Turma Joc/Casos de suicídio nos metrôs de São Paulo
Casos de suicídio nos metrôs de São Paulo
Através da Lei de Acesso a Informação tentamos ter acesso aos dados da companhia. O pedido foi negado.
Por Júlio Vechiato, Leonardo Rezende e Thaís Regina Santos
Contexto
Para quase todos os moradores de grandes metrópoles, ter problemas no transporte público não é nenhuma novidade. O problema mesmo surge quando muitos desses problemas são mascarados e as empresas de serviço não são transparentes para com a população.
Em São Paulo um bom exemplo são os casos de suicídio cometidos nas linhas de metrô. Não é incomum de vez em quando ouvir as mensagens dos alto falantes relatando problemas na circulação dos trens do metrô. Muitas vezes esses ‘problemas’ ditos pelos funcionários são por causa de suicídios cometidos nas estações.
Uma característica adotada pelas empresas de trens e metrôs da cidade é não divulgar o número de casos, e também nem sempre comunicar o que aconteceu aos usuários. A alegação seria de que os dados poderiam estimular mais pessoas a cometer o ato.
Porém, dados assim não só são importantes por si só como também necessários para entender esses casos que tanto acontecem no dia das pessoas. Por essa questão de transparência na saúde pública, o grupo encaminhou um pedido a Companhia Metropolitana de São Paulo, via Sistema Integrado de Informação ao Cidadão (SIC/SP), perguntando qual era o número de suicídios ocorridos no metrô Paulistano nos últimos 5 (cinco) anos.
Processo e relação com o órgão
Pela Lei de Acesso à Informação o órgão responsável tem um prazo de até 20 (vinte) dias para responder a solicitação, podendo este prazo ser prorrogado em mais 10 (dez) dias mediante justificativa expressa. Após os vinte dias obtivemos uma resposta da Companhia dizendo que o prazo para a solicitação de acesso aos documentos havia sido prorrogado. A justificativa do órgão seria de que “devido ao volume de informações, ainda se encontra em processo de elaboração”.
Após o novo prazo de dez dias recebemos uma nova resposta, informando que o pedido de acesso a informação havia sido negado. A justificativa foi de que obedecendo às recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Constituição Federal- Artigo 1, inciso III
Protocolo da informação requerida
Pesquisa de Solicitação por protocolo
Protocolo: 499801613591 Situação da solicitação: Encerrada Data da Consulta: 18/11/2016 17:12:24
Órgão/Entidade: Companhia do Metropolitano de São Paulo
SIC: Companhia do Metropolitano de São Paulo – METRÔ
A sua solicitação de acesso a documentos, dados e informações, teve seu prazo PRORROGADO.
Justificativa da prorrogação: Informamos que, devido ao volume de informações, ainda se encontra em processo de elaboração. Desta forma, a pedido da área subsidiadora, com base no Decreto Estadual nº 58.052, de 16 de maio de 2012, Artigo 15, Parágrafo 2º, solicitamos a prorrogação do prazo de 10 (dez) dias, a contar da data de 10/10/2016, para respondermos à sua manifestação.
Forma de recebimento da resposta: Correspondência eletrônica (e-mail) Data da Solicitação: 20/09/2016
Solicitação:
Por uma questão de transparência na saúde pública, a pergunta é: qual o número de suicídios ocorridos no metrô Paulistano nos últimos 5 anos?
Resposta recebida
“Prezado(a) Sr(a) Júlio Lopes de Oliveira Vechiato
A sua solicitação de acesso a documentos, dados e informações, de protocolo 499801613591, data 20/09/2016, FOI NEGADA.
Órgão/Entidade: Companhia do Metropolitano de São Paulo
SIC: Companhia do Metropolitano de São Paulo – METRÔ
Solicitação:
Por uma questão de transparência na saúde pública, a pergunta é: qual o número de suicídios ocorridos no metrô Paulistano nos últimos 5 anos?
Justificativa da Negativa de Acesso:
A Companhia do Metropolitano de São Paulo- Metrô, segue estritamente recomendação da Organização Mundial da Saúde- OMS, e a Constituição Federal-Artigo 1°, inciso III, além de estar alicerçada no Decreto Lei n° 58052, Artigo 30, inciso III, pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população”.
Em atenção à sua solicitação segue resposta.
A divulgação de ocorrências com usuários ocorridas na via dos trens (tentativa de suicídio, suicídio, queda na via provocada intencionalmente por outro usuário - empurrão), pode incentivar sua prática ou demonstrar ser um meio para tal ato, além de causar prejuízos à população e ao sistema de transporte quando da sua ocorrência. Seguindo recomendação da Organização Mundial de Saúde e a legislação vigente, o Metrô tem por procedimento não divulgar esta informação. Código Penal - Artigo 122 (induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio) e Constituição Federal - Artigo 1º, inciso III (dignidade da pessoa humana).
