Análise II - Enzo da Silva Damasceno

A) Ideia inicial - História editar

1 - O filme conta uma história. Sobre quem? editar

Corações sujos, de 2011, tem como sujeitos de sua narrativa a comunidade japonesa residente no Brasil dos anos que sucederam o término da segunda grande guerra. Precisamente em 1945, em uma das maiores colônias japonesas do país, localizada no interior do estado de São Paulo, um grupo de imigrantes japoneses não aceita a rendição do Japão frente aos aliados e passa a perseguir e assassinar os membros da comunidade que acreditam, apelidando-os de makegumi — são os traidores da pátria, os “corações sujos”.

2 - Quais são as personagens principais? editar

Os principais personagens são Takahashi, Watanabe e Miyuki, mas não há um grande protagonismo ao longo do filme. Os outros personagens possuem sua importância na composição da obra como um todo. Takahashi é dono de um estúdio de fotográfico e é morador da colônia; ele, assim como outros membros da comunidade, não são falantes da língua portuguesa. Miyuki é casada com Takahashi e atua dentro da comunidade como professora primária. Watanabe, é um coronel, um antigo oficial do exército imperial japonês.

3 - Qual delas mereceu a sua atenção? editar

Os personagens que mais chamaram minha atenção foram Takahashi e Watanabe. Há muitos diálogos no filme que puderam suscitar alguma reflexão interessante e que certamente remetem a questões históricas daquele momento, porém, dentre esses diálogos e cenas, os dois personagens citados, são aqueles mais presentes nos trechos com os quais pude “parar e pensar”.

4 - Como termina o filme? O que você achou sobre ele e por quê? editar

O filme se encerra quando Takahashi toma consciência de que suas ações foram motivadas por um engano. Quando Watanabe percebe que Takahashi se tornou um “coração sujo”, imediatamente ordenou a um membro da organização nacionalista que o matasse, entretanto, para o desgosto do antigo oficial, Takahashi sobrevive e, no auge de seu sentimento de desonra, caminha desiludido até a casa de Watanabe carregando consigo uma Katana. Nesta cena temos um importante e último diálogo entre os dois em que podemos compreender o tema de fundo da obra. É um bom filme, acredito que mereça mais notoriedade; o que o faz menos aclamado é que ele não pode alcançar o mesmo grau de criticidade do livro de Fernando Morais. Por outro lado, talvez essa não seja a intenção do diretor. Nas telas iniciais, vemos um apelo ao lado sentimental do espectador quando Miyuki escreve “traidor” num papel utilizando kanjis e diz: “naquela guerra, eu perdi tudo”, mas, ao decorrer do filme, vemos que poucas cenas são dedicadas a ela e que, na verdade, os dilemas sofridos por ela fazem parte de uma trama maior que são os dramas sofridos pela comunidade em geral ou por Takahashi, que terminou desonrado e solitário. Esta não foi exatamente uma crítica, pois é um filme, tem que haver drama, o que quero dizer é: caso queira conhecer a fundo sobre a Shindo Renmei e os acontecidos próximos a Tupã, cidade do interior do estado de  São Paulo, recomendo que busque conhecer o livro, outros textos e artigos. Agora, se a sua pretensão for conscientizar alguém, é completamente válido indicar este filme. Outra coisa, o livro difere do filme, e segundo um relato de um ex-membro da Shindo Renmei, nem mesmo o livro é totalmente fiel aos acontecidos.

B) Tema de fundo - Tese editar

1 - Quais são os temas tratados no filme? editar

Deve-se ter em mente que o nacionalismo está intrinsicamente ligado ao período em que se passa a história do filme, assim, não seria correto deixar de mencioná-lo, muito menos de percebê-lo. Dadas as questões que ali estão postas, é necessário percorrer o caminho inverso e afunilar a ideia de nacionalismo, pois sem remontar as categorias que estruturam a criação do sentimento de nação e de identificação com o país de origem, não seria possível compreender a atuação dos nossos sujeitos neste recorte. Os acontecimentos envolvendo a comunidade nipônica no Brasil durante o período de guerras estão ligados, claro, em primeiro lugar, a memória e a imigração; em segundo, a obviedade das dificuldades encontradas ao residir em um país que tem como inimigo o seu país de origem.

