História Oral - Gisele Cristine Alves e João Pedro de Souza

De Sanátorio à Parque: Vicentina Aranha como objeto de estudo sobre a memória e a historiografia oficial. editar

Introdução editar

O presente trabalho busca apresentar a história do que hoje é o “Parque Vicentina Aranha”, situado em São José dos Campos, cidade do interior do estado de São Paulo, cuja sua origem foi um sanatório para tratamento de pacientes com tuberculose, e, posteriormente veio a ser um manicômio e asilo de idosos. Futuramente, por meio de projetos municipais, tornou-se um patrimônio histórico e cultural da cidade, além de representar nos dias atuais um espaço fundamental de preservação ambiental e história. Portante, este estudo se coloca a fim de utilizar a memória como fonte de conhecimento e manutenção da historiografia e, com seu auxílio, abordar a luta antimanicomial e a questão do apagamento da história.

Com o intermédio da história oral, sendo entrevista a técnica principal, foi possível obter mais informações acerca de características da origem do parque que não foram encontradas por meio de nenhuma outra fonte. Pudemos entender como a memória, individual e/ou coletiva, é essencial para a formação e compreensão da historiografia, uma vez que diversos fatos considerados conhecimento e memória coletiva dos moradores da cidade de São José dos Campos não foram encontrados de forma documentada ou em exposição em local algum procurado por nós que elaboramos esse trabalho.

Desenvolvimento & Argumentação editar

As escolhidas para serem entrevistadas foram Silvana Aparecida Prianti e Sandra Maria Prianti, duas irmãs, residentes da cidade de São José dos Campos, que possuem uma riqueza de recordações dos relatos que ouviam da avó materna, elas nos ajudaram a complementar melhor a história do que foi o Sanatório Vicentina Aranha e como sua utilidade foi se transformando ao longo dos anos para chegar hoje ao que é um parque. Utilizamos das entrevistas realizadas e de pesquisas bibliográficas a fim de conhecer melhor a história escolhida, bem como entender partes que tentaram ser apagadas, mas que permanecem vivas no consciente dos indivíduos que a conheceram.

Quando perguntadas sobre o surgimento do Parque Vicentina Aranha, comumente as entrevistadas iniciaram dizendo que a princípio, entre as décadas de 30 até 70, o mesmo local era um sanatório para tratamento de pessoas com tuberculose, isso se deu pelo fato do clima e pela altitude da cidade serem bastante favoráveis ao tratamento da doença gerada pela bactéria da tuberculose.

"Naquela época, em São Paulo, não sei ao certo se era especificamente somente na cidade de São Paulo, mas a tuberculose começou a avançar na população. A Vicentina Aranha, [...] ela juntou as pessoas mais abastadas da cidade pra construir um lugar para abrigar os tuberculosos. São José naquela época era considerado uma estância climática [...] então eles construíram pra receber as pessoas tuberculosas e famílias mais abastadas de São Paulo.", afirma Silvana.

A região possuía a ventilação adequada e uma boa incidência de sol, isso chamou atenção de Vicentina Queiroz Aranha, uma dama paulistana cuja vida foi dedicada a campanhas e movimentos em prol do tratamento e cuidado de doentes, principalmente os tuberculosos. Ela percebia como o hospital da capital paulista, a instituição Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, estava sobrecarregada e com um excedente de pacientes com tuberculose. Sabendo dessas condições, Vicentina passou a reivindicar a construção de um sanatório que tratasse e desse assistência a esses pacientes. O fato dela ter sido esposa de um importante senador da capital paulista, Olavo Egídio, contribuiu para que a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, o senador e alguns importantes arquitetos se mobilizassem e trabalhassem para a tal construção. São José se mostrava ser a cidade perfeita uma vez que era bastante próxima de São Paulo e tinham espaço e características essenciais para o tratamento que era procurado, com isso a Câmara Municipal de São Paulo adquiriu e doou à Irmandade uma grande chácara, a “Chácara São José”, para construção desse sanatório.

