Jornalismo Básico 2: reportagens especiais/Reportagens do JOB/Gabrielle Vianna e Yulia Serra
Um chá da manhã atípico
editarContornando a esquina da Rua Xavier de Toledo, Michael aguarda os pedestres na entrada do Viaduto do Chá com panfletos. Diariamente, das 9h às 18h, podemos encontrar o jovem de 20 anos, que aponta “levo uma vida como a de qualquer paulistano pobre da periferia”, ralando por um salário mínimo que mal dá para sustentar a casa. Para o filho de dois anos, deseja que tenha caráter, antes isso a ser um empresário que só liga para o dinheiro. Mais alguns passos e nos deparamos com Shaina Marina. A poetisa carioca, com roupas folgadas e cabelo emaranhado, exala arte. Aproxima-se ansiosa para compartilhar seu trabalho, entregando um livreto com suas poesias. Só de admirá-la é possível perceber o que a jovem confirma “o corpo é uma forma de expressar meus pensamentos”. Dentre as diversas tatuagens, uma máquina de escrever chama atenção, eternizada tanto por paixão pela escrita quanto pela admiração a itens clássicos.
Com as costas curvadas que carregam 68 anos de história, encontrava-se Nair. Pedimos licença à cartomante. Sentamos debaixo de seu guarda-sol, encostado na calçada que dividia com os demais personagens. A falta de dentição contrastava com o exagero de risos. Logo nota-se, vaidosa: diversas bijuterias coloriam a manta branca que usava. A personalidade forte e o jeito sapeca denunciam seu signo ariano “Quando estudava no colégio de freiras, coloquei uma vaca dentro da Igreja”. A senhora que enxerga São Paulo como uma cidade calorosa, nos acolheu com um simples sorriso. Sua auxiliar, interrompendo, pediu “Me entrevista por favor”. Impossível recusar. “Nasci diferente”. Foi assim que Maria Raimunda revelou ser lésbica. Sua trajetória envolve casamento forçado, discriminação familiar pela opção sexual e social por sua origem baiana. Ela veio para a cidade grande em busca da felicidade. Durante 30 anos se relacionou com outra moça, que veio a falecer e a faz umedecer seus olhos. Com seus 67 anos, ela solicita “Espero que levem em frente minha história ‘pra’ que pessoas possam ter liberdade de escolha e homossexuais não sejam mortos”. Ela não se vitimizou. Seu discurso não carregava ódio, mas esperança. Demorou, mas ela conquistou “Visto o que gosto, faço o que gosto... Sou feliz”.
A frente das senhoras um sorriso metálico chama atenção. O fone de ouvido é a trilha sonora do gari, o sertanejo universitário invade seus ouvidos e o mesmo revela rindo estar irregular. Bata uma gargalhada para associar: o jeito malandro do brasileiro se assemelha ao de Leonardinho, personagem eternizado por Manuel Antônio de Almeida em Memórias de um sargento de milícias. Quem cruza com George, não imagina a quantidade de coisas terríveis que o baiano de 30 anos já viu. Com uma incrível frequência, pessoas de todas as idades recorrem ao Viaduto do Chá para acabar com a própria vida, saltando. Independentemente das motivações, pulam antes que qualquer um possa impedir, tornou-se um ato banal.
Já no fim do viaduto, uma voz nos chama atenção. Os gritos anunciavam a venda de chips da TIM. Danielle, quando questionada sobre situações inusitadas do Viaduto, declarou “Já vi um rapaz chutando a namorada escada abaixo, mas nem ajudo, essas meninas se vendem por um maço de cigarros, sabe como é né?”. A paulista de 28 anos enfatiza tal dado enquanto faz palhaçadas com um bebê – filho de sua amiga. O Viaduto do Chá é assim, um local de convergência entre pessoas de diferentes estados. É irônico, pois todos se dizem muito felizes na cidade, mas confessam vontade de voltar a sua terra natal. Hora de respirar. Escolhemos terminar a matéria tomando um chá na Estação 5 Cafeteria, em homenagem ao nome de nosso cenário.