Reportagens do JOA/Camila Junqueira e Isabelle Caldeira

Arcadas da resistência

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O Largo de São Francisco guarda memórias que doem na alma de quem as viveu, mas que enchem os olhos de quem passa por ali

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Você já caminhou pelo Largo de São Francisco? Fica no Centro de São Paulo, perto do metrô Anhangabaú. Em meio a prédios altos, ruelas estreitas e monumentos históricos. Cada parede do bairro conta uma história, cada tijolo de pedra presenciou algum acontecimento importante - embora os passos apressados façam muitos ignorar o que estão vendo.

A calçada larga é um respiro de alívio em meio ao cenário caótico e apertado ao redor. Olhando para cima, uma grandiosa construção toma toda a atenção das pessoas que se permitem olhar - coisa rara nos dias de hoje. A Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo se faz autoridade ali. Também conhecida como Arcadas, ou como Sanfran, é o lugar onde muitos batalham para entrar, e poucos conseguem. Porém, contraditoriamente a isto, as portas ficam abertas a quem quiser desvendar os segredos ali escondidos.

A fachada é cheia de arcos de pedra, assim como o pátio principal da faculdade. Nas colunas que as sustentam, placas registram os “tempos tensos e fecundos vividos no Largo de São Francisco”, referência a ela, que também se fez autoridade no passado: a sombria Ditadura Militar. Entre dois arcos à esquerda do pátio principal, outra placa faz homenagens, dessa vez aos alunos mortos na Revolução de 1932, muitos da faculdade. O clima político ali é quase palpável.

Tais informações tornam o local ainda mais interessante. Arcadas que foram palco de atrocidades políticas, mas também da união estudantil, da revolução à duras penas que cabe aos universitários fazer. Na rua, em pleno palco, uma pequena mesa ocupa um canto da praça, e cartazes feministas são colados no poste. Mais história sendo feita, dessa vez ao vivo.

A praça é grande, e embora pequenas, outras duas construções fazem parte do Largo. As Igrejas de São Francisco - e ordens primeira e terceira - ficam constantemente vazias, a não ser por um ou outro fiel que batem à porta, com lágrimas nos olhos. Palavras do próprio Frei João, um senhor sentado em um banquinho, na porta da Igreja maior. Ele é quase um cidadão comum, não fosse por seu espírito esperançoso, que guarda, embaixo das arcadas da Igreja, onde atua há mais de sessenta anos, um ser revolucionário e altruísta.

Frei João fala do Largo como quem lembra das tardes na casa da avó. Um afeto perceptível na voz, embargada pelos sinais do tempo. Debaixo das arcadas da Igreja, ele viu a história acontecer, e a luta tomar conta da praça à sua frente. “A faculdade ficou cheia de gente, virou referência, virou palco”. Mesmo incerto de qual lado estava, o Frei esteve presente, e compreende que o lugar é mais do que um singelo e histórico endereço paulista.

Do outro lado das arcadas, Maria que, se não fosse por três vogais, poderia fazer dupla com um José, mas faz dupla com João. As mãos da beata que vende santinhos na porta da Igreja tocam o terço, e a pergunta não cala: “Por que a senhora escolheu trabalhar aqui, dona Maria? ”, a resposta é simples: “O coração do Largo é tudo isso que preenche o espaço à sua volta. Além de me identificar com a Igreja, vi tanta coisa acontecer aqui em frente, não dá pra ir embora”.

Pois é, Dona Maria. O Largo do São Francisco é a senhora, e as feministas, e os conservadores e os esquerdistas. O largo é o contraste de duas Igrejas lado a lado a uma faculdade que abriga o estereótipo de ideias divergentes e que, no fim, termina no mesmo lugar: o coração de todos aqueles que, independentemente da crença, luta por seus ideais, em nome de suas virtudes e esperanças. O Largo do São Francisco é tudo que um Brasil inteiro vem lutando atualmente.