Introdução ao Jornalismo Científico/Metodologia e Filosofia da Ciência/Atividade/Andres Julian Vera

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Esta seção apresenta a tarefa principal do Módulo 1 do curso de "Introdução ao Jornalismo Científico". A realização da tarefa é indispensável para o reconhecimento de participação no curso. Seu trabalho estará acessível, publicado no ambiente wiki, e será anexado ao certificado de realização do curso, quando finalizar todas as atividades. Tome cuidado de estar logado na Wikiversidade. Se não estiver logado, não será possível verificar o trabalho.

Descrição da atividade editar

Atuar no jornalismo científico é às vezes comparado ao de ser um tradutor, no jargão da área da comunicação um 'tradutor intersemiótico', que passa a linguagem de um campo para o de outro campo. Nesta atividade, vamos observar e analisar como isso foi feito em uma das principais publicações acadêmicas brasileiras, a Pesquisa FAPESP.

Você deverá selecionar um artigo na revista Pesquisa FAPESP. Estão acessíveis na página principal da publicação. Escolha um artigo sobre um tema de pesquisa - ou seja, que seja baseado em uma ou mais de uma publicação científica - e leia-o com cuidado. Responda às perguntas que seguem.

As respostas deverão ser publicadas nesta página individual. Apenas altere os campos indicados.

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Andres Julian Vera

Link para a matéria selecionada editar

Nesta seção, você deverá colocar os links da matéria selecionada. Esteja logado.

  • Título de matéria: “Estudo identifica forma rara de Alzheimer, adquirida por tratamento em desuso”. Revista Pesquisa FAPESP. Março de 2024.
  • Autoria de matéria: Ricardo Zorzetto
  • Link de matéria: https://revistapesquisa.fapesp.br/estudo-identifica-forma-rara-de-alzheimer-adquirida-por-tratamento-em-desuso/

Resumo da matéria editar

Para esta etapa, resuma a matéria em até 300 caracteres. Esteja logado.

A matéria apresenta (i) os resultados de um artigo publicado na Nature Medicine que investigou a patologia beta-amiloide como causa transmissível rara de Alzheimer e (ii) as descobertas simultâneas da vesícula como mecanismo de transmissão da doença pelo cérebro.

Análise da matéria editar

Para esta etapa, identifique e analise com base na matéria: o objeto e a metodologia (observação, hipótese, experimentação, análise e publicação) da pesquisa. Esteja logado.

A pesquisa científica que serve de principal gancho à matéria leva o título de “Iatrogenic Alzheimer’s disease in recipients of cadaveric pituitary-derived growth hormone” (“Alzheimer iatrogênico em receptores de hormônio de crescimento da glândula pituitária de cadáveres”, numa tradução livre) e leva a assinatura de oito autores. A partir da matéria, entende-se que o (i) objeto da pesquisa foram cinco pacientes entre 38 e 55 anos com sinais típicos (porém incomuns a tal recorte de idade) da doença de Alzheimer. A (ii) metodologia da pesquisa projeta-se sobre esse objeto. Sua (a) observação identificou uma característica, comum a todos os pacientes, que sugeria relação a investigar: todos haviam recebido, em tratamento de baixa estatura durante a infância, injeções de um hormônio do crescimento extraído da glândula pituitária de cadáveres. Um tratamento em desuso desde 1985, quando foi descoberta sua relação com o desenvolvimento de uma outra doença neurológica degenerativa chamada doença de Creutzfeldt-Jakob, esta causada por uma proteína infecciosa chamada príon. Infere-se da matéria que os pesquisadores trabalharam a (b) hipótese de que o Alzheimer (causado pela aglomeração de placas do peptídeo beta-amiloide e de proteínas tau hiperfosforiladas) possui um mecanismo de evolução compartilhado ao da doença de Creutzfeldt-Jakob (causada pela propagação dos príons): tanto esses beta-amiloides (causa do Alzheimer) como os príons (causa do Creutzfeldt-Jakob) propagam-se pelos neurônios “semeando” a doença no cérebro. A reportagem não apresenta em detalhe a etapa da (c) experimentação da pesquisa. Detalha, no entanto, o procedimento experimental de um estudo anterior que serviu de evidência à hipótese já descrita. Nesse outro estudo, uma pesquisadora analisou lotes de hormônio aplicados em pessoas que tiveram Creutzfeldt-Jakob e nesses lotes identificou a presença de beta-amiloide e de proteínas tau. As amostras contaminadas foram então injetadas no cérebro de animais e constatou-se que também houve a “semeadura” causadora do Alzheimer. A reportagem apenas indica, num salto à etapa de (d) análise, que a pesquisa atual confirmou a mesma evidência levantada pelo estudo prévio em humanos: o mesmo fenômeno de contaminação (com origem até nas mesmas amostras usadas para o teste em animais) acometeu os pacientes estudados. A (e) publicação da pesquisa ocorreu em janeiro de 2023 na revista científica Nature Medicine.

