Leitura e Produção de Textos/As funções sociais da leitura e da escrita
- Estamos iniciando o estudo da disciplina Leitura e Produção de Textos.
- Nossos objetivos centrais serão compreender a história e as possíveis origens da escrita na humanidade, e entender quais são, hoje em dia, os papéis sociais exercidos pelos leitores e escritores. Assim como o papel central que a leitura e a escrita exerce em nossa sociedade. Para tal, vamos ler textos fundamentais e saber mais sobre Paulo Freire, um pensador de destaque nesta aula, já que ele foi fundamental nos estudos de alfabetização, da leitura e de escrita, não somente no Brasil, como no mundo. Vamos pensar sempre a leitura e a escrita como fundamentais na nossa sociedade, que diferente de outras, não se pautam pela escrita (sociedades ágrafas).
- Pense sobre como o papel da escrita exerce presença em sua vida: quando há vontade em escrever? O que você gosta de ler? Suas leituras influenciam no que você escreve? Quem são os autores de quem você gosta?
- Ao final desta aula, você deve ser capaz de:
- Situar a leitura e a escrita como práticas sociais;
- Compreender as possíveis origens da leitura e da escrita;
- Refletir criticamente sobre os papéis sociais de leitores e escritores.
Desafio: A leitura e escrita de textos podem parecer, a princípio, atividades de difícil realização. No entanto, a prática constante e disciplinada dessas atividades faz com que aperfeiçoemos nossa capacidade de ler e de escrever.
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Orientação de Estudo
- Os objetivos desta aula são: compreender uma das possíveis origens da leitura e da escrita; situar a leitura e a escrita como práticas sociais fundamentais em nossa sociedade; e refletir criticamente sobre os papéis sociais dos leitores e escritores.
- Para investigar um pouco mais sobre esses objetivos, leremos alguns textos que discutirão algumas funções sociais, históricas e contemporâneas da escrita e da leitura.
Funções sociais da escrita
O principal argumento é que a escrita teria surgido para que os humanos se comunicassem mais facilmente, uma escrita para fins comunicativos. O homem percebe o tempo e o espaço, e busca dominar tais dimensões pela escrita, utilizando-as a seu favor. Começa de forma logográfica, pelos povos sumérios.
Consiste num conjunto de marcas e símbolos, uma escrita logográfica. Que, por convenção, um grupo domina e se comunica através deles. Tais símbolos correspondem a uma estrutura de linguagem, relacionada aos símbolos já existentes na linguagem oral. Não é uma representação direta do pensamento. É uma tentativa de construir um sistema de escrita eficiente, transmissível entre gerações, geral na sociedade e econômico, que não seja tão vasto.
A escrita age para atender, logo no seu surgimento, a funções sociais extremamente importantes. Os primeiros registros de símbolos são representações de espécies de contratos de compra e venda de animais, geralmente gado. Uma transação comercial registrada.
As funções da escrita que se desenvolve através dessa linguagem simbólica, pensando na criação dos alfabetos - em que cada grafema, ou letra, representa um fonema, que é uma unidade mínima sonora da fala -, ajuda na preservação da cultura social praticada por um povo. Uma forma distinta de acumulação de conhecimento, por meio de uma transmissão documental, através dos suportes duros para escrita, estudados inclusive nos dias atuais.
O alfabeto, por criação, é uma adaptação grega dos fenícios, base no nosso alfabeto latino.
Neste caso, a transmissão da escrita no espaço se dá melhor através de suportes brandos, como o papiro feito de base vegetal, que poderia ser enrolado e carregado a diferentes destinos, assim como os pergaminhos, que passaram a ser utilizados logo em seguida.
Além disso, a escrita possui uma funções mnemônica, ligada à memória, pois é uma tecnologia, que deve ser observada e ensinada formalmente para que então se possa ser utilizada, como por exemplo, para fazer uma lista de compras de supermercado.
Ou seja, pela escrita é que se torna capaz a criação de um arquivo da sociedade. Sendo assim, na sociedade, dá-se um poder maior ao que é escrito, do que ao que é simplesmente falado. Estamos em uma sociedade da escrita. Para se chegar à universidade, por exemplo, é uma necessidade do indivíduo que se tenha escrito muito durante a sua educação básica.
O pensamento padrão implica em que o aluno na universidade irá produzir conhecimentos e registrá-los por escrito. A realidade traz à tona que o aluno repete conhecimentos de autores, sendo ensinado a citá-los. E isto não é aceito de imediato como contribuição. Deve-se defender a curiosidade criativa e a quietude, assim, em respeito ao que já foi desenvolvido, citá-lo, mas também ir além desse legado, agindo num processo de transformação construtiva do conhecimento.