Conversando com as entrevistadas foi possível notar que o grau de conhecimento a respeito dessa primeira parte da história não era compartilhada igualmente pelas duas irmãs, Silvana, que além de ter ouvido sua avó faz frequentes caminhadas no Parque, consegue reviver a memória e em sua forma de falar podemos perceber certa claridade dos fatos, o que nos faz pensar que o contato direto com o ambiente contribui para o fortalecimento da consciência. Silvana foi quem pode nos dizer sobre a contribuição de Vicentina Aranha que acabou desencadeando em uma homenagem com seu nome no Sanatório e, que perdurou, até os dias atuais, com o nome também no parque. Vicentina acabou falecendo um pouco antes do início das construções e da inauguração, isso nos faz pensar que sem a sua mobilização não teria sido possível que fosse criado o primeiro sanatório da cidade de São José dos Campos e o maior da América Latina. No entanto, estudando a questão da historiografia e do protagonismo histórico, podemos, de certa forma, criticar como a história colocou Vicentina como grande personagem e personalidade da história. É possível reconhecer sua contribuição e também relembrar que cada um de nós, indivíduos da sociedade, somos protagonistas e, assim como as pessoas que contribuíram no período, podemos ser igualmente importantes para um movimento mesmo que em situações e postos diferentes.

Depois da inauguração e do grande sucesso no tratamento, segundo Sandra e Silvana, o fato da cidade possuir uma linha de trem que a ligasse diretamente com São Paulo e Rio de Janeiro, possibilitou não somente que diversas regiões do Brasil pudessem ter acesso, bem como qualquer classe social, mas também isso contribuiu para a urbanização da região, além de se tornar um atrativo, fez com que famílias diversas se mudassem para perto gerando, consequentemente, obras e mudanças urbanísticas e paisagísticas pontuais.

Depois de um tempo, com o surgimento de outros diversos sanatórios juntamente com o desenvolvimento da vacina, a ala de pacientes com tuberculose diminuía gradativamente e, dessa forma, aos poucos o sanatório, ainda sob direção da Irmandade da Santa Casa de São Paulo, passou a receber e isolar indivíduos que detinham de alguma instabilidade metal e psiquiátrica em uma ala, e também, de acordo com Sandra, "idosos que não mais eram desejados ou não podiam estar mais sobre o cuidado da família eram colocados em outra ala até falecerem". Dessa forma, o Sanatório Vicentina Aranha transicionava, de certo modo, para manicômio e asilo de idosos. Segundo Silvana:

"Anos depois, [...] o Vicentina Aranha ficou mais pra abrigar pessoas que tinham problemas mentais, mas também tinha uma ala de pessoas mais velhas que eram abandonadas pelas famílias, elas ficavam por muito tempo nesse sanatório até morrer."

O mais curioso desses relatos é o fato de que, não somente por meio da entrevista de Sandra e Silvana, mas também por ser bem consolidada essa transição como memória coletiva da comunidade de São José dos Campos, é de certo modo inesperado que os órgãos públicos municipais e, o próprio parque, quando dissertam sobre sua história, insistem em apagar esses acontecimentos. Há uma fala de Sandra que nos ajuda a compreender um pouco do que se ouvia sobre o sanatório naquele período:

"Ouviam-se coisas horríveis vindas de lá, os pacientes eram tratados de formas absurdas... Tínhamos um vizinho que estava reformando seu telhado e um dia caiu de uma altura muito grande. Ele teve traumatismo, eu acho, foi internado no Vicentina e nunca mais foi o mesmo. Um dia, um dos pacientes da ala psiquiátrica fugiu e o agrediu sem motivo aparente. Depois disso o quadro dele piorou e ele faleceu."

Um pouco tempo depois desses acontecimentos, o sanatório fechou e, alguns anos mais tarde, em 1996 foi promulgada uma lei municipal que inclui à categoria de Setor de Preservação, a área que abriga o antigo Sanatório Vicentina Aranha. Em 2006, todos os 84,5 mil metros quadrados da área do Antigo Sanatório foram adquiridos pela Prefeitura e, com o intuito de arborizar a apagar a imagem obscura e enferma do Antigo Sanatório, em 2007 os portões são abertos e é inaugurado o Parque Vicentina Aranha.  


