Introdução ao Jornalismo Científico/Ética da Ciência/Atividade/AdrianaFarias09

Entrevista realizada como tarefa final do módulo 03 do Curso de Introdução ao Jornalismo Científico.

Entrevistado: Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, professor titular de ética e filosofia política na USP, pesquisador sênior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ex-ministro de educação (abril a outubro de 2015), ex-diretor de avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) entre 2004 e 2008. Em 2019, criou o Instituto de Estudos Avançados e Convergentes (IEAC) da Unifesp e foi seu primeiro presidente. Recebeu o prêmio Jabuti de melhor ensaio (2001), a Ordem Nacional do Mérito Científico (1997), a Ordem de Rio Branco (2009), a Ordem do Mérito Naval (2015) e a Grande Medalha da Inconfidência (2018).

Vídeo da entrevista: disponibilizado em repositório do Wikimedia Commons, acesso no link abaixo.

Transcrição da entrevista: Sou Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia Política na USP. Eu fui diretor de avaliação da CAPES entre 2004 e 2008. Fui ministro da educação do governo Dilma naquela fase dificílima em 2015, quando já havia manifestações em toda parte para tirá-la do poder, jogando o Brasil nessa crise terrível da qual apenas agora começamos a sair.

E atualmente sou presidente da sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que é a maior sociedade científica da América Latina e que é uma coisa muito honrosa. A gente participou de uma luta forte em defesa da ciência e também da democracia no governo passado. E, agora, a gente está procurando ajudar o Brasil a crescer naquilo que eu chamo de ciclo virtuoso: ciência e tecnologia, que são a praia da SBPC diretamente, mas também educação, cultura, saúde, meio ambiente e inclusão social.

Adriana pergunta sobre o papel da ética na Sociedade Brasileira do Progresso da Ciência.

A preocupação ética da SBPC perpassa tudo. Por exemplo, quando nós defendemos no governo passado a manutenção de verbas para ciência, nós estávamos defendendo porque a ciência hoje é um instrumento ético muito importante. Agora, é importante dizer que nessa questão do objetivo ético está pressuposta uma mudança muito grande na ciência.

Veja se 20 anos atrás você perguntasse qual era a maior invenção científica do século XX era possível que dissesse que era a bomba atômica, a energia nuclear, que apareceu para o mundo com tanto impacto, matando mais de 200 mil japoneses e para acelerar o fim da Segunda Guerra Mundial. Hoje, se você questionar o que foi o maior avanço da ciência no século XX, provavelmente alguém vai falar na redução da mortalidade e no aumento da expectativa de vida.

Então, nós tivemos um ganho gigantesco de praticamente 100% em expectativa de vida em um século. Quer dizer que entre 1900 e o ano 2000 você passou de uma expectativa de vida, vamos dizer, de 40 anos para quem nascesse no começo do século, para a expectativa de vida de mais 70, beirando os 80, para quem nascesse na virada do século.

E continua crescendo, apesar do soluço do período da covid que atrasou isso um pouco, mas continua crescendo. Então, o que isso indica? Indica uma mudança no sentido da ciência. Ciência, meio século atrás, era, digamos, algo neutro. Podia ser usado para o bem e para o mal e muito incentivado e estimulado pelo setor belicoso, pela guerra.

Muito do que se fazia de ciência era para guerra, mísseis, bombas inteligentes. Tudo isso foram setores de grande avanço na ciência. Então, hoje os cientistas estão muito comprometidos com a ética. Então, nesse sentido, por exemplo, a SBPC sempre nas suas reuniões anuais, coloca a questão das finalidades da ciência e ela se empenha nas diferentes ações de ciência, como, por exemplo, a defesa dos povos originários, a defesa da inclusão social, a preocupação de que o meio ambiente não seja apenas, vamos dizer, preservado, por exemplo, para ganhos de empresas.

Vou dar um exemplo: o hidrogênio verde. Economia verde. Vamos falar de economia verde. A economia verde foi levada a discussão do plano de investimentos plurianuais em Brasília, quando uma reunião com os conselhos todos do Poder Executivo, como o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, do qual sou membro como presidente da SBPC, conselhos de inclusão social de segurança alimentar.

Umas 500 pessoas, talvez, que estavam convidados para discussão e quando surgiu o tema da economia verde, me chamou a atenção que vários representantes de movimentos sociais expressaram sua preocupação com a ideia de que incentivar a economia verde se faça às custas dos mais pobres, expulsando, por exemplo, habitantes das praias para instalar hélices de energia eólica ou mesmo dificultando a pesca em alto mar, com a instalação também de hélices para energia eólica.

