Reportagens do JOA/Brandon, Guilherme e Pedro
A literatura esquecida nos fundos da Catedral da Sé
editarA Praça da Sé é um dos principais pontos da cidade de São Paulo. Presente desde a construção da Igreja Matriz no Município, substituída posteriormente pela Catedral da Sé, o lugar é conhecido por possuir o marco zero da cidade e também abrigar movimentos históricos no Brasil, como as Diretas Já, em 1983 e 1984.
A praça das sensações
Com muitas pessoas caminhando ou fazendo turismo, e um grande número de moradores de rua, um cheiro relativamente ruim assola a região, talvez pelo caminhão de lixo que passa por volta das 9h30 às terças-feiras. O odor é realçado pelo calor matinal que se faz presente na cidade de São Paulo. A parte da frente da Catedral da Sé chega a assustar alguns, ainda mais aqueles que não estão acostumados com a loucura de São Paulo. A parte dos fundos da igreja, entretanto, mostra-se muito menos movimentada, mais limpa e ainda com bancas de jornais que oferecem boas e diferentes opções de leitura, que, normalmente, não são encontradas em todo lugar.
A princípio, as bancas pareciam normais, com itens que pareciam igualmente comuns à todas elas. Muito devido ao advento da internet, ter uma banca como negócio tornou-se pouco lucrativo. Algumas substituíram a venda de jornais, revistas e livros, primordialmente, por outros itens, como o serviço de cópias de papeis, venda de chaveiros, máscaras, dentre outras coisas curiosas. Entretanto, algumas buscaram uma literatura relativamente esquecida para alavancarem suas vendas: a literatura de cordel.
Ultrapassados? Eles dizem que não...
O cordel é uma forma de literatura popular do Nordeste, mas que teve sua origem em Portugal, quando os relatos orais começaram a ser impressos, e pendurados em “cordões”, onde eram disponibilizados para venda.
Mesmo assim, aqui no Brasil, esse gênero se popularizou em meados do século XIX, e alguns cordelistas ficaram marcados, como João Martins de Athayde e Apolônio Alves dos Santos. Entretanto, os cordéis que são vistos nas bancas dos fundos da Praça da Sé não são desses nomes. Eles são, predominantemente, com uma exceção ou outra, de José Medeiros de Lacerda, paraibano, que vive atualmente em Santa Luzia.
O motivo de tantos cordéis do próprio autor? Os jornaleiros respondem: José Medeiros de Lacerda faz a entrega de sua obra-prima pessoalmente. Para alguns, a cada 3 meses, para outros, a cada seis meses, e para outros apenas uma vez por ano. Segundo Nélio, dono de uma banca localizada em frente a um sebo, José Lacerda aparece cerca de três vezes ao ano, e diz que a venda dos cordéis atualmente dá uma margem de lucro muito boa a ele, que tem muitos consumidores dos pequenos livrinhos. Nélio também vende outras curiosidades em sua banca, como os livros “negros”, que tratam sobre o “oculto”, e acabam atraindo muitos compradores: “Costumam vender muito porque tudo o que mexe com o oculto chama atenção das pessoas”, diz o jornaleiro, que é teólogo por formação.
Voltando aos cordéis, quem também os vende é o jornaleiro Bruno, que comenta a presença de José Medeiros de Lacerda de tempos em tempos (anualmente no seu caso): “Ele libera vários exemplares para nós (ele e seu chefe). O que vender, fica uma parte para nós e outra pra ele. O que não foi vendido, ele (Lacerda) recolhe”. Bruno também costumava atrair um público diferente em sua banca, já que vendia um conhecido livro de bruxaria, denominado “São Cipriano”. Agora, não o vende mais, mas alega que o livro ainda é muito comum na região da Sé, principalmente nos sebos que ali existem.
Em outra banca do tranquilo fundo da Catedral da Sé, um senhor come seu pão de queijo tranquilamente quando é interpelado por dois jovens querendo saber a respeito dos cordéis que são encontrados na frente de sua banca. A resposta é quase igual a dos demais: “Esse senhor (Lacerda), passa aqui de seis em seis meses, deixando esses exemplares aí". Entretanto, para ele, as vendas não são tão boas: “Vende pouco, mas tenho que dar essa opção para o consumidor”. Se a literatura de cordel parece morrer aos poucos no Brasil, os fundos da Catedral da Sé mostram-se os locais de resistência de uma cultura que não quer “partir dessa para melhor”. Para resistir, alguns poucos jornaleiros fazem questão de vendê-los, mas o consumo é cada vez mais diminuto. As máscaras, comum nas bancas da região, parecem vender mais.