Gestão Participativa de recursos hídricos, Articulação no Semiárido Brasileiro
A ARTICULAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO - ASA
editarIntrodução
editarEm meio aos 8.516.000 km² de Brasil, há uma parcela territorial definida pela Lei Federal nº 7.827 de set/1989 denominada como Semiárido, sendo regulamentada por via da criação de um Fundo de Financiamento, visando auxiliar esta região que constantemente é prejudicada por crises climáticas e, por consequência, a região encontra maiores dificuldades para se desenvolver economicamente e de construir-se socialmente.
No ano de 2008, uma pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), diz que a população residente na região nordeste do Brasil encontra-se com mais dificuldades do que qualquer outra de vencer a barreira da linha da pobreza. Esta constatação faz parte do Mapa de Pobreza e Desigualdade produzido em parceria com o banco Mundial, com base nos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares entre os anos de 2000 e 2003. [1]
Semiárido.
A maior parte do Semiárido situa-se no Nordeste do país e se estende pela parte setentrional de Minas Gerais, ocupando quase 18% do território do estado. No Nordeste, metade tem mais de 85% de sua área caracterizada como semi-árida. Mais da metade (59,1%) dos brasileiros em situação de extrema pobreza estão no Nordeste. Destes, mais da metade (52,5%) vivem em áreas rurais da região. (IBGE, 2010). Além de que todos os municípios do Semiárido apresentaram IDHM inferior ao do Brasil (0,727).
A organização de Articulação do Semiárido surgiu através de mobilização da própria sociedade civil no início dos anos 90. Em 1993, via ocupação, pautaram na SUDENE (Superintendência de desenvolvimento do nordeste) uma política de convivência no semiárido. Sendo atualmente composta por diversos tipos de organizações da sociedade civil como sindicatos rurais, associações de agricultores, cooperativas, ONGs e Oscips.
A questão central da mobilização é a dificuldade vivenciada pelos habitantes do Semiárido, em que são defendidos os direitos dos povos e comunidades regionais. Portanto, o projeto e proposições políticas referem-se a convivência com o Semiárido. Com ênfase no fato do Semiárido estar presente em dez estados do Brasil, portanto trata-se de uma política federal abrangente que ampara milhares de pessoas.
A Articulação do Semiárido Brasileiro - ASA
editarA organização se consolidou em “Articulação” em agosto de 1999, e em novembro publicaram a Declaração do Semi- Árido Brasileiro como pedido de políticas adequadas às características da região, ao mesmo tempo que propunha soluções práticas e aplicáveis, possibilitando a orientação de investimentos e apontando tópicos específicos a serem trabalhados pelo Estado. A ASA atribui seu sucesso ao processo de gestão descentralizada dos recursos disponíveis a partir de necessidades locais. O plano de ação se dá pelas organizações de base como associações, sindicatos, grupos de mulheres ou jovens, construindo assim ação política efetiva direcionada e gestada por cada comunidade pertinente.
A Asa preconiza a participação social que auxilia na democratização do Estado utilizando uma abordagem bottom up. O Estado este que deve apoiar as iniciativas autônomas geradas pela sociedade civil que surgem de acordo com as falhas de assistência do Estado para com a sociedade. Expandiu de modo positivo por combater a cultura política dominada pelo engessamento e clientelismo, criando a prática de assistencialismo que a região Nordeste demandou historicamente.
Outros programa e a inserção em programas federais
editarProposições, participações e acompanhamento de políticas públicas em fóruns:
1. Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO)
2. Comitê Consultivo do Grupo Gestor do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)
3. Comitê de Desenvolvimento Territorial (CDT) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf)
4. Comitê Gestor do Projeto Dom Hélder Câmara (PDHC)
5. Comitê Gestor do Projeto Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil (OSCs)
6. Comitê Gestor Garantia Safra
7. Comitê Nacional dos Fundos Solidários
8. Comitê Técnico de Tecnologias Sociais do Programa Cisternas do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)
9. Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf)
10. Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES)
11. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea)
12. Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional (FBSAN)
13. Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social
14. Núcleo Executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)
15. Ponto Focal Nacional da Sociedade Civil para o Combate à Desertificação (Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos das Secas - UNCCD)
16. Programa de Apoio a Projetos Produtivos Solidários
Através da experiência empírica, é possível concluir que há efetividade na construção de políticas públicas originada pela sistematização de experiências locais juntamente de mobilização da sociedade civil, concebida pela própria comunidade que demanda a assistência social.