A imitação não pode ser o objetivo final do ensino. Pode ser um recurso, não um fim. Desta forma, deve-se evidenciar a interação com o outro por meio da escrita, inserindo-se na cultura escrita. A língua é apenas uma ferramenta.
Funções sociais da leitura
A discussão da leitura nos dias de hoje, envolve Paulo Freire, que destaca a leitura do mundo, é o direito subjetivo, que todos os indivíduos possuem, pois, dominando os signos e os sentidos, consegue-se o processo de humanização e o acesso ao poder e a cidadania, como os fins últimos. Em que o poder de insurgência, é o de se fazer ouvir. Cada indivíduo possui sua leitura de mundo, e os educadores não podem se omitir dela, mostrando diferentes formas de se ler.
Nenhuma leitura é definitiva, nem terminal. Existe uma polissemia, em que se existem muitos mundos e muitas outras formas de se ler. A leitura deve respeitar o sentido crítico da realidade do aprendiz. A alfabetização deve consistir em aprender em ler o mundo, a aprender a ler o texto e ver o contexto.
Tinta sobre papel: técnicas de escrita e de representações de ilusões
A homenagem pelo trabalho: legado e produção
Preocupado com o que a Universidade tem oferecido como produção de conhecimento hoje, tenho insistido que as inúmeras repetições daquilo que um autor escreveu não trazem grandes contribuições, nem para o trabalho do autor, nem para o acúmulo de conhecimento feito pela humanidade.
Enfrentando esses mecanismos de congelamento da curiosidade criativa, quase obrigatórios hoje, tenho insistido que a repetição pura e simples das ideias de um autor se volta contra o avanço do conhecimento e, ao contrário do que se possa parecer, volta-se contra o próprio autor, cujos posicionamentos são repetidos. Aquele que busca se constituir como alguém que produz conhecimento precisa, em sinal de respeito às gerações que o precederam, ir além do legado que recebeu.
A melhor forma de homenagear, ou de agradecer quem nos formou, quem já trabalhou para nos deixar um legado, é continuar trabalhando, para garantir a marcha da humanidade, não temos apenas o direito de simplesmente desfrutar do que já foi construído, mas também a obrigação de dar continuidade às obras sempre inacabadas que, no limite, somos nós mesmos, é a nossa própria história.
Mantiveram-se as críticas ao ensino calcado na Gramática Tradicional, a insistência no trabalho com o texto, mas textos agora funcionando como conjunto de regras a serem reconhecidas e cumpridas na escrita. Recuperou-se de algum modo o trabalho da gramática dos tempos pré-saussurianos, quando se perguntava se um texto estava de conformidade com as regras e quais eram as regras próprias ao texto analisado.
Apoiados na crítica de que os textos usados na escola não condiziam com a realidade do aluno, fizeram com que as aulas fossem invadidas por textos considerados do cotidiano do aluno, mas agora com a função de instrumentalizá-lo para um mercado de trabalho em que nada lhe é favorável.
Da proposta de acolher a variedade linguística das comunidades que acabavam de ter seu direito a frequentar a escola reconhecido na década de 1970, resultaram apenas exercícios sobre curiosidade regionais ou propostas de passagem de falas de personagens para a norma padrão.
A primeira dança: o que a tinta escreve sobre o papel é produção?
Em uma reflexão sobre o ensino de Língua Portuguesa é interessante mencionar a presença do prof. Geraldi no Oeste do Paraná, que pode ser localizada por um lastro teórico e metodológico que remonta à década de 80, com a publicação do livro O texto na sala de aula e a presença do professor e outros docentes que comungavam das mesmas posturas em cursos de especialização e encontros de formação de professores na região. Esta presença se configurou, na época, como um discurso inaugurador para o ensino de Português, caracterizou-se por um "arriscar-se" a dizer como fazer, acoplado - de forma coerente - aos pressupostos teóricos assumidos. Neles, as alternativas são colocadas como parte de um projeto maior, o da inclusão das propostas numa perspectiva discursiva: "No espaço do trabalho discursivo: alternativas" (GERALDI, 1997, p. 115).
É um debruçar-se sobre o ensino de Português, ousar propor algo que não seja apenas um mero "ensinar a fazer", mas a explicitação de um construto teórico que possa alavancar e orientar este fazer, cujo mirante final seria um questionamento de uma determinada estrutura social, mantida também pelos usos linguísticos.