Agradecemos o contato e permanecemos à disposição.”
Análise
Certamente, a resposta é pautada em artigos e recomendações de outras instituições, com justificativa baseada em procedimentos já existentes. O Metrô não pode quebrar tais regras e isso é compreensível. Porém, a crítica então se direciona a quem estabeleceu tais regras em primeiro lugar. Mesmo que seja válida a preocupação com o possível incentivo da ação de se utilizar das linhas do metrô para o suicídio, evitar falar sobre o assunto também tem consequências negativas.
A situação dos suicídios, não só no metrô, é grave e precisa ser discutida. O tema é tabu em uma sociedade que se mantém na lógica de “não reclame, trabalhe” ou “sempre siga em frente”. A atenção a problemas psicológicos não é estimulada pela nossa cultura, onde muitos taxam depressão como frescura, terapia como perda de tempo e suicídio como covardia. Essa vergonha em falar de um tema que afeta muitas vidas diariamente não contribui em nada para a solução do problema. Não se olha para o problema para fingir que o mesmo não existe. O clássico ditado “a ignorância é uma benção”.
Em setembro de 2015, a OMS(Organização Mundial de Saúde) anunciou que o suicídio já matava mais jovens no mundo que o HIV. Segundo a OMS, 800 mil suicídios ocorrem a cada ano, sendo que para cada caso fatal, há 20 tentativas fracassadas. Calculando uma estimativa total, se tem 800 mil suicídios mais 16 milhões de tentativas ao ano. Ou seja, quase 17 milhões de pessoas, a cada ano, decidem se suicidar. E não estamos nem contando as pessoas que pensam na ação sem realizá-la. Não pode se assumir que todos eles foram incentivados pelo simples fato de falar do assunto. Em matéria da BBC, reportando os dados da OMS, uma das entrevistadas diz que “as pessoas acham que é um crime ter pensamentos suicidas. Não deveria ser assim”. Então o que tiramos dessa fala, que reverbera entre tantas pessoas na mesma situação? Que evitar falar do assunto, que transformar o tema em tabu só faz com que essas pessoas, que precisam tanto de ajuda e compreensão, se sintam sozinhas e ainda mais motivadas a tirarem suas próprias vidas.
Dados de 2012 da OMS revelam que o número de suicídios (de jovens) nos países de média e baixa renda é o triplo do mesmo número em países de alta renda. Suicídio, obviamente, não é frescura, mas sim uma ação destrutiva estimulada por fatores econômicos, físicos, culturais. É uma porta de saída configurada por uma cultura que não compreende e não perdoa. E enquanto o tema da depressão e suicídio forem ignorados, esses números continuarão crescendo, até que alguém comece a levá-los a sério.
Portanto, entendemos o medo que a corporação tem de falar sobre o assunto. Mas esse medo é consequência de um tabu, construído injustamente, que leva apenas à exclusão das milhões ou até mesmo bilhões de pessoas que sofrem com isso diariamente. São excluídas da esfera pública, sua existência ignorada até que parem de existir.
Importância da LAI
Qualquer informação, por menor que seja, pode ser tornar tema de uma grande reportagem. Como jornalistas, pesquisadores e cidadãos nenhuma informação deve estar fora do nosso alcance. Porém, muitas vezes encontramos várias barreiras que dificultam nosso trabalho, principalmente por causa da burocracia do sistema. Como divulgadores de informação é importante que nada fique sob ‘debaixo dos panos’ e que toda a informação fique clara para quem possa requerê-la. Até porque muitas vezes essas mesma informações parecem estar escondidas, sendo que se investigadas podem mostrar grandes problemas sociais.
Por exemplo, uma análise do número de casos de suicídio nas linhas de metrô podem revelar se essa prática estaria aumentando, o que nos levaria a perguntar por quê? Eis a dúvida. O direito à informação é um direito humano fundamental. Para que isso aconteça um mecanismo jurídico se torna necessário e eficaz. Antes da lei de Acesso à Informação havia um pensamento de que informações públicas eram de segredo apenas dos próprios agentes públicos, o que fazia essas gestões pouco transparentes.
Uma vez o cidadão tendo acesso a documentos e dados de seu interesse, este pode propor soluções e melhorias para administração pública. Ignorância não é uma benção, como dito na análise. Benção é saber o que antes estávamos ignorando ou o que não sabíamos. Todo ser humano aprende descobrindo, e a Lei de Acesso à Informação é um grande passo à frente nessa busca. Apenas um passo, mas um importante.
Referências
Perasso, Valeria - OMS: Suicídio já mata mais jovens que o HIV em todo o mundo. BBC Brasil, 22 de setembro de 2015.
Link: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/09/150922_suicidio_jovens_fd