Ciência Política Cásper/Contratualismo

Sobre o Estado de Natureza e o Estado Civil

Thomas Hobbes editar

Desta igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à esperança de atingirmos nossos fins. Portanto se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos. E no caminho para seu fim (que é principalmente sua própria conservação e às vezes apenas seu deleite) esforçam-se por se destruir ou subjugar um ao outro [...]. (HOBBES, 1983, p. 74)

Com isto se torna manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens [...]. (HOBBES, 1983, p. 75)

Quando se faz um pacto em que ninguém cumpre imediatamente sua parte, e uns confiam nos outros, na condição de simples natureza (que é uma condição de guerra de todos os homens contra todos os homens), a menor suspeita razoável torna nulo esse pacto. Mas se houver um poder comum situado acima dos contratantes, com direito e força suficiente para impor seu cumprimento, ele não é nulo. Pois aquele que cumpre primeiro não tem qualquer garantia de que o outro também cumprirá depois, porque os vínculos das palavras são demasiado fracos para refrear a ambição, a avareza, a cólera e outras paixões dos homens, se não houver o medo de algum poder coercitivo. (HOBBES, 1983, p. 82)

A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-los das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda sua força e poder a um homem, ou assembleia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade [...]. (HOBBES, 1983, p. 105)

[...] É nele que consiste a essência do Estado, a qual pode ser assim definida: uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente para assegurar a paz e a defesa comum. Àquele que é portador dessa pessoa se chama soberano, e dele se diz que possui poder absoluto. Todos os restantes são súditos. (HOBBES, 1983, p. 106)

A única maneira de instituir um tal poder comum [...]é conferir toda sua força e poder a um homem ou a uma assembleia de homens. É como se cada homem dissesse a cada homem [...] Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isso, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado.

HOBBES, T. De cive: elementos filosóficos a respeito do cidadão. Petrópolis: Vozes, 1993.

HOBBES, T. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de Estado eclesiástico e civil. 2ª edição. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

John Locke (1632 - 1704) editar

"O estado de natureza tem uma lei da natureza para governá-lo, e a razão, que é esta lei, ensina toda a humanidade que não pode deixar de consultá-la, que todos são iguais e independentes, e nenhum deveria ferir outro e sua vida, saúde, liberdade ou bens.[...] E para impedir a todos os homens que invadam os direitos dos outros e que mutuamente se molestem, e para que se observe a lei da natureza, que importa na paz e na preservação de toda a Humanidade, põe-se, naquele estado, a execução da lei da natureza nas mãos de todos os homens, mediante a qual qualquer um tem o direito de castigar os transgressores dessa lei em tal grau que lhe impeça a violação, pois a lei da natureza seria vã, como quaisquer outras leis que digam respeito ao homem neste mundo, se não houvesse alguém nesse estado de natureza que não tivesse poder para pôr em execução aquela lei e, por esse modo, preservasse o inocente e restringisse os ofensores.”

"Concedo de bom grado que o governo civil é o remédio acertado para os inconvenientes do estado de natureza, os quais certamente devem ser grandes onde os homens podem ser juízes em causa própria [...]

"Sendo os homens, conforme acima dissemos, por natureza, todos livres, iguais e independentes, ninguém pode ser expulso de sua propriedade e submetido ao poder político de outrem sem dar consentimento [...] E assim todo homem, concordando com outros em formar um corpo político sob governo, assume a obrigação para com todos os membros dessa sociedade de submeter-se à resolução da maioria conforme a assentar [...]” (Locke, 1983, p. 71)

"Podemos dizer que o 'trabalho' do seu corpo e a 'obra' das suas mãos são propriamente seus. Seja o que for que ele retire do estado que a natureza lhe forneceu e no qual o deixou, fica-lhe misturado ao próprio trabalho, juntando-se lhe algo que lhe pertence e, por isso mesmo, tornando- propriedade dele [...] É o trabalho, portanto, que atribui a maior parte do valor à terra, sem o qual dificilmente ela valeria alguma coisa. " (1991, p. 94)

"O objetivo grande e principal , portanto, da união dos homens em comunidades, colocando-se sob governo , é a preservação da propriedade. Para este objetivo, muitas condições faltam no estado de natureza. Primeiro, falta uma lei instituída [...} Em segundo lugar, no estado de natureza falta um juiz conhecido e indiferente [...} Em terceiro lugar... falta poder que apoie e sustente a sentença quando justa, dando-lhe a devida execução."(1991 p.99)

LOCKE, John. Segundo Tratado do Governo Civil. In: WEFFORT, F. (org.). Os Clássicos da Política. São Paulo: Ática, 1991

LOCKE, J. “Segundo Tratado sobre o Governo”. T 3ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

Jean-Jacques Rousseau editar

Discurso sobre a origem e os fundamentos das desigualdades entre os homens.