Tendo isso em vista, podemos abrir brecha para diversas discussões, como: até que ponto é possível modificar a historiografia oficial? Como podemos dimensionar e constatar o que acontecia com essas pessoas durante aquele período? Por mais que tenhamos pesquisado, não tivemos acesso a nenhuma data ou fonte que pudesse fornecer nem ao menos mínimas informações, tudo que achamos e possuímos é o relato oral dos habitantes dessa cidade. Investigando e pesquisando a respeito, até mesmo em sites de memória e pesquisa, como exemplo, podemos citar o trabalho de Emanuella Piani Godinho, mestranda pela UFPA, no LAMEMO (Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural da UFPA), que buscou falar sobre o Sanatório Vicentina Aranha do posto de vista histórico e arquitetônico, mas, mesmo focando em dissertar sobre as alas existentes e sua estrutura, focou também na questão da memória, no entanto, referente à detalhes e dissertações sobre o que aconteceu antes do fechamento e reabertura para tornar-se um parque, não existem informações, nem complementares, muito menos básicas ou mínimas, compreendemos o porquê ao observar suas fontes e referências bibliográficas, todas retiradas sendo da Prefeitura Municipal.

Conclusão editar

Com isso, podemos concluir, em suma, que a memória coletiva a partir de um certo ponto será o único pilar sustentador de um dado acontecimento histórico, uma vez que os responsáveis por essa história pretendem e acabam por maquiar certas narrativas a fim de um benefício próprio, se é o que podemos dizer, uma vez que não foi possível entender quais foram as convicções por trás desse apagamento. Uma história, mesmo que em grande parte detentora de grandes princípios, em certos momentos, pode esconder calamidades maiores ainda.

Bibliografia editar

IPatrimônio. São José dos Campos – Sanatório Vicentina Aranha. Disponível em: https://www.ipatrimonio.org/sao-jose-dos-campos-sanatorio-vicentina-aranha/#!/map=38329&loc=-23.197836000000013,-45.896416,17. Acesso em: 01/2023.

Parque Vicentina Aranha. Sobre o Parque. Disponível em: https://www.pqvicentinaaranha.org.br/o-parque. Acesso em: 01/2023.

Parque Vicentina Aranha. Linha do Tempo. Disponível em: https://www.pqvicentinaaranha.org.br/timeline. Acesso em: 01/2023.

GODINHO, Emanuella P. SANATÓRIO Vicentina Aranha: entre o passado assistencial e o uso público. LAMEMO - Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural Prof.ª Dr.ª Cybelle Salvador Miranda, 2016. Disponível em: http://arquiteturaufpamemoria.blogspot.com/2016/12/sanatorio-vicentina-aranha-entre-o.html. Acesso em: 01/2023.  

CASEMIRO, Poliana. São José 250 anos: sanatório ajudou a 'divulgar' cidade e urbanizar o Centro. G1, 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/noticia/sao-jose-250-anos-sanatorio-ajudou-a-divulgar-cidade-e-urbanizar-o-centro.ghtml. Acesso em: 01/2023.

Comentários editar

Em suma, acredito que poderia ter acontecido mais pesquisa documental dentro das bibliotecas municipais de São José dos Campos, que, infelizmente, foram impossibilitadas pela distância. Mesmo que exista uma grande densidade de relatos orais referentes ao manicômio e ao asilo, fontes documentais não foram encontradas e eu acredito que isso é um assunto delicado, que deve ser mais procurado e discutido.  

Fases do Trabalho editar

Nas fases iniciais não foram encontrados nenhum tipo de obstáculo ou problemas na escolha e organização das entrevistas, na fase intermediária ocorreu a divisão de tarefas de forma equalitária. Utilizamos do método qualitativo, entrevistas semi-estruturadas para permitir uma melhor flexibilidade e livre comunição com as entrevistadas. Por fim ocorreu a postagem do trabalho na plataforma do Wikiversidade.