Introdução ao Jornalismo Científico/História da Ciência e da Tecnologia/Introdução/script

O tema deste módulo, a História da Ciência e da Tecnologia, é notoriamente extenso e abrangente. Milhares de anos de desenvolvimento humano foram condensados para que coubessem nas próximas aulas e, assim, algumas importantes partes de nossa história podem não aparecer. A Ciência não tem barreiras que deixem a produção do conhecimento separada do contexto histórico na qual acontecem. Os avanços científico-tecnológicos são influenciados pelos aspectos religiosos, políticos, econômicos, culturais e sociais do lugar e da época em que ocorrem. Por isso, o conteúdo está separado em períodos históricos até a criação da Ciência Moderna, com o Renascimento Científico. Esperamos mostrar a evolução dessa cadeia de fenômenos e como ela moldou a Ciência e a Tecnologia, pontuando com reflexões que remetem ao jornalismo.

De início, vamos falar dos conceitos que compõem este conteúdo, a começar pela História, que pode ser entendida como o conhecimento sobre os eventos e acontecimentos que influenciaram a evolução humana em determinado lugar e época e que é contado para alguém a partir de certo ponto de vista. Neste caso, o foco é a Ciência e a Tecnologia.

Segundo conceito, a Ciência. Aventurando-se na etimologia da palavra, ciência vem do latim scientia, que significa "conhecimento, saber". Indo além na natureza do termo, scientia está ligada a sciens, particípio presente de scire, verbo latim para "saber, conhecer". Etimologistas acreditam que scire surgiu do proto-indo-europeu scio, verbo para "distinguir, dissecar". Coincidência ou não, a ciência distingue-se em diversos campos e áreas específicas cujos estudos tratam de dissecar o objeto em questão.

Saber sobre a formação da palavra Ciência colabora para a compreensão da atividade. Porém, não há consenso sobre o que ela envolve. As principais correntes de estudo sobre o tema avaliam que a Ciência pode ser entendida a partir de três perspectivas:

  • Ciência enquanto conjunto de todo conhecimento humano. Assim, Ciência teria começado na Pré-História, quando o ser humano dominou o fogo, desenvolveu a agricultura, criou a roda, domesticou animais, etc. Neste período, quase que de maneira instintiva, o avanço Técnico veio antes da Tecnologia e muito antes da Ciência propriamente dita, com o pensamento crítico, racional e lógico somado ao espírito curioso e questionador. A capacidade técnica se espalhou graças à comunicação oral e à memória. O advento da escrita, marco divisório entre os períodos Pré-Histórico e Histórico e que facilitou a disseminação do conhecimento, ocorreu há cerca de seis mil anos.
  • Ciência como conhecimento, mesmo sentido da palavra grega episteme. Ciência seria a teorização dos fenômenos naturais a partir de protocolos que remetem a elementos que posteriormente seriam a base da metodologia e experimentação científica moderna. Essa concepção começou na Grécia Antiga com os Filósofos Naturais, os primeiros pensadores ocidentais que tentaram explicar a natureza sem recorrer a mitos e divindades. A Ciência seria, pois, um modo pelo qual o ser humano tenta domar a natureza e ordenar seus fenômenos.
  • Ciência também pode ser entendida como a noção de espírito científico, que é a atitude tomada por alguém diante de uma questão que não se saiba a resposta. Ou seja, o espírito científico (ou pensamento científico) nada mais é do que a curiosidade, a busca pelo conhecimento, o desejo de compreender sobre um assunto. O espírito científico não é posse de uma única pessoa. Ele se manifesta em um conjunto de pessoas de um determinado contexto, que deve ser favorável ao questionamento e à criticidade. A simples atitude propositiva de entender, de querer saber, pode ser caracterizada como espírito/pensamento científico, desde que essa busca baseie-se em possíveis respostas elaboradas a partir do método científico.

Essas três reflexões mostram as principais características sobre o que é Ciência. Um problema para a História da Ciência é definir como e quando a Ciência foi criada. Existem três correntes mais destacadas sobre o assunto, que afirmam que:

