Reportagens do JOA/Bárbara, Mariane e Isabella
Resistência, luta e fé
editarO desgaste na pintura nas paredes são cicatrizes do tempo na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Fundada pela Irmandade dos Homens Pretos, resgata uma história de mais de 300 anos.
Com o intuito de acolher a população negra então impedida de frequentar as demais igrejas, a Irmandade construiu seu primeiro templo em 1711 no Largo do Rosário (atual Praça Antônio Prado). Nesse local, os escravos podiam exercer sua fé com maior dignidade e se proteger do fardo da escravidão.
Devido a projetos de urbanização na cidade, o templo foi demolido no início do século XX e sua versão atual erguida no Largo do Paissandu em 1906. O local, escolhido na época por ser um espaço de várzea, foi reconstruído com a força dos negros e o apoio do ermitão Domingos de Melo Tavares que foi a Minas Gerais angariar fundos.
Popularmente conhecida como “Igreja dos Pretos”, é responsável pelo fortalecimento da etnia negra em São Paulo. O Monsenhor Eduardo Vieira dos Santos, primeiro bispo negro da Arquidiocese de São Paulo, é presença cativa na igreja e quer colaborar para transformar o Largo do Paissandu em marco zero da etnia na cidade.
Na missa das 8:30 desta terça-feira, havia 17 fiéis além do padre branco e da ministra de eucaristia negra. Hoje a igreja é majoritariamente frequentada por mulheres brancas. Porém a história resiste com a presença das imagens de santos negras como São Benedito e Santa Josefina Bakhita, primeira santa africana.
”A fé não tem cor, não tem sexo. A fé é universal! ”, diz Sônia Maria Pereira de 58 anos. A curiosidade a levou à capela onde permanece há 23 anos como membro da irmandade. Seu intuito é preservar a história da igreja. Uma conquista dessa luta está a caminho: o reconhecimento do seu valor cultural, por meio do tombamento da igreja. Outra missão da irmandade é combater o preconceito. “Eu não restrinjo o preconceito aos negros, pois qualquer pessoa considerada diferente é vítima”, enfatiza Sônia.
A irmã atribui a cura de um câncer de estômago à Nossa Senhora do Rosário. Diagnosticada há 15 anos, manteve a fé pois seus santos nunca a haviam abandonado. Dessa vez, não foi diferente. Recebeu alta depois de 5 anos. “Meu oncologista disse: Sônia, você é uma pessoa abençoada! No seu tipo de câncer, a chance de cura é uma pessoa em mil”, conta emocionada.
Imponente à primeira vista, a igreja de cor amarela tem no seu interior uma aconchegante capela. Pequena e acolhedora, mas detentora de grande beleza: ostenta vitrais coloridos, lustres que enfeitam o teto e diversas imagens que ocupam as paredes de tons pastéis. O ambiente sereno faz esquecer por um momento do mundo exterior, no entanto o barulho dos ônibus que passam na Av. São João, lembra-nos de que estamos no centro da cidade de São Paulo.
Próximo à entrada, fica a Floricultura Nossa Senhora do Rosário. O português José Murim, é dono desse ponto há 30 anos com sua esposa. O aroma das flores contrasta com o ambiente em volta impregnado de urina e pombos que se alimentam de restos de comida.
Ao lado da barraca de flores há uma viatura da Guarda Civil Metropolitana. Segundo o policial, sua presença é necessária para inibir os possíveis furtos recorrentes na região, onde há moradores em situação de rua e usuários de crack.
Desde 1955, uma estátua de bronze em homenagem a mulheres negras que amamentavam crianças brancas no período da escravidão faz parte do cenário. Ao pé da Mãe Preta, uma senhora de cabelos loiros que reluzem com os raios do sol, acende 10 maços de velas para os santos dos quais é devota. Vera Rovantini realiza este ritual uma vez por mês. Moradora do centro há 32 anos, a gaúcha frequenta às missas na igreja semanalmente.
O Largo do Paissandu foi escolhido para acolher a estátua por ser um ponto de referência para a comunidade afrodescendente de São Paulo e pela presença da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. O monumento, tombado em 2004, ganhou foro de entidade religiosa. Hoje é abrigo de moradores em situação de rua e altar para pessoas como Dona Vera.