"O primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer 'Isto é meu", e encontrou pessoas bastante simples para crê-lo, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil" p. 201

Traça um processo evolutivo na construção da civilização até o processo de ampliação da divisão social do trabalho.

"É somente o trabalho que dando ao cultivador um direito sobre o produto da terra que ele trabalhou, dá-lhe consequentemente o direito sobre a gleba, pelo menos, até a colheita e, desta forma, de ano a ano - o que , tornando-se uma posse continua, transformando-se em propriedade." p.209 (da desigualdade natural entre os homens à desigualdade social)

"Destituído de razões válidas para se justificar e forças suficientes para se defender, esmagando facilmente um particular, mas esmagado ele próprio por grupo de de bandidos, sozinho contra todos, então podendo, dado às invejas mútuas, se unir com seus iguais contras os inimigos unidos pela esperança comum do saque, o rico , forçado pela necessidade, concebeu, enfim, o projeto mais premeditados que até então havia passado pelo espírito humano. Tal projeto consistiu em empregar em seu favor as próprias forças daqueles que o atacavam, fazer de seus adversários seus defensores, inspirar-lhes outras máximas e dar-lhes outras instituições que lhe fossem tão favoráveis quanto lhe era contrário o direito natural. p. 213

"Todos correram ao encontro de seus grilhões, crendo assegurar sua liberdade... Tal foi ou teve de ser a origem da sociedade e das leis, que propiciaram novos entraves ao fraco e novas forças ao rico, destruíram irremediavelmente a liberdade natural, fizeram para sempre a lei da propriedade e da desigualdade, fixaram uma hábil usurpação ao direito irrevogável e que, para o proveito de alguns ambiciosos, daí em diante sujeitaram todo o gênero humano ao trabalho, à servidão e à miséria." p.213

Do contrato social "O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se aprisionado. O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles. [...]O mais forte não é nunca forte o bastante para ser sempre senhor, se não transforma sua força em direito e a obediência em dever. [...] A força é um poder físico; não imagino que moralidade possa resultar de seus efeitos. Ceder à força é um ato de necessidade, não de vontade, quando muito, é um atuo de prudência. Em qual sentido poderá representar um dever." p.214

"Convenhamos entao que a força não faz o direito e que só se é obrigado a obedecer aos poderes legítimos" p. 215

"Alienar é dar e vender. Ora, um homem que se faz escravo de um outro não se dá e, quanto muito, ele se vende pela sua subsistência: mas um povo, por que se venderia?" p.215

"Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja, com toda a força comum, a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes ' É esse o problema fundamento ao qual o Contrato Social dá a solução"[...]

Imediatamente, esse ato de associação produz, em lugar da pessoa particular de cada contratante, um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quantos são os votos da assembleia e que, por esse mesmo ato, ganha sua unidade, seu eu comum,sua vida e sua vontade.

Essa pessoa pública, que se forma, desse modo, pela união de todas as outras, tomava antigamente o nome de cidade e, hoje, o de república ou de corpo político, o qual é chamado por seus membros de Estado quando passivo. soberano, quando ativo., e potência quando comparado a seus semelhantes. Quanto aos associados, recebem eles, coletivamente, o nome de povo e se chamam, em particular, cidadãos, enquanto partícipes da autoridade soberana, e súditos, enquanto submetidos às leis do Estado. " p. 220-221

"[...]aquele que recusar obedecer à vontade geral, será a ela constrangido por todo um corpo, o que não significa senão que o forçarão a ser livre, pois é essa a condição pela qual cada cidadão, desde que a entregue à pátria, se garante contra qualquer dependência pessoal. p.222

"O que o homem perde pelo contrato social é a sua liberdade natural e um direito ilimitado a tudo que o seduz e que ele pode alcançar O que com ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo que possui." p.223

"Em geral, são necessárias as seguinte condições para autorizar o direito de primeiro ocupante a qualquer terreno: primeiro, que esse terreno não esteja ainda habitado por ninguém; segundo que dele se ocupe a porção de que se tem necessidade para subsistir; terceiro, que de se tome posse não por uma cerimônia vã, mas pelo trabalho e pela cultura, únicos sinais de propriedade que devem ser respeitados pelos outros, na ausência de títulos jurídicos." p.225

"O poder pode ser transmitido, mas não a vontade. [...]A soberania é indivisível pela mesma razão porque é inalienável, pois a vontade ou é geral ou não o é, ou é do corpo do povo, ou somente de uma parte. [...] Há comumente muita diferença ente a vontade de todos e a vontade geral. Esta se prende somente ao interesse comum; a outra, ao interesse privado e não passa de uma soma das vontades particulares. " p.227-228

"A constituição do homem é obra da natureza, a do Estado, obra de arte. Não depende dos homens prolongar a própria vida, mas depende deles prolongar a do Estado pelo tempo que for possível dando-lhe a melhor constituição que possa ter. " p.233

WEFFORT, Francisco C. Os Clássicos da Política - vol I 2.ed.São Paulo; Ática, 1991