Sua missão é fortalecer a sociedade civil na construção de processos participativos para o desenvolvimento sustentável e a convivência com o Semiárido referenciados em valores culturais e de justiça social, objetivo trabalhado através da mobilização social e comunicação popular.
Água
editarA água, especialmente a falta da água, é a principal demanda que posteriormente rendeu outros Programas Sociais como a de distribuição de sementes que visava diversificar a alimentação na região ou o Programa Cisterna nas Escolas de 2007.
O primeiro programa desenvolvido pela ASA, no início dos anos 2000 se baseou na falta de água potável e atenderia a necessidade básica da população agrária ou moradores de zonas rurais. Com esse intuito nasce o Programa Um Milhão de Cisternas, o P1MC.
Um problema regional quanto à questão da água, é a localização dos açudes em terrenos particulares. A solução veio através do armazenamento da água da chuva em cisternas construídas com placas de cimento situadas no mesmo terreno das residências, tornando cada núcleo familiar detentora da própria água consumida.
A participação social
editarA participação social nos processos de construção de políticas públicas podem ocorrer através de várias circunstâncias e variam de acordo com o contexto social. Devem atender à demandas da própria sociedade regional e integram processos decisórios, possibilitando a inclusão nos programas e agendas governamentais.
A prática do Governo Aberto à proposições de políticas públicas se concretiza através de práticas sociais implementadas, ações que ultrapassam a barreira da condição de projeto. Alves 2013 apud (Simões e Simões, 2015) afirma que a participação social ocorre quando permite que os sujeitos façam parte das decisões que lhes dizem respeito, seja nos aspectos políticos, sociais, culturais ou econômicos.
No caso da ASA, a participação social se deu segundo a definição de Montoro 1992 p. 23 apud (Simões e Simões, 2015) em que ocorre a atuação organizada e responsável dos múltiplos setores da sociedade na solução de problemas coletivos e na promoção do bem comum, no caso a situação de abandono presenciado pelos habitantes do semiárido foi o fator motivacional para o surgimento da mobilização social.
Também é constatado no processo de formação e atuação da ASA o fenômeno descrito por Amstein 1969, apud (Simões e Simões, 2015) quanto à estratégia de redistribuição de poder que permite aos cidadãos excluídos serem participantes do planejamento de seu futuro. Deste modo, possibilitando a liberdade de influenciar ações do governo, na escolha de prioridades em sua atuação, dirigindo-a para o aperfeiçoamento do serviço prestado à população.
Ações do ASA
editarO ASA promoveu encontros nacionais (ECONASA) em diversas cidades do semi-árido em que estimulando “o fortalecimento ou surgimento de outras redes de nível estadual, local ou temático, adotando o princípio de liderança compartilhada” (Carta política) se discutiram ações para o desenvolvimento da região, desses debates surgiram diversas políticas públicas que foram posteriormente implementadas em parceria com o Estado, assim, como resultado dessa forma de participação, dos diversos encontros surgiram várias ações e políticas públicas que futuramente foram implementadas pelo governo federal.
Do primeiro encontro ocorrido no ano de 2000 em Igarassu (PE), foi criado um grupo de trabalho que em conjunto com uma coordenação formularam o P1MC - Programa Um Milhão de Cisternas, cujo objetivo é garantir o acesso, autogestão, democratização, descentralização à água de qualidade, para tal foram construídas cisternas ao lado das casas das famílias que moram nas regiões rurais do semi-árido, eliminando a necessidade de grandes deslocamento para utilização da água como outrora e sem a dependência de grandes açudes localizados em propriedades privadas. Dessa forma, além da “questão da água” no que se refere a necessidades básicas, promove-se a melhoria da saúde uma vez que diminui a frequência de doenças ao consumo de água contaminada e também na redução do esforço para realização dos trabalhos domésticos.
