Ciência Política Cásper/Política e Condição Humana

AREDNT, Hannah. A Condição Humana.11.ed. Rio de Janeiro: Forense,2010 (1958)

Hanna Arendt


Sobre a figura do herói


“A história real, em que nos engajamos enquanto vivemos, não tem criador visível nem invisível porque não é criada. O único ‘alguém’ que ela revela é o seu herói... Só podemos saber quem alguém é ou foi se conhecermos a história da qual ele é o herói.” (p.232)


Crise do Pensamento


“O que proponho nas páginas que se seguem é a reconsideração da condição humana do ponto de vista privilegiado de nossas mais novas experiências e nosso temores mais recentes (...) O que proponho, portanto, é muito simples: trata-se de pensar o que estamos fazendo. É obvio que isso é um assunto do pensamento, e a ausência de pensamento – a despreocupação negligente, a confusão desesperada ou a repetição complacente de ‘verdades’ que se tornaram triviais e vazias – parece-me ser uma das mais notáveis características do nosso tempo (p.6)”


Somos seres condicionados


“Os homens são seres condicionados, porque tudo aquilo com que eles entram em contato torna-se imediatamente uma condição de sua existência. Além das condições sob as quais a vida é dada ao homem na Terra e, em parte, a partir delas, os homens constantemente criam suas próprias condições, produzidas por eles mesmos, que, a despeito de usa origem humana e de sua variabilidade, possuem o mesmo poder condicionante das coisas naturais. O que quer que toque a vida humana ou mantenha uma duradoura relação com ele a assume imediatamente o caráter de condição da existência humana [...] Por isso os homens, independentemente do que façam, são sempre seres condicionados. Tudo o que adentra o mundo humano por si próprio, ou para ele é trazido pelo esforço humano, torna-se parte da condição humana. (p.11)


Modos de vida dos homens livres


“Aristóteles distinguia três modos de vida (bioi) que os homens podiam escolher livremente, isto é, em inteira independência das necessidades da vida e das relações delas decorrentes. Essa condição prévia de liberdade excluía qualquer modo de vida dedicado sobretudo à preservação da vida [...] Os três modos de vida restantes têm em comum o fato de se ocuparem do " belo ", isto é, de coisas que não eram necessárias nem meramente úteis: a vida de deleite dos prazeres do corpo , na qual o belo é consumido tal como é dado ; a vida dedicada aos assuntos da pólis, na qual a excelência produz belos feitos; e a vida do filósofo, dedicada à investigação e à contemplação das coisas eternas , cuja beleza perene não pode ser causada pela interferência produtiva do homem nem alterada pelo consumo humano .” (p.15)


A "pólis": o público e o privado


“Segundo o pensamento grego, a capacidade humana de organização política não apenas é diferente dessa associação natural cujo centro é o lar (oikia) e a família, mas encontra-se em oposição direta a ela. O surgimento da cidade-Estado significou que o homem recebera além de sua vida privada, uma espécie de segunda vida, o seu bios politikos. Agora, cada cidadão pertence a duas ordens de existência: e há uma nítida diferença em sua vida entre aquilo que lhe é próprio (idion) e o que é comum (koinon).[...] De todas as atividades necessárias e presentes nas comunidades humanas, somente duas eram consideradas políticas e constituíam o que Aristótels chamava de bios politikos: a ação (práxis) e o discurso (lexis) das quais surge o domínio dos assuntos humanos.” (p.29)


O discurso político


“Na experiência da pólis, que tem sido considerada, não sem razão, o mais loquaz dos corpos políticos, e mais ainda na filosofia política que dela surgiu, a ação e o discurso separam-se e tornam-se atividades cada vez mais independentes. A ênfase passou da ação para o discurso, e para o discurso como meio de persuasão e não como a forma especificamente humana de responder, replicar e estar à altura do que aconteceu ou do que foi feito. Ser político, viver em uma pólis, significava que tudo era decidido mediante palavras e persuasão, e não força e violência. “ (p. 31)


O termo ‘público” denota dois fenômenos intimamente correlatos, mas não completamente idênticos. Significa, em primeiro lugar, que tudo o que aparece em público deve ser visto e ouvido por todos e tem a maior divulgação possível. Para nós, a aparência – aquilo que é visto e ouvido pelos outros e por nós mesmos – constitui a realidade. [...] Em comparação com a realidade que decorre do ser visto e ouvido, mesmo as maiores forças da vida intima... levam uma espécie de existência incerta e obscura, a não ser que, e até que, sejam transformadas, desprivatizadas e desindividualizadas, por assim dizer de modo que assumam um aspecto adequado à aparição pública. [...] A presença de outros que vêem o que vemos e ouvem o que ouvimos garante-nos a realidade do mundo e de nós mesmos [...] Em segundo lugar, o termo ´público´ significa o próprio mundo, na medida em que é comum a todos nós e diferente do lugar que privadamente possuímos nele.” (p.67)

“Pois a pólis para os gregos, como a res publica para os romanos, antes de tudo sua garantia contra a futilidade da vida individual, o espaço protegido contra essa futilidade e reservado à relativa permanência dos mortais, se não à sua imortalidade.” (p.68)