Nessa perspectiva, então, o desafio cotidiano do professor seria (ou é?) realizar a travessia que traz consigo, por exemplo, distinções entre produção de texto e redação.
Numa perspectiva propositiva, o prof. Geraldi apresenta de forma pontual quais os aspectos que caracterizam a produção de texto, diferenciando-a da redação. Estes aspectos são denominados pelo autor de "condições para a produção de textos", cujos pressupostos básicos estão assim explicitados:
- Minha aposta, então, está ligada a este movimento, às vezes imperceptível, que, reafirmando, desloca e que deslocado afirma. É a partir desta perspectiva que estabeleço, no interior das atividades escolares, uma distinção entre produção de textos e redação. Nesta, produzem-se textos para a escola; naquela produzem-se textos na escola. (...) A observação mais despretensiosa do ato de escrever para a escola pode mostrar que, pelos textos produzidos, há muito escrita e pouco texto (ou discursos). (p.136)
- Minha aposta, então, está ligada a este movimento, às vezes imperceptível, que, reafirmando, desloca e que deslocado afirma. É a partir desta perspectiva que estabeleço, no interior das atividades escolares, uma distinção entre produção de textos e redação. Nesta, produzem-se textos para a escola; naquela produzem-se textos na escola. (...) A observação mais despretensiosa do ato de escrever para a escola pode mostrar que, pelos textos produzidos, há muito escrita e pouco texto (ou discursos). (p.136)
Neste sentido, pode-se dizer que a proposta inaugurada e encampada pelo prof. Geraldi transformou-se em uma "discursividade sobre o ensino." amplamente difundida, na qual o ato de "fazer redação" em sala de aula (percebido como negativo e limitador) foi substituído por "produzir textos".
Na universidade - um dos significados lugares de produção dos discursos sobre ensinar Língua Portuguesa - o termo "fazer redação" é passado, digno de menção na história, de um tempo que "fazer redação" era estratégia de penalização, como bem apresenta a descrição de Gribel (1999), descrevendo a trajetória do menino Guilherme na escola.
Então, o uso da terminologia "produção de textos" serve também para explicitar incertezas, aquelas mesmas que embasavam o ensino de redação num determinado momento histórico e que permitiram a substituição da nomenclatura. Mais do que isso: atua como convite, até porque o uso linguístico não é inocente e desprovido de historicidade, para nos colocarmos de "mala e cuia" em determinados portos e realizarmos passagens as quais, envolventes, exigem do sujeito o abandono da tranquilidade do comodismo e uma "curiosidade criativa", já citada anteriormente. "Se todo caminho da gente é resvaloso", por um lado, não estamos sozinhos nestas passagens, pois "É no junto do que sabe bem que a gente aprende o melhor" (GUIMARÃES ROSA, p. 312 e 345, respectivamente). Aprender o melhor é, inclusive, negar-se a aportar em uma proposta para o ensino de português, como se ela fosse definitiva. É avançar a partir dela e/ou reconhecê-la transfigurada, quando for o caso.
A falsa-dança da escrita: muitos passos e um fecho
Estudamos se a escrita sustentada na universidade - um ambiente formal por excelência - abrange dois aspectos: a) os fatores de textualidade (especificamente a coesão e a coerência textuais), responsáveis por definir se um agrupamento de frases corresponde ao que se denomina texto (COSTA VAL, 1991); b) as normas formais da língua.
Até o presente momento de nossa pesquisa, temos nos deparado com textos que apresentam algum grau de precariedade no emprego de elementos que lhes confiram textualidade e formalidade. Em decorrência disso, chegamos a duas hipóteses interpretativas iniciais: a) existe uma cultura que tolera e dá sustentação a uma determinada escrita que permite a continuidade dos discursos que apontam para uma crise na escrita; b) a escola, incluindo a universidade, tem tido dificuldade em inserir os indivíduos na cultura escrita. Os elementos que permitem formular ambas as hipóteses impediriam, por vias diferentes, a entrada do falante na "cidade das letras".
Apresentamos a seguir um quadro ilustrativo, no qual podemos visualizar alguns dos elementos sobre os quais nos apoiamos para formular nossas hipóteses. Selecionamos, como exemplo, alguns trechos de textos que fazem parte de nosso corpus, o qual é composto por 16 relatórios de estágio (apresentados entre os anos de 2008 e 2009) as disciplinas de uma universidade pública.