A construção das cisternas foram feitas pelas próprias famílias beneficiadas cuja participação foi integral em todas as etapas do projeto “O processo de mobilização tem início com a articulação da comissão municipal, instâncias legítimas de controle social dos programas da ASA, responsáveis pelo processo de seleção das famílias, organização dos eventos e acompanhamento das construções com as equipes técnicas das organizações executoras da ação. Esta comissão é formada, no mínimo, por três organizações sociais com atuação no município”.(ECONASA)
A capacitação foi feita de modo que se possam discutir, de forma participativa, a importância da cisterna como elemento mobilizador das famílias, da água como direito, da convivência com o semi-árido, além de formar pedreiros, as famílias depois de cadastradas e selecionadas para programa pelo CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais) fazem um curso de gerenciamento e de recursos hídricos. A iniciativa do P1MC construiu 588.935 (quinhentos e oitenta e oito mil novecentos e trinta e cinco) cisternas rurais até dezembro de 2016 e tornou-se uma política pública contando com recursos no Orçamento Geral da União e tendo reconhecimento como elemento de segurança hídrica e alimentar pelo CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional)
Em 2007, o V - ECONASA realizado na cidade Teresina (PI) debateu sobre a reforma agrária e a democratização da terra e da água, assim surgiu o P1+2 (Programa Uma Terra e Duas Águas), o intuito era expandir o uso da água que antes era destinada ao consumo também para a produção, ou seja, plantio e criação de animais, e não somente da água, mas também da terra, em outras palavras: “estrutura mínima que as famílias precisam para produzirem” (p1+2)
“Os objetivos do P1+2 são promover a soberania e a segurança alimentar e nutricional das famílias agricultoras e fomentar a geração de emprego e renda para as mesmas. A estratégia para alcançar esses objetivos é estimular a construção de processos participativos para o desenvolvimento rural do Semiárido brasileiro.” (p1+2).
Do mesmo modo que o P1MC, o P1+2 também capacita as famílias contempladas no programa com cursos para capacitação em Gerenciamento da Água para Produção de Alimentos (Gapa) e no Sistema Simplificado de Manejo da Água (SSMA), este é realizado na propriedade de uma família e então as outras famílias acompanham o processo para que possam replicá-lo. A construção das cisternas são variadas conforme o local e o modo de produção de cada família, assim tem-se os seguintes tipos: cisterna calçadão, barragem subterrânea, banque de pedra (caldeirão), bomba d’água popular, barreiro-trincheira, barraginha, cisterna-enxurrada. Foram construídas, até dezembro de 2016, 88.933 (oitenta e oito mil novecentos e trinta e três) tecnologias de uso familiar e 1318 de uso comunitário.
O ASA promoveu a construção de cisternas não só nas pequenas propriedades rurais do semiárido, mas também o fez nas escolas rurais - em nove estados (PE, PB, AL, SE, BA, CE, RN, PI e MG) incluindo escolas indígenas e quilombolas - visto que a falta de água e de uma infraestrutura básica atrapalha o funcionamento regular das escolas, impactando diretamente na vida dos estudantes e no desenvolvimento da região, pois a concentração de água onde não há difusão desse bem, aumenta a desigualdade e reforça a visão do semiárido como lugar inóspito, e ainda com a carência de estrutura mínima para suporte à vida, pode-se concluir que contribui para a evasão escolar e a baixa taxa de aprovação dessas escolas.
“ O relatório do Consea, com base em dados levantados pelo Programa de Fortalecimento Institucional das Secretarias Municipais de Educação do Semiárido (Proforti), do MEC, aponta que, das 37.6 mil escolas na zona rural da região, 28.3 mil não são abastecidas pela rede pública. Dessas, 387 não possuem nenhum tipo de abastecimento de água (...)o mapeamento das escolas sem água e sem energia elétrica na região do Semiárido. Com base em dados do Censo Escolar 2007, verificou-se que 578 municípios do Semiárido Legal têm 5.005 escolas sem energia elétrica e que em 121 desses municípios há 315 escolas sem abastecimento de água ”(Relatório o direito de aprender, 2009)
O projeto se utiliza das cisternas de 52 mil litros para o armazenamento de água da chuva e o utiliza como tecnologia social, porém além da construção das cisternas, há o debate que envolve a comunidade escolar e as instâncias governamentais para o uso sustentável da água. A seleção das escolas que participam do programa privilegia as escolas sem abastecimento de água potável, com grande número de alunos e alto nível de semiaridez, após a identificação é feito um fórum integrado por no mínimo três organizações da sociedade civil local que fazem o controle social com o ASA e com as comissões municipais, a partir das reuniões são feitos o planejamento, monitoramento, avaliação e capacitação para que se debatam os princípios e estratégias da educação contextualizada, e também da gestão das cisternas. Até dezembro de 2016 foram construídas 3405 cisternas escolares.