2 - Em que cena compreendeu o tema de fundo do filme? editar

Logo no início do filme, somos apresentados ao estúdio de fotografia de Takahashi, ele, que não sabia falar português, contava com a ajuda de Akemi — uma das crianças da colônia e aluna de Miyuki —, que o ajudava atuando como interlocutora entre Takahashi e seus clientes. Dentro do ressinto, em uma das cenas iniciais, vemos um fundo para fotografias, uma ilustração representando uma paisagem tipicamente reproduzida para evocar o sentimento de nação e pertencimento e que é facilmente encontrada em casas de nipo-brasileiros, aquela famosa, com o Monte Fuji ao fundo. O que importa aqui sobre esta pintura é que ela é, com toda certeza, um item que remete ao país de origem dos japoneses e que provoca sentimentos de saudade. Quem sabe, somados aos abusos sofridos em um país estrangeiro, onde a distância fez mudar as lembranças, possamos afirmar que esses sentimentos levam a idealizações da nação japonesa, terra de origem dessas pessoas, causando assim, alterações nas memórias. Takahashi foi influenciado por essas alterações, pelo sentimento de amor à pátria; bastou para que, em uma cena de diálogo entre ele e Akemi, o agouro de Watanabe, respondesse a seguinte pergunta de Akemi: “Takahashi-san, por que você não fala português?”, em resposta, Takahashi afirma: “porque eu sou japonês”. Após isso Akemi insiste em sua dúvida e Takahashi diz: “eu sou japonês”, e em seguida, “e você também é Akemi”. De volta ao fundo para fotografias representando o Monte Fuji, exibido por breves segundos, a cena tem sequência quando, irrompendo o som ao fundo responsável por dar sentido as imagens, Takahashi puxa um outro fundo, dando foco ao diálogo entre ele e seus clientes por meio das traduções realizadas por Akemi pois as crianças são nascidas no Brasil, falam bem o português, tanto que necessitam estudar o idioma de seus familiares, já que encontram maiores dificuldades com japonês do que com o português, aliás, era vetado aos nipo-brasileiros falar em sua língua. O novo fundo ilustra uma floresta e animais típicos encontrados no Brasil, depreende-se, então, a substituição abrupta entre memórias saudosas e a atual situação da comunidade japonesa, a qual se submete a um forçoso esquecimento de suas tradições em função da aceitação de elementos de outra cultura.

3 - Qual o problema ou questão que foi tratada mais demoradamente? editar

Há uma boa distribuição das questões abordadas, como disse, muitos dos diálogos podem suscitar reflexões, assim, posso afirmar que o filme trata de várias das questões envolvendo a comunidade japonesa no Brasil.

4 - Os realizadores descreveram bem os protagonistas? editar

Ao longo do filme conseguimos compreender as principais questões de todos os personagens caros a narrativa.

C) Ritmo e montagem - Edição editar

1 - Qual a cena ou sequência que mais chamou sua atenção ou lhe impactou? Por quê? editar

No momento em que Takahashi percebe que cometeu um erro ao atentar contra seu próprio povo, ele se torna um “traidor da pátria” para o coronel Watanabe. Na cena em que Takahashi dá indícios de suas dúvidas em relação a vitória do Japão, logo após um esforço realizado pelas autoridades feito com o uso de imagens para demonstrar que o imperador tinha se submetido aos EUA, há um pequeno diálogo entre ele e Watanabe, nesta conversa, percebe-se que a questão para Watanabe nunca foi se o Japão tinha ou não perdido a guerra, mas sim, o “Espírito japonês”, o amor incondicional a pátria. Tal acontecimento reflete-se nas cenas finais do filme, em que Takahashi solicita que Watanabe retire a própria vida, cometa o seppuku, uma forma tradicional de suicídio reservada a classe guerreira do Japão feudal. O que impressiona é que Watanabe recusa, parece algo estranho, pois Takahashi mesmo com o profundo sentimento de desonra, ainda ofereceu um fim honroso a Watanabe. Por que é que Watanabe não aceitou realizar o seppuku já que Takahashi o mataria caso recusasse? Foi porque o seppuku exigiria que Watanabe tivesse se arrependido de seus atos, mas, para ele, em primeiro lugar, exigiria que ele deixasse de amar a pátria. Takahashi então dá fim a vida de Watanabe. Depois de confessar seus crimes, evitando o suicídio com a justificativa de que deveria viver o resto de sua vida carregando sua desonra, anos se passam, e Takahashi se reencontra com Akemi, agora uma mulher adulta, mas o interessante é a surpresa de Takahashi — antes de descobrir que a mulher em seu novo estúdio de fotografia era Akemi —, ao ver uma nipo-brasileira que sabia falar japonês, o que “não era muito comum atualmente”. Essa foi a sequência que mais gostei.

