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Atualmente, porém, devido à influência dos colonizadores, a religião oficial é o catolicismo, o caxiri (cerveja de mandioca) e o dabukuri marcam eventos importantes nas vidas dos aldeões: expedições de pesca, trabalho coletivo em projetos comunitários, dias de santo do calendário católico, formaturas escolares, eventos esportivos, reuniões políticas e etc. As antigas festas, apesar de manterem o caxiri e o dabukuri, não incluem mais música nativa e flautas de pã, mas sim o forró e, diferente do moderado consumo de cachaça de antigamente, o álcool é consumido livremente, o que leva, com muita frequência, brigasse discussões por causa da embriaguez exagerada.
 
=== Yurupari ===
 
Yurupari é um ritual que faz uso de instrumentos musicais sagrados. São a expressão mais plena da vida religiosa dos índios, uma vez que englobam e sintetizam vários temas importantes, como ancestralidade, descendência e identidade grupal, sexo e reprodução, relação entre homens e mulheres, crescimento e amadurecimento, morte, regeneração e integração do ciclo de vida humano com o tempo cósmico. Diferentemente dos dabukuris e dos caxiris, que tem foco nas relações matrimoniais e familiares e relações inter grupais, respectivamente, os yuruparis tem foco nas relações intra grupos e identidade masculina. Cada flauta e trombete de tronco de palmeira pertencentes a cada grupo são entidades únicas e múltiplas ao mesmo tempo. Quando os instrumentos estão juntos e são tocados, o ancestral volta à vida, de modo que os que tocam os instrumentos assumem as identidades dos ancestrais de seu clã e entram em contato direto com seus respectivos originários. Esse processe anula a separação vigente entre passado e presente, mortos e vivos, ancestrais e descendentes, restabelecendo a ordem primordial dos mitos de origem. Em geral, os ritos envolvem um segmento de um ou um clã, que age como um grupo isolado do resto do mundo, podendo, assim, estabelecer a sua identidade como uma unidade coletiva, porém segmentada internamente por uma hierarquia.
 
Apesar de os instrumentos Yurupari poder ser visto e manuseado somente por homens adultos, segundo os mitos, originalmente, eram as mulheres quem os possuíam, enquanto os homens encarregavam-se das tarefas femininas. Um detalhe importante do mito é de que, enquanto as mulheres possuíam as flautas, os homens menstruavam e vice-versa. Esse ponto pode ser entendido como um discurso complexo e ambíguo sobre os respectivos poderes e capacidades de homens e mulheres. Isso implica que os órgãos reprodutivos e as capacidades reprodutivas complementares dos homens e das mulheres são simultaneamente idênticas e opostas.
 
Há dois tipos de ritual de Yurupari, um anual, mais sacralizado e elaborado que marca o início do ano, e outro realizado periodicamente durante o ano para marcar o amadurecimento de diferentes espécies de frutos e árvores. Normalmente, no segundos, comunidades irmãs presenteiam umas as outras com grandes quantidades de frutos silvestres. Os rituais de Yurupari mais grandiosos e que usam instrumentos diferentes e mais sacralizados estão vinculados aos movimentos solares da constelação de Plêiades; são realizados no fim do verão e começo da estação chuvosa, época de abundância dos frutos do mato. Neste, temas de crescimento, maturação, periodicidade, integração entre ciclos temporais humanos e cósmicos são mais elaborados. Porém, o foco maior, mesmo, é no crescimento e amadurecimento de jovens que passam por um processo de iniciação que os conduzirá à sua integração como adultos no grupo.
 
==== Ritual de Iniciação ====
 
Inicialmente, os meninos são separados de suas mães. Enquanto eles são trazidos para a extremidade masculina da casa, as mães são confinadas na extremidade feminina, longe da visão de seus filhos. Sob os cuidados de guardiões rituais e um kumu oficiante, as crianças recebem ayahuasca para beber e são mostrados instrumentos Yurupari pela primeira vez. Então, os instrumentos são tocados sobre suas cabeças, corpo e genitais enquanto o kumu chicoteia o corpo e as pernas dos que estão sendo iniciados; tal ação transmite vitalidade e força espiritual dos ancestrais, o que faz com que os meninos cresçam resistentes, fortes e viris. Depois, os homens dão um banho nas crianças junto dos instrumentos no rio. A água que é despejada das flautas sobre as cabeças dos iniciados representa o ancestral-Anaconda vomitando as primeiras pessoas da sua boca e ao primeiro banho dos bebês depois de nascer. Porém, desta vez, o nascimento é, na verdade, um renascimento orquestrado pelos homens mais velhos; os jovens entram pela porta dos homens da mesma forma como o ancestral-Anaconda entrou no mundo através da porta da água no Leste. O ritual se encerra após os iniciados passarem um mês em um compartimento especial, longe da vista das mulheres. Os meninos são rigidamente supervisionados pelo kumu, tomam banho todos os dias, passam por uma dieta rigorosa e aprendem a fazer cestos. A reclusão se encerra com uma grande dança. Como prova de que estão prontos para se tornarem maridos e pais, os iniciados dão seus cestos às suas parceiras femininas que, em troca, pintam o corpo deles com tinta vermelha.
 
Da mesma forma que muitos ritos de iniciação, este é cheio de símbolos de morte, renascimento e regeneração. No começo, os meninos são pintados de preto e, ritualmente, mortos com doses de rapé de tabaco; depois de seu renascimento no rio, são mantidos em reclusão como recém-nascido e, então, emergem pintados de vermelho. No mito associado ao ritual, Yurupari, na forma de anaconda, os iniciados são engolidos e digeridos dentro de sua barriga, o que equivale ao período de reclusão, então os devolve a seus pais, vomitando-os como ossos. Para puni-lo, os pais incendeiam Yurupari para que ele morra, o que não acontece: sua alma sobe ao céu e, de suas cinzas, nasce uma palmeira, protótipo das frutas da floresta e matéria-prima dos instrumentos Yurupari.
 
Este conjunto de mito e ritual significa que a vida e a morte se sucedem de forma cíclica, como as estações do ano, e que os humanos atingem a imortalidade por meio de seus filhos, que o crescimento dos homens e das árvores resultam de um único processo e que, no final das contas, a fertilidade dos seres humanos e do cosmos estão interligados em um grande sistema. Ao expandir a maloca a proporções cósmicas, ao abolir as separações entre os seres humanos e o mundo dos espíritos e ao articular as capacidades reprodutivas de homens e mulheres, os rituais de Yurupari englobam e colocam e movimento boa parte da cosmologia descrita.
 
== Aspectos Culturais ==