“Em mais de uma década, o acesso à água de beber no Semiárido virou uma política de governo e passou a ter recursos previstos no Orçamento Geral da União. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) reconhece e legitima as cisternas do P1MC como elemento de segurança hídrica e alimentar.”(Cisterna nas Escolas)
Conclusão
editarO ano de 2016 fecha como o quinto ano de precipitação insuficiente e irregular em Pernambuco. A estiagem prolongada castiga quase 70% dos municípios do estado segundo fontes jornalísticas. A SUDENE aparentemente não resolveu o problema político-econômico da região, tampouco o social. E, políticas sociais são igualmente perenes e contínuas, mudando de acordo com as necessidades prioritárias e coexistindo com o favorecimento (ou a falta) do cenário político.
É de conhecimento comum o ditado popular: "se você quiser alguma coisa bem feita, faça você mesmo". E foi assim que a ASA surgiu, através da necessidade, uma atenção que o Estado não foi capaz de sanar. No Brasil, conforme o Art. 1º da Constituição Federal, o titular do poder político é o povo, razão pela qual o regime político é o democrático. Portanto, quem exerce o poder político no Brasil não deve ser o governante e sim o povo brasileiro, titular do poder. O governante seria uma realização prática do exercício do poder político. Assim como disse Rousseau, o povo é soberano, e a ASA, ao formular soluções para os problemas diários e implementá-las na agenda governamental, contribui para a veracidade da afirmação.
Essa mudança de paradigma, sobre a mudança social não obrigatoriamente vir do Estado, foi construída através da organização e criatividade da população regional, sendo possível após estabelecida uma nova relação entre Estado e Sociedade, na qual a sociedade civil organizada teve que ser pró- ativa, participando da formulação, da execução e do controle de políticas públicas, agindo como definidora de políticas, e não somente passiva à elas.
O resultado documentado são quatro Programas Sociais executados com o auxílio do Governo Federal: Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), Programa Uma Terra e Duas Águas(P1+2), Programa Cisternas nas Escolas e o Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido: Manejo da Agrobiodiversidade – Sementes do Semiárido.
Foram mais de 4 milhões de pessoas com acesso à água para consumo humano, 600.000 pessoas com acesso à água para a produção de alimentos, 3.500 escolas com cisternas que possibilitam a continuidade das aulas para mais de 175.000 estudantes e 1.000 Casas de Sementes estruturadas por mais de 20.000 famílias.
O aprendizado com o objetivo de melhorar a convivência com o Semiárido se deve à articulação e execução de projetos e ações para conservação através de organização, democratização da comunicação, valorização da auto-identidade nordestina, e educação contextualizada à região de clima Semiárido. Por fim, realizou-se uma produção agroecológica, um treinamento para a economia solidária, talvez a solução definitiva para as famílias de baixa renda residentes na zona rural do Sertão, que constituem e constituirão o trama do cotidiano no Semiárido Brasileiro.
Referências:
editarASA- Articulação do Semiárido brasileiro - disponível em:
http://www.asabrasil.org.br/
Carta Política, ASA - disponível em:
http://www.asabrasil.org.br/images/UserFiles/File/CARTA-POLITICA-III-ENCONASA.pdf
Cisterna nas Escolas - disponível em:
http://www.asabrasil.org.br/acoes/cisternas-nas-escolas
ECONASA- disponível em:
http://www.asabrasil.org.br/enconasa/edicoes-anteriores#enconasa-v
P1+2 - disponível em:
http://www.asabrasil.org.br/acoes/p1-2
P1MC- disponível em:
http://www.asabrasil.org.br/acoes/p1-2
Relatório O direito de Aprender, UNICEF, 2009 disponível em:
https://www.unicef.org/sitan/files/Brazil_SitAn_2009_The_Right_to_Learn.pdf
SIMÕES GL ; SIMÕES JM. Reflexões Sobre o Conceito de Participação Social no Contexto Brasileiro. In: VII JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS,Maranhão: Universidade Federal do Maranhão, 2015