Apenas 36% das escolas estaduais paulistas têm salas de leitura

Por Ana Carolina Siedschlag, Erica Azzellini, Heloísa Barrense e Jeniffer Mendonça

De acordo com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação à Secretaria de Educação, a “frequência média de empréstimos das 1.806 Salas de Leitura que contam com professor responsável é de 227 livros por mês”, uma média de menos de um livro por sala. A rede é responsável por mais de 5 mil escolas.

A escassez de títulos nestes ambientes também é recorrente e a distribuição é desigual. A Secretaria ainda afirmou que foram entregues, até 2013, “1.028 títulos de literatura brasileira, estrangeira e títulos informativos” e que “numa mostra significativa de 1500 escolas temos registro de Salas de Leitura com acervos que variam de 500 a 10.000 exemplares de livros”.

A Resolução SE - 15, de 18-2-2009, prevê que seja implantado “espaço privilegiado de incentivo à leitura” em cada unidade da rede pública estadual paulista  para que os estudantes tenham a “oportunidade de acesso a livros, revistas, jornais, folhetos, catálogos, vídeos, DVDs, CDs e outros recursos complementares”.

O Brasil é um país com um grande histórico de analfabetismo. Entretanto, de acordo com o IBGE, a taxa  no país caiu 4,3% em 14 anos, atingido 13,2 milhões de pessoas em 2014. Mesmo ainda com um número alto, é visível que durante o decorrer do tempo houveram algumas mudanças no cenário brasileiro e o acesso à leitura está sendo cada vez mais incentivado, como busca a Lei 12.244 de 2010 - que torna obrigatória a presença de um acervo mínimo de um livro para cada aluno matriculado na rede pública e privada.

Segundo o Ministro da Cultura Juca Ferreira, o Brasil se mostra um país com poucos leitores, tendo uma taxa de 1,7 livro per capita ano, índice considerado alarmante pelo Instituto Pró-Livro. A região Sudeste é uma das que mais apresenta bibliotecas ou salas de leitura nas escolas (70,3%), atrás apenas da Sul (77,1%), segundo o Censo Escolar de 2014.

Os títulos mais procurados

A literatura infanto-juvenil, por sua vez, é a que mais atrai os estudantes para as Salas de Leitura. Segundo os dados obtidos via Lei de Acesso à Informação, “A Culpa é das Estrelas”, de John Green, “Diário de um Banana” de Jeff Kinney e “A Menina que roubava livros” de Zusak Markus, são os livros mais requisitados entre os jovens nas bibliotecas e salas de leitura escolares. A pesquisa “Perfil Leitor”, de agosto de 2016, da Secretaria reuniu mais de 600 títulos citados por 17 mil alunos da rede. Deste modo, é possível perceber que os livros que se transformaram em produções para o cinema no último século são os que fazem parte do repertório dos jovens.

== Levantamento das informações ==

Órgão públicos que direcionamos os pedidos: Secretaria Municipal de Educação (SME) de São Paulo, Secretaria Estadual de Educação (SEE) de São Paulo e INEP/MEC.

Realizamos sete protocolos de pedidos de informação por meio do Sistema Integrado de Informações ao Cidadão (SIC) dos Governos Estadual e Federal e do Portal da Transparência da Prefeitura. Foram três pedidos para a SME e para a SEE e um para o INEP/MEC, em setembro de 2016, com as seguintes questões:

Para o INEP/MEC:

Com base no Censo Escolar de 2014, gostaria de solicitar a relação dos nomes das escolas estaduais e municipais de São Paulo com 8 ou Mais Classes por Tipo de Ambiente Pedagógico segundo Rede de Ensino que possuem salas de leitura e bibliotecas com as respectivas quantidades de livros.

Para a SME e a SEE:

Quantas bibliotecas e salas de leitura foram construídas nas escolas (municipais/estaduais) desde o Censo de 2014?
Quantos livros estão disponíveis em bibliotecas nas escolas municipais?
Qual a frequência de empréstimos de livros das bibliotecas escolares? Quais os títulos mais procurados pelos alunos?

Relação com o órgão público

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INEP/MEC

O INEP/MEC foi o órgão que nos respondeu mais rapidamente (o pedido de informação foi feito no dia 5/9 e a resposta foi enviada no dia 6/9). De acordo com a resposta, a nossa solicitação está presente nos microdados disponíveis no site do INEP (http://portal.inep.gov.br/basica-levantamentos-acessar) para download.

Márlei Almeida e Cloadoaldo Lemes, que nos responderam, se mostraram solícitos e prestativos para qualquer erro referente aos arquivos, que são compilados por categorias e por anos em pastas zipadas, que requerem um programa de extração para se ter acesso às informações. No entanto, para a visualização dos dados, não conseguimos instalar os programas de análise indicados pelo órgão dentro das pastas zipadas.

SEE

A Secretaria Estadual de Educação foi o único órgão que prorrogou os prazos para as três solicitações. Também não soubemos que membro da SEE nos respondeu, diferentemente dos outros órgãos, que identificavam cada atendente.

Para a primeira pergunta, o órgão informou que “100% das mais de 5 mil escolas da rede paulista dispõem de acervos bibliográficos para seus alunos. (...). Cabe informar que todos os prédios escolares novos são construídos e entregues com sala de leitura e, desde

2014 foram entregues 57 novos prédios”.

Sobre a quantidade de livros disponíveis, a SEE alegou que “(...) A partir da Resolução SE nº 15, de 18/02/2009, que dispõe sobre a criação e organização de Salas de Leitura nas escolas da rede estadual de ensino, até 2013, foram entregues a todas as escolas do Ensino Fundamental Anos Finais,  Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos,  1.028 títulos de literatura brasileira, estrangeira e títulos informativos de todas as áreas do currículo.