2 - Houve algo no filme que te aborreceu? Em que parte do filme? Eram cenas de diálogo ou de ação? editar

Não. Gostaria de saber mais sobre os bilhetes que instruíam aos japoneses a doutrina do “Espírito japonês.”

3 - Qual a cena/sequência que não foi bem compreendida por você? Por quê? editar

Não sei se deixei algo escapar. De maneira geral, é possível que tenha compreendido bem aquilo que o filme entrega, talvez  não tenha dado tanta atenção para alguns aspectos afim de ressaltar meus pontos de maior interesse.

D) Mensagem editar

1 - O que é proposto pelo filme é aceitável ou não? Por quê? editar

O que é aceitável? O filme mostra a dura realidade dos imigrantes japoneses que mal puderam se instalar na sociedade brasileira de maneira digna. Caso eles pudessem, não haveria a necessidade de criarem seus próprios assentamentos, distantes de todo resto, onde pudessem se sentir seguros. Não cabe a mim julgar os crimes cometidos pela Shindo Renmei, pois para isso eu teria que julgar também os golpistas brasileiros que vendiam passagens falsas para os japoneses que almejavam retornar à terra do sol nascente. De maneira geral, acredito que a proposta do filme seja aceitável, porque mesmo se tratando de crimes contra a vida, esse foi o único retrato do sofrimento dessas comunidades que chegou até mim. Há pouco conteúdo produzido sobre estes sujeitos capaz de alcançar um número considerável de pessoas.

2 - A quem se dirige, em sua opinião, o filme? editar

Este é um filme para todos os públicos. Acho que ele fala de questões bastante esquecidas, aquilo que não é lembrado pela vítima, principalmente, em razão do receio, da volta da opressão, trata de ser esquecido, apagado. Enquanto os outros não lembrarem — os jovens que já não se lembram — esta lembrança permanecerá guardada.

E) Relação com a disciplina de História do Brasil editar

1 - Qual a contribuição do filme para sua compreensão da disciplina e do período estudado? editar

O filme trouxe um avanço em relação ao estudo da memória coletiva, seu funcionamento e suas condições, foi como ir a campo e observar. Pude compreender melhor as dificuldades dos japoneses no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial. Eu não havia lido nada sobre este tema até então, e acredito que tenha uma importância significativa com relação aos estudos envolvendo nacionalismo, memória, migração e ideologia. Procurei por algumas outras informações, o que me levou a conhecer um pouco sobre as perseguições aos italianos e alemães também e, ao que parece, existem ainda menos pesquisas a esse respeito. São pesquisas fundamentais para compreendermos quem é o povo brasileiro, enquanto elas não forem feitas, mais distantes de nós mesmos estaremos, mais distantes de nossa realização.

2 - Relacione as contribuições desse trabalho para sua formação. editar

A escolha de Corações Sujos (2011) para realização da Análise de Filme II está ligada a ausência de discussões durante a disciplina envolvendo a comunidade nipônica no Brasil. É um tema especial no sentido de que existe um certo silêncio na historiografia brasileira sobre estas questões, então pesquisas precisam ser feitas, dado aos nossos estudos neste semestre de maneira geral, acredito que por meio dele seja possível dar um bom andamento para o estudo das questões envolvendo memória, construção do esquecimento, nacionalismo etc. Com o filme, pude observar que, mesmo quando deixamos nosso país, quando impedem o estudo de nossa língua materna, quando impedem que falemos em nosso idioma, quando não permitem que tenhamos rádio em casa para ouvir as notícias, quando impedem que hasteemos nossa bandeira, entre outras barbaridades, ainda sim, é possível compartilhar a memória coletiva de que o nosso grande império nunca perdeu sequer uma batalha. Se pudermos falar, e tivermos alguém que também se lembre, qualquer coisa pode ser a realidade.