  • A Ciência teria surgido nas civilizações antigas, embora a palavra ciência sequer existisse. O termo serviria para destacar as criações e as produções de conhecimento dessas sociedades, como a mesopotâmica, que desenvolveu períodos astronômicos usados até hoje nos calendários, como o ano solar, o mês lunar e a semana com sete dias, ou o caso da China, que criou o ábaco, a bússola, o papel, a pólvora e a prensa. A Ciência na antiguidade será tópico abordado no primeiro ponto deste módulo.
  • A Ciência teria surgido na Grécia Antiga no século V a.C., no começo do período Clássico. O argumento central desta corrente é o uso do pensamento racional, lógico e crítico pelos filósofos helênicos para compreender a natureza e seus fenômenos ao invés de recorrer à explicações místicas e supersticiosas. Na Grécia Antiga, berço da civilização ocidental, foi criada a Filosofia Natural, semente da Ciência Moderna.
  • A Ciência foi uma criação europeia no século XVI desta era. Muito dos pensadores gregos estavam esquecidos até o século XII, mas ressurgiram à medida em que reinos europeus tomaram os territórios que estavam sob domínio árabe islâmico. De início, porém, os textos não foram questionados e testados de pronto. A críticas às obras dos "antigos" aconteceria apenas no século XVI. Até então, acreditava-se que o universo era uma estrutura fechada, definida e harmônica. Isso mudou com os estudos astronômicos de Copérnico, Galileu, Kepler e outros.
Galileu ante o Santo Ofício. A condenação de Galileu por heresia marca o divórcio definitivo entre o pensamento científico e o religioso.

Como vimos, não é simples definir o que é Ciência, nem em que ponto de nossa história ela começou. A compreensão moderna da extensão da história de nossa espécie começou a partir de Charles Darwin e a publicação de "A Origem das Espécies", em 1859. Até então, acreditava-se que havíamos surgido com a Terra graças à criação divina, há 5.800 anos. Pensava-se que os fósseis encontrados eram das espécies extintas pelo Dilúvio do qual Noé escapara em sua arca antes de repovoar a Terra. Darwin e sua Teoria da Evolução mudaram totalmente a percepção sobre nós mesmos: passamos a compreender que somos uma espécie que evoluiu ao longo de milhões de anos na Terra. Como era de se esperar de uma sociedade fortemente religiosa, não foi fácil para a Teoria da Evolução ser aceita, isso que já havia passado a chamada Revolução Científica, período entre os séculos XVI e XVIII e que será tema mais a frente neste módulo. Houve cientistas antes de Charles Darwin que defenderam ideias similares, como o naturalista francês Isaac de la Peyrère que publicou, em 1656, o livro Homens Antes de Adão. Considerado um herege por cristãos, protestantes e judeus, ele teve de renegar sua ideia e seus livros foram queimados em praça pública.

Retrato de Charles Darwin

Darwin conquistou um vasto público leitor com seu livro. Ele soube estruturar argumentos sustentado em evidências coletadas ao longo de sua famosa expedição no Beagle e assim escreveu "A Origem das Espécies" de forma que não-especialistas compreendessem o assunto. Nos anos seguintes à publicação, a ideia de que todas as espécies descendem de um único ancestral comum impactou a sociedade inglesa. Ao afirmar que todas "as espécies evoluíram e estão evoluindo", Charles Darwin ia na contramão do dogma da criação divina. Contudo, ao contrário do que o senso comum possa indicar, ele nunca falou que descendemos dos macacos. Ele disse, na verdade, que humanos, macacos e chimpanzés compartilham de um ancestral em comum, devido às similaridades entre essas espécies. Sobre esse assunto, Charles Darwin em "A Origem das Espécies" previu: "Será lançado luz sobre a origem do homem e sua história".[1]

Nas décadas seguintes à divulgação da Teoria da Evolução, cresceu o entendimento sobre nossa espécie, os Sapiens, embora ainda haja mais perguntas do que respostas — e é provável que será sempre assim. Hoje em dia, sabe-se que a cadeia evolutiva do ser humano começou há cerca de 65 milhões de anos, passou por uma evolução há por volta de 7 milhões de anos, quando surgiu o Australopithecus, com traços similares aos de seus descendentes do gênero Homo, cujas espécies Habilis, Rudolfensis, Ergaster, Erectus e Sapiens surgiram entre 2,5 milhões de anos e 200 mil anos atrás. A linha contemporânea nos classifica como Homo Sapiens Sapiens, uma subespécie dos Sapiens. Mas como chegamos até aqui? O que nos caracteriza como Sapiens Sapiens?

Começaremos a falar pelo período anterior à escrita, o Pré-Histórico, no qual houve um enorme avanço técnico e cognitivo, para tratar da Ciência nas primeiras grandes civilizações. Depois, abordaremos a Grécia Antiga e a cultura helenística, cujo conhecimento foi preservado pelos árabes islâmicos, que o misturaram com o saber de outras culturas, como a hindu, a persa e a chinesa. Seguiremos pela Idade Média, o redescobrimento dos textos de filósofos gregos, comentados por pensadores islâmicos, até desembocar no Renascimento Científico e na criação da Ciência Moderna. O ser humano contempla a natureza na tentativa de apreender a realidade e encontrar maneiras de aperfeiçoar a vida com auxílio da técnica e da tecnologia, ao passo que ele se abisma diante da impossibilidade de conhecer e compreender a totalidade do universo, do cosmos, enfim, de tudo aquilo que nos cerca e nos constitui.

Referências

  1. light will be thrown on the origin of man and his history