoriedade que se veem compelidos a enfrentar exigências particularmente cruéis. É de mencionar, por exemplo, a circunstância de frequentar os saiões dos poderosos da Terra, aparentemente em pé de igualdade, vendo-se, em geral e mesmo com frequência, adulado, porque temido, tendo, ao mesmo tempo, consciência perfeita de que, abandonada a sala, o anfitrião sentir-se-á, talvez, obrigado a se justificar diante dos demais convidados por haver feito comparecer esses "lixeiros da imprensa".
ÉTICA DA CONVICÇÃO E ÉTICA DA RESPONSABILIDADE
"Quem deseje dedicar-se à política e, principalmente, quem deseje dedicar-se à política em termos de vocação deve tomar consciência desses paradoxos éticos e da responsabilidade 'quanto àquilo em que ele próprio poderá transformar-se sob pressão daqueles paradoxos.' Repito que ele se compromete com potências diabólicas que atuam com toda a violência. Os grandes virtuosos do amor e da bondade a-cósmica do homem, venham eles de Nazaré, de Assis ou de reais castelos indianos não operaram com o instrumento político da violência. O reino que pregavam não era "deste mundo" e, entretanto, eles tiveram e continuam a exercer influência neste mundo. As figuras de Platão, Karatajev e dos santos de Dostoievski são, por certo, as mais fiéis reconstituições desse gênero de homens. Quem deseja a salvação da própria alma ou de almas alheias deve, portanto, evitar os caminhos da política que, por vocação, procura realizar tarefas muito diferentes, que não podem ser concretizadas sem violência."
"Se, em vez de cidade natal ou de "pátria", palavras que, em nossos dias, já não têm uma significação unívoca, falarmos em futuro do socialismo" ou em paz internacional" estaremos empregando expressões que correspondem à maneira moderna de colocar o problema. Com efeito, todos esses objetivos que não se conseguem atingir a não ser através da atividade política onde necessariamente se faz apelo a meios violentos e se acolhem os caminhos da ética da responsabilidade — colocam em perigo a "salvação da alma". E caso se procure atingir esses objetivos ao longo de um combate ideológico orientado por uma ética da convicção, há risco de provocar danos grandes e descrédito, cujas repercussões se farão sentir durante gerações várias, porque não existe responsabilidade pelas consequências"
O POSSÍVEL NA POLÍTICA
" A política é um esforço tenaz e enérgico para atravessar grossas vigas de madeira. Tal esforço exige, a um tempo, paixão e senso de proporções. É perfeitamente exato dizer - e toda a experiência histórica o confirma — que não se teria jamais atingido o possível, se não se houvesse tentado o impossível"