PROBLEMAS COM A COESÃO REFERENCIAL, SEQUENCIAL E COM A COERÊNCIA | Fragmento |
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1) Repetições do pronome "ela" | Ela informa que fazendo os exercícios os alunos vão entender melhor a diferença. Ela coloca os exercícios na lousa |
2) Uso dos tempos verbais não correspondentes ao momento sobre o qual o autor do texto se refere, isto é, ao passado | Eu disse que isso era ajuda demais, mas que se ele [aluno] pelo menos começasse eu poderei ajudá-lo a desenvolver o texto |
3) Referências inexistentes para o fragmento grifado | O ambiente da escola era realmente aconchegante. As paredes eram pintadas com os personagens da Turma da Mônica, era térrea, bem aberta, havia um chafariz, uma quadra coberta e um "parquinho". |
4) Não há ligação entre as informações, o que causa falta de conexão no plano das ideias | A Profª informou-me que dá aula na prefeitura também. Disse que os alunos vêm à escola. |
A partir desta citação, inferimos que a alegada crise na escrita - a qual, no nosso modo de entender, transformou-se em uma cultura - tem se instaurado em diversas esferas da sociedade brasileira, sendo uma delas a universidade. E um de seus principais efeitos é o falseamento do acesso à escrita.
Já nas primeiras páginas de Portos de Passagem, Geraldi (1997) explica que quando se fala em crise na escola, a primeira ligação feita é entre ela e a formação desqualificada do professor. Para ele, a relação entre esses dois aspectos distintos existe porque o sistema escolar não oferece condições dignas de trabalho e os cursos de formação de professor, necessários para auxiliar na formação de tais profissionais, não atendem à grande demanda. Esses cursos, ao invés de serem uma ferramenta a mais para o docente refinar seu trabalho, funcionam como um meio de o sistema demonstrar ao professor que o mesmo não é um profissional e que, por isso, não é competente. Tal sistema, ao mesmo tempo em que diz formar profissionais, contrata-os como não profissionais, isto é, não lhes oferece condições de trabalho.
Delineando a historicidade da Educação no Brasil, o autor demonstra-nos que a democratização do ensino fez com que muitas pessoas - de diversas procedências e grupos sociais - tivessem acesso à escolarização, em meados da década de 1960. Por isso, a demanda de docentes não supriu a necessidade instaurada pelo novo cenário. Assim, a medida tomada foi a formação rápida - e precária - de novos professores. Para auxiliar nessa formação, recorreu-se aos livros didáticos, a fim de que estes ensinassem aos alunos aquilo que o docente mal preparado não conseguiria ensinar. Com o passar do tempo, essa atitude resultou em excessos de sínteses, definições, generalizações, classificações, regras sem sentido para os alunos, categorizações, exercícios maquinais, etc. Prova-se então, que a cultura da escrita debilitada não possui somente uma causa, e sim várias: além da formação do professor, verificamos que há um falso ensino oferecido às camadas que chegaram à escola.
A língua pode ser trabalhada de duas formas: a) como instrumento de comunicação e troca; b) como objeto de descrição. Se a segunda forma (b) é colocada em primeiro lugar, o estudante fica preso a um contexto de alienação, de falso saber. Sendo assim, o aluno adquire verdadeiro asco pelo trabalho de escrita e isso se mostra em seus textos, já que escreve de forma precária, utilizando conceitos aos quais, muitas vezes, não atribui sentido. Geraldi (2004) acredita que o aluno precisa escrever ativamente, não mais sendo anulado como aluno e sujeito pela escola. Somente a partir desse movimento a palavra será devolvida ao estudante e este, por seu turno, escreverá textos baseados em reflexões e não somente preenchidos com fragmentos esvaziados de sentido, os quais são provenientes, muitas vezes, da má formação docente e dos livros didáticos.
Muitos motivos que resultam da perpetuação de um discurso da precariedade da escrita está o oferecimento de um ensino debilitado às novas camadas ingressantes na escola, cuja ramificação, entre outras, é a má formação do professor - o qual, consciente ou inconscientemente, não tem conseguido suprir as necessidades de seus alunos, já que o sistema vigente não lhe permite alcançar uma preparação adequada.
A escrita insere-se nas duas hipóteses interpretativas já citadas: existe uma cultura que tolera e dá sustentação à escrita precária e a escola, incluindo a universidade, tem tido dificuldades em inserir os indivíduos na cultura escrita.
