Jornalismo Básico 2: reportagens especiais/Reportagens do JOB/Ana Beatriz e Bárbara
Arte que atinge, que caminha, que se expõe
Museus, Centro Cultural, Teatro Municipal, Biblioteca Mário de Andrade. Várias são as opções de espaços culturais na região central de São Paulo. Basta um olhar atento para notar que as ruas cheias de história emanam cultura e arte gratuitamente. Durante uma caminhada pela Rua Marquês de Itu, é possível encontrar poucas pessoas sentadas em frente ao prédio da organização SP Escola de Teatro, iniciada em 2005. Entre elas, o aluno de Técnicas de Palco Manuel Marcelo Muniz, que estuda Artes Cênicas há três anos. Sua camisa de manga curta azul, estampada com bolinhas roxas, contrasta com as outras peças de roupa, mais escuras.
Manu, como gosta de ser chamado, afirma ter nascido para ser pintor. O divórcio, as dificuldades de se manter com a renda do ofício e as “surpresas da vida” o levaram ao teatro. Com a ajuda de uma amiga, com quem trabalhou no Circo Mágico, Muniz entrou na organização. Entre os benefícios de se dedicar ao trabalho que tanto ama, ressalta o distanciamento da marginalidade. Arte, para ele, tem como matéria-prima o próprio corpo. A partir dessa definição, o produtor nos convida a percorrer o centro segundo o seu próprio roteiro, que mostra exposição cultural a partir da exposição e do trabalho dos corpos dos artistas.
Têm-se início pela Rua Rêgo Freitas. As cores capturam facilmente a atenção. O grafite dos irmãos Interesni Kazki, na lateral de um prédio, é um exemplo de arte na rua. Manu aponta para a Matilha Cultural, um espaço dedicado à arte e pouco conhecido por quem passa por ali diariamente. Sua mais recente exposição foi dedicada a cachorros, o que conquistou Muniz. Após andar pelas ruas de comércio, chegamos ao primeiro destino: Praça Roosevelt, onde jovens costumam de reunir semanalmente para fazer batalhas de rap, divulgando conhecimento e criando uma nova forma de poesia. O espaço amplo também é palco dos alunos da SP Escola de Teatro, que possui uma unidade ao lado da praça dedicada aos cursos e oficinas.
O percurso é preenchido por reconstituições de cada um dos centros de cultura que possam ser lembrados pelo guia. E ao citar cada um dos lugares, o faz com uma empolgação cadenciada, mantida a cada lembrança, a da vez é a Galeria Olido. O espaço vira poesia, mesmo que esteja no esquecimento de muitos, é repleto de cores para Manu. Fala com carinho sobre o que viu lá, a positiva surpresa com a presença de jovens e o contentamento com a existência de um lugar em que a arte circense possa ser continuada. Lhe parece um ambiente confortável.
O local que abriga um centro de memória ao circo, salas de cinema, espaços para exposição, sala de dança, ponto de leitura entre outros, ganha vivacidade quando ocupado. Seus ocupantes se expõem como uma pele nua, sem vergonhas, amarras, limitações. Abertos, ansiosos para se entregarem ao seu observador, sem roteiros, programas ou catálogos, são puro momento, percepção, em cada traço dos seus rostos ou movimentos de seus corpos.
Fala também de uma arquitetura que contrasta muito com a sua, o suntuoso casarão, à princípio não combina com seu cabelo despenteado. Habitada pela família do comendador Antônio Álvares Penteado, poderoso fazendeiro do café, a Vila Penteado, abre seus portões, escadarias e jardins ao aprendizado, à formação de produtores de arte, palestrantes, expositores, um dos quais foi capaz de encantar um olhar, encantamento que dá a ele brilho através da camada translucida. A comunicação ocorre, mesmo que de maneira efêmera, a transformação se dá.
O ritmo da empolgação é brevemente interrompido quando o assunto é a não abertura de alguns espaços, pelo menos relações hostis foram estabelecidas com aquele que tentou penetrá-los. O alto prédio, na Rua do Ouvidor, 63, é formado por andares e andares de cultura, livre àqueles que desejam se expor, com música, teatro, cinema, ou mesmo por um curso de yoga. Carrega no nome “Ocupa”, mas não parece que isso vale para todos, pelo menos não para Manu, eles ocupam, você não. Diante de um grupo fechado, o espaço se bloqueia, assim como uma rua em obras, o que em um primeiro momento parece ser motivo de chateação, mas, logo em seguida é digno de um “eu até entendo”.
Precisa se sentir abraçado como sente pela rua, pelo teatro, pela cenografia. Como um produtor de cultura, por paixão, por impulso, por acaso, por necessidade, profissão, apenas foi atingido, simplesmente porque acontece, porque é necessário. A arte comunica, a arte excita, a arte desperta o brilho no olhar, o impulso de falar e ouvir um estranho, caminhar com ele, se expor, expor o outro, fazer diferente.
Produz. Com suas palavras, com as máquinas do ateliê, com os pincéis, com as ideias, apenas produz. “É complicado, você está vendendo uma coisa que não existe”, diz quando indagado sobre o seu papel. Assim como um espaço cultural, não precisa existir, a arte se expõe, se exibe. As paredes gritam com suas cores, suas letras, resistem. Não há a proteção do vidro, das paredes, ou mesmo de uma linha no chão, apenas não precisa. A cultura se abre ao diálogo, se expande, se expõe.