Todavia,  as escolas também contam com livros recebidos em outras épocas e de outros projetos, como por exemplo do Ler e Escrever para o Ensino Fundamental Anos Iniciais, livros recebidos por doação e adquiridos pela própria escola por meio da Associação de Pais e Mestres.

Numa mostra significativa de 1500 escolas temos registro de Salas de Leitura com acervos que variam de 500 a 10.000 exemplares de livros.”

Já para a terceira questão (sobre a frequência de empréstimos e títulos mais procurados), a SEE nos encaminhou dados incompatíveis com os pedidos e trocou o nome da solicitante por “Jéssica”.

A resposta continha uma tabela de treze livros didáticos da matéria de Ciências para os anos finais do ensino fundamental (6º. a 9º. ano), escolhidos por professores da rede estadual, segundo o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que serão utilizados nos anos de 2017 a 2019. Com isso, entramos com recurso no dia 3/10.

A réplica da Secretaria foi de que “a frequência média de empréstimos das 1.806 Salas de Leitura que contam com professor responsável é de 227 livros/mês e que os 30 títulos mais lidos, num leque de  aproximadamente 600 títulos citados no levantamento do Perfil Leitor de agosto, entre 17.000 alunos respondentes, foram: [segue a lista abaixo da resposta]”.

No site oficial da SEE, afirmam que há 3.144 escolas com salas de leitura em 604 municípios paulistas e 2,6 milhões de estudantes são atendidos, de acordo com dados de fevereiro de 2015.

SME

A Secretaria Municipal foi o órgão mais específico nas respostas, apesar de insatisfatórias. Sobre a quantidade de bibliotecas e salas de leitura construídas desde o Censo de 2014, a SME nos enviou uma tabela no excel com dados dos três anos, pelas duas categorias, com informações de todos os sistemas de ensino, menos as dos CEUs (Centro de Educação Unificado).

O protocolo da segunda questão foi considerado respondido pelo órgão, já que a pergunta anterior contava com os números absolutos. A variação do número de bibliotecas e salas de leitura podemos filtrar pela comparação entre 2014 e 2015; de 2015 a 2016; e de 2014 a 2016.

A última pergunta acabou contemplando o pedido da primeira sobre os CEUs, mas não abordou os empréstimos na rede municipal de ensino. De acordo com o chefe de gabinete Oswaldo Napoleão Alves, “as 46 (quarenta e seis) bibliotecas dos Centros de Educação Unificados – CEUs, integrantes do Sistema Municipal de Bibliotecas da cidade de São Paulo são bibliotecas públicas educativas, de caráter híbrido por atenderem tanto as comunidades não escolares como as escolares dos territórios CEUs, atendimento feito com semelhante préstimo. Para conhecer os acervos do Sistema Municipal de São Paulo há o link:http://biblioteca.prefeitura.sp.gov.br/pesquisa/. (...) Os títulos mais emprestados pertencem a categoria infanto-juvenil , variando de acordo com o projeto político pedagógico de cada unidade escolar.”

A SME disponibilizou um link para consulta dos títulos, mas não conseguimos abrí-lo. Por isso, entramos com recurso e recebemos, na réplica da secretária municipal de Educação, Nádia Campeão, uma lista em anexo dos cinco títulos mais emprestados e a quantidade de empréstimos apenas nos CEUs: “as salas de leitura de nossas unidades educacional tem indicadores de empréstimos em cada escola. Os títulos mais emprestadas nas Bibliotecas dos Centros de Educação Unificados – CEUs , no período entre 01/01/2016 e 12/09/2016 foram as seguintes: [anexo]”

== Importância da LAI para a prática jornalística == 

O direito à informação, previsto na Constituição Federal, é fundamental para que a sociedade conheça e tenha acesso à atuação dos governos nas três esferas que constituem a organização do país. A prática jornalística, enquanto função social que trabalha justamente com a informação, estabelece a conexão entre a sociedade civil e o poder público, com o intuito de apontar, fiscalizar, contextualizar, questionar e comparar exatamente as variáveis que promovem um Estado Democrático de Direito para que o debate seja qualificado e acessível.

Com isso, a Lei de Acesso à Informação, apesar de recente, é uma das obrigações que visa promover essa garantia constitucional. No entanto, é preciso observar se há o cumprimento dessa lei. Levantamento da ONG Artigo 19, publicado em maio deste ano, contestou o grau de transparência passiva no Judiciário, solicitando dados acerca de orçamento, processos judiciais, documentos; e de transparência ativa sobre funções administrativas e jurídicas. O resultado é alarmante: 56,8% de não-respostas. Nenhum dos 27 Tribunais de Justiça do país atenderam as predileções legais de transparência.

Exemplos como esse - e o que tivemos com os nossos pedidos - marcam os graus de opacidade ainda existentes nesse quesito. Além disso, como os dados são publicados também são questionáveis, tanto na metodologia quanto no detalhamento das informações, e como a linguagem e o tipo de software usado para publicizar os dados promovem ou dificultam o acesso à compreensão do que é disponibilizado.

Em contrapartida, a existência da lei e o retorno que ela possibilita gera maior questionamento sobre o compromisso dos governos com os/as cidadã/os e se torna uma ferramenta de fiscalização do poder público e, consequentemente, meio de reivindicação de direitos, já que os maiores usuários da LAI são jornalistas. Isso também leva a discutir por quê a maior parcela da população não conhece e/ou não tem acesso a essa política.