A dança das esferas do poder
No campo da linguagem - nos estudos da Sociolinguística -, há hoje um discurso cuja reivindicação é "colocar cada forma de falar em seu lugar". Isso sob a alegação de respeito, de valorização, de consideração às diferenças: mas, sobretudo, à adequação das diferenças, afinal: "cada macaco no seu galho", "cada um na sua"; assim, com as coisas no lugar (e as ideias) tudo permanece em ordem. Mas, "quem quer manter a ordem?", "que eu desorganizado, posso me organizar".
Sem dúvida há um avanço nos estudos linguísticos em relação à Gramática Tradicional (ou Gramática Normativa), porém a modalidade da língua (a variedade linguística) prestigiada segue sendo aquela da classe mais favorecida economicamente, aquela a ser atingida (por uma relação de forças sociais e, não simplesmente "eleita" como muitos querem fazer crer) como ponto máximo de domínio da língua, aquela que, segundo o senso comum, garantirá ascensão social.
Hoje, nas escolas (principalmente públicas, frequentadas pela classe "desprivilegiada", valendo-nos de um eufemismo) a "contribuição" do passado é esquecida e as novas são proibidas.
É dessas situações de disputa de poder e da tentativa de controle, de imposição de uma determinada ordem ligada àqueles que possuem as condições de decidir pelo destino público implicadas com o desenvolvimento material, ou seja, os avanços tecnológicos e alteração das condições de vida que vai se constituindo a língua.
A redução material da palavra e a relativa simplificação estrutural (e não de raciocínio) podem ser relacionadas às reduzidas condições materiais e à necessidade, imposta pelo mundo da mercadoria, de velocidade das informações inequívocas. Não se resolveria tal situação fazendo, somente, com que quem não tem acesso à Norma Culta a domine. Seria como imaginar ser possível, nessa sociedade de consumo, que todos tivessem acesso igualitariamente aos mesmos bens materiais. A preponderância não é das ideias sobre a matéria, a relação ainda é de confronto. E deve ser assim, tensionar um dos lados e tensionar o outro também, criar a desordem obriga a mão forte da ordem. Esperar da língua a força transformadora é só esperar.
A escola que (não) ensina a escrever
Introduzindo a armadilha da e pela linguagem
Quase tão antiga quanto à própria história dos homens, a "armadilha das palavras", que coloca a língua ora a serviço da explicitação e transparência da ideia, ora da omissão e do mascaramento da verdade, abre a perspectiva para outra dimensão desse ardiloso jogo linguístico: a possibilidade do entendimento entre os homens. Como uma das mais cruéis ameaças à humanidade, a dificuldade de comunicação se consubstancia pelo desencaixamento social, pela sobrevivência passiva, pelos mecanismos de submissão e pelo aprisionamento das pessoas na solidão e no silêncio.
Entre todas as conquistas do homem, a linguagem é a que mais contribuiu para fazer dele um ser humano de fato. Na sua relação com o mundo, à palavra se constitui na melhor representação do potencial simbólico, capaz de fazer a sutura entre o ser, o indivíduo em particular, a sociedade e o quadro de referências que se concretiza em cada objeto, cada indagação e cada posicionamento pessoal. A linguagem garante ao homem o lugar de locutor, a constituição da consciência e a posição de sujeito que rege a própria vida e reage diante dela. Ela lhe permite considerar o "outro" como alvo de interlocução, assegurando todas as práticas discursivas e sociais. Pela linguagem, cada um de nós consagra a essência do ser humano, em um constante vir a ser, integrado à condição de "habitantes de um mundo", por excelência dinâmico e complexo.
No conturbado contexto de nossa civilização, a "armadilha pela linguagem" concretiza-se em práticas políticas e ideológicas de manipulação em massa. Uma realidade que não pode ser enfrentada senão com base em desafios que hoje impomos à educação. Investir nas futuras gerações, fincar raízes de identidade e construir pontes para a libertação humana pressupõe explicitar criticamente os paradigmas que sustentam a compreensão da realidade e das metas educacionais.
Vivemos, portanto, uma situação paradoxal, na qual o incremento das possibilidades de comunicação, a ampliação dos horizontes e o encurtamento das distâncias representam, na proporção inversa, o progresso da incultura e do isolamento. Mesmo onde a educação é um privilégio, a democratização do ensino e o desenvolvimento dos meios de comunicação não garantem a necessariamente a difusão ampla (ou qualitativa) do saber.