Então, tudo isso daí são questões que é importante colocar. Tem um sentido ético. O que você faz quando tem esse tipo de debate? Você vai querer que uma coisa boa, que é a descarbonização da economia, economia verde, etc., seja também conectada com outra coisa importante que é a inclusão social e o combate à miséria.

E esse é um ponto importante que um governo progressista escuta. Um governo conservador provavelmente nem abriria espaço para queixas de pessoas pobres ou de pessoas que estão sendo empobrecidas por uma política que pode ser boa no seu conjunto, mas que tem custos. Você veja a construção de hidroelétricas no Brasil, o custo não só ambiental, mas humano, que teve, como Belo Monte, Itaipu, todos esses casos são casos de custos humanos que não foram devidamente considerados na sua amplidão quando foram realizados os projetos.

Adriana pergunta sobre as regras escritas ou consensuais, respeitadas pelos pesquisadores e pelos cientistas que garantem o avanço do conhecimento científico.

É óbvio que se você vai, por exemplo, testar um medicamento, a pessoa tem que estar muito bem informada. Você não pode testar o medicamento sem a pessoa saber dos riscos. Há exemplos terríveis já mesmo depois da Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos, em especial de populações sobretudo negras e desfavorecidas, que receberam drogas que poderiam causar mal e efetivamente causaram.

Hoje isso não é mais aceito. Tudo isso é correto. Agora, na área de humanas e na filosofia, isso não resolve a coisa, porque isso entra no que eu chamo de lei, não no que eu chamo de ética. Lei não é ética. Vamos fazer a distinção. Para você ter a lei, você tem que ter os chamados tipos. Por exemplo, a lei penal tem que tipificar as condutas. Um tipo penal pelo assassinato. Em que consiste o assassinato? Assassinato consiste em você de uma maneira deliberada, digamos, ministrar uma substância ou utilizar um objeto que leva alguém a morrer. Isso é definido e não pode ser mais amplo do que isso.

Não pode ser, por exemplo, algo que permita você condenar por assassinato uma pessoa que rogou uma praga, uma pessoa que fez um bonequinho e espetou alfinetes, como no vudu. Isso não está tipificado. Agora, do ponto de vista ético, não é assim. Do ponto de vista ético, não matarás não é apenas isso. Do ponto de vista ético, eu diria que você negar a uma pessoa que está passando fome, que está passando uma situação difícil, negar o acolhimento a ela, negar o apoio a ela, isso é uma responsabilidade que você assume que está contribuindo para essa pessoa morrer.

Veja, isso não é um tipo penal, não é lei, é ética. E qual a diferença, então? Na lei, você cumprindo tudo o que está na lei, você é uma cidadã correta. Posso dizer que um cidadão ético? Não, não posso. Porque não basta isso. Se você apenas fizer o que está na lei. Você apenas não viola a lei, mas não quer dizer nada mais do que isso.

Vou dar outro exemplo, sinal vermelho. Por que você para no sinal vermelho? Eu tenho três explicações. Primeiro, medo da multa. Segundo, medo dos pontos. Terceiro, porque você acha justo parar no sinal vermelho para que os outros carros que, para quem é verde, agora passem o trânsito. As leis de trânsito são uma espécie de metáfora das leis que regem uma sociedade.

Então, essas leis, elas são muito importantes, porque elas garantem, literalmente, o fluxo das pessoas, não só no trânsito, mas metaforicamente na vida toda. Agora, não interessa ao guarda de trânsito nem à sociedade se eu parei no sinal vermelho porque eu tenho medo da multa ou porque eu acho justo, do ponto de vista ético é uma tremenda diferença. Então, vamos dizer que todos esses conjuntos de regras que você está falando existem sentido quando nós queremos legalizar, legislar uma situação.

Então eu quero legislar. Eu quero garantir, por exemplo, que ninguém receba tais e tais substâncias sem estar devidamente informado. Vamos pegar outro exemplo. Antigamente, injeção. O farmacêutico dizia que não ia doer nada, mas doía. Dentista dizia que não ia doer nada, mas doía. O [médico] dizia para pessoa que estava com um problema de saúde que ela ia ficar bem, mas hoje não.

Hoje dizem que a pessoa pode ter uma pequena dor, etc. Pessoas são mais treinadas, etc. Muitas vezes não dói nada, mas eles alertam, faz parte do protocolo. Tudo isso é correto e tudo isso tem uma inspiração ética, mas são regras. Então, o funcionário que está fazendo isso no laboratório de análises clínicas que está tirando seu sangue, ele está cumprindo um protocolo. Não sabemos se ele é uma pessoa ética ou não, embora a inspiração disso seja ética.