Compreendido não em função da classe social ou do padrão de rendimentos, o advento do "homem-massa" é fruto da perda de autonomia, de consciência, de espírito crítico e, principalmente, da palavra, cada vez mais ameaçada.
Se a linguagem é a maior das invenções humanas, a escrita é a maior conquista da civilização, motivo pelo qual ela marca o início da história da humanidade. Graças às suas características, a escrita promove uma ruptura com o espaço (interlocução à distância), com o tempo (permanência do texto como portador autônomo) e com as exigências dialógicas primárias da interlocução (intercâmbio na ausência do outro), ampliando indiscutivelmente os limites da existência humana. A alfabetização não garante, contudo, o ingresso diferenciado em nosso mundo. As competências para ler e escrever, em nossa sociedade, são fatores tão necessários quanto mal compreendidos, sobretudo pela influência dos parâmetros reducionistas que explicam o mundo e contaminam a educação.
Combatendo a epistemologia do "saber doado" e do "conhecimento útil e necessariamente produtivo", entendo a educação como um meio de promover práticas simbólicas de sutura entre o homem e o mundo. Uma vez construídas as "pontes" por meio da interlocução e do acesso à cultura, tornam-se possíveis novas formas de se situar perante a vida, assim como de estimular que se criem outros mecanismos em organização social, capazes de respeitar a diversidade e a identidade de cada um.
Sem esquecer os parâmetros de interpretação da realidade e as tendências sociais mais amplas que se refletem no ensino, não há como negar o papel e as práticas da principal agência de letramento, aquela que, formalmente, foi encarregada da transmissão do saber: a escola. No que diz respeito à escrita, é ela que ensina e, com certeza, condiciona o seu uso em práticas mais ou menos restritivas.
Dicionário Paulo Freire
verbete Escrever/escrita
Em contraposição a uma educação bancária e aos métodos sintéticos de alfabetização, muito em voga no seu tempo e ainda até hoje em muitos lugares. Freire vivencia e defende um método analítico, da palavração, a partir de palavras geradoras. Estas são escolhidas a partir da pesquisa do universo vocabular e são devolvidas ao povo para reler a sua fala e escrever a sua palavra por meio da formação de outras palavras e de frases escritas com esses fonemas. Propõe vincular palavra e mundo, visando ajudar o povo a aprender a dizer a sua palavra.
verbete Ler/leitura
Aprender a ler é aprender a dizer a sua palavra. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura deste não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente.
Aprofundando o tema
Para aprofundar o que discutimos, sugerimos que assista a alguns vídeos, entre os quais o curta O nosso livro, de Claudia Rabelo Lopes e Luciana Alcaraz.
Material de apoio - O livro | Jorge Luís Borges
Material de apoio - O nosso livro | Claudia Rabelo Lopes e Luciana Alcaraz
Em síntese
Ao final desta primeira aula, esperamos que você tenha conseguido refletir sobre a importância da leitura e da escrita em nossa sociedade.
- Vimos que não é possível uma vivência democrática e cidadã sem leitores e escritores. O ato de ler e escrever é diário e cotidiano para a imensa maioria das pessoas, como para você. É importante que sempre lutemos pela educação de todos os brasileiros, sem exceção. Um dos caminhos para isso, como nos aponta Paulo Freire, é a valorização do(a) professor(a). Esperamos que você tenha aproveitado esta aula e que sinta curiosidade para saber o que vem pela frente. Vamos dar uma pequena dica: na próxima semana trataremos das concepções de linguagem e de como elas se apresentam nos textos acadêmicos e na sala de aula.
Referências
- BARZOTTO, V. H. et al. Tinta sobre papel: técnicas de escrita e de representações de ilusões. Discursividade, Estudos Linguísticos, n. 6, jul./dez. 2010. ISSN 1983-6740. Disponível em: http://www.discursividade.cepad.net.br/EDICOES/06/Arquivos/BARZOTTO.pdf Acesso em: 21 fev. 2020.
- COLELLO, S. M. G. A escola que (não) ensina a escrever. 2ª ed. rev. São Paulo: Summus, 2012.
- KLEIN, R. Escrever/escrita. In: ZITKOSKI, J. J.; STRECK, D. R.; REDIN, E. (Org.). Dicionário Paulo Freire. 2ª ed. rev. amp. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
- KLEIN, R. Ler/leitura. In: ZITKOSKI, J. J.; STRECK, D. R.; REDIN, E. (Org.). Dicionário Paulo Freire. 2ª ed. rev. amp. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.