Análise da pesquisa editar

Para esta etapa, acesse a(s) pesquisa(s) de origem, de base para o artigo na Pesquisa FAPESP, identifique e analise a seção metodológica. Em especial, explique em que medida o processo de pesquisa foi bem documentado no artigo que você selecionou. Esteja logado.

A pesquisa não possui seção exclusiva para apresentação de sua (ii) metodologia - ao menos no sentido de metodologia como exposição linear, subtitulada e exaustiva a tratar de observação, hipótese, experimentação e análise. No entanto, a publicação contempla todos os aspectos. O segundo tópico do texto, “Further new clinical presentations in c-hGH recipients” (“Outras novas apresentações clínicas em receptores c-hGH”) trata tanto de recortar em mais detalhe o (i) objeto de pesquisa (de um grupo de oito pacientes, cinco que receberam c-hGH, o hormônio de crescimento da glândula pituitária de cadáveres, e desenvolveram Alzheimer), como apresentar um dado importante de sua (a) observação (todos esses receberam tratamento de c-hGH na infância e na juventude, como atesta uma tabela com espectros de idade de cada paciente) e também expor alguma lógica da (c) experimentação da pesquisa. A seção seguinte do texto, “Investigative Findings” (“Descobertas de Investigação”) parte sintomaticamente das observação (“Dadas estas observações, revisamos investigações relevantes já concluídas como parte do atendimento clínico padrão que esses pacientes receberam”) e as amplia, com uma nova observação caso a caso de exames prévios dos pacientes e uma apresentação do resultado de um rol de novos procedimentos complementares pontuais, cuja metodologia stricto sensu está explicada numa seção adicional da pesquisa de título “Methods” (“Métodos”). A (b) hipótese de pesquisa está bem antecipada no resumo do trabalho: “Here we describe [...] suggesting that AD [Alzheimer’s disease], like CJD [Creutzfeldt-Jakob disease], has environmentally acquired (iatrogenic) forms as well as late-onset sporadic and early-onset inherited forms” (“Aqui descrevemos [...] sugerindo que o Alzheimer, como o Creutzfeldt-Jakob, tem formas ambientalmente adquiridas [durante procedimento médico] (iatrogênica), bem como formas herdadas esporadicamente e precocemente”. A etapa de (d) análise da pesquisa ocupa as seções do miolo do texto, de “Consideration of alternative explanations for these findings” (“Consideração de explicações alternativas para essas descobertas”) a “Other factors contributing to phenotypic diversity” (“Outros fatores a contribuir para a diversidade fenotípica”), este que antecede as conclusões da seção “Discussion” (“Discussão”).  Para avaliar “em que medida o processo de pesquisa foi bem documentado” na matéria jornalística selecionada, vale um contraste entre a resposta prévia (ao item 3) e esta: creio que estão muito bem documentados os pontos de atenção mais importantes da pesquisa (mecanismos do Alzheimer e papel do príon no Creutzfeldt-Jakob) e o achado principal do estudo (proximidade entre os mecanismos do Alzheimer, ainda que de forma rara, e da doença de Creutzfeldt-Jakob, representados pela metáfora da “semeadura” das doenças, como se vê na resposta seguinte).

Metáfora científica editar

Para esta etapa, reveja o conteúdo da aula sobre "A metáfora científica". No artigo da Pesquisa FAPESP selecionado, identifique quais foram as metáforas científicas ou cientificamente inspiradas utilizadas e justifique esse uso a partir das indicações da aula. Analise em que medida contribuem ou dificultam o entendimento da ciência. Esteja logado.

O exercício em questão pede uma coleta de “metáforas científicas ou cientificamente inspiradas”, mas gostaria de começar com um breve comentário sobre a mais representativa “metáfora da linguagem comum” que aparece recorrentemente na matéria: trata-se do termo “semeadura” da doença. É interessante notar como a metáfora não é criação do jornalista que escreveu a matéria, mas tradução direta do termo “seeding” empregado no artigo científico. Passo às potenciais “metáforas científicas ou cientificamente inspiradas” (chamarei de MCI, por mera conveniência) encontradas na reportagem, acompanhadas de um breve comentário. A primeira delas é “transmissão”, empregada em trechos como “A suspeita da transmissão ganhou força em 2018”. A ideia de “transmissão” (e o decorrente uso de “transmissibilidade”) sugere uma metáfora originária de termo da física clássica que perdeu a novidade semântica e tornou-se invisível, convencional. Outra MCIs de também aparente origem na física clássica foram encontradas no uso de termos como “mecanismo” e “dispersão” (“Embora as vesículas não sejam vistas como o mecanismo principal de dispersão da doença no cérebro [...]”). O termo “dispersão, no entanto, também pode sugerir uma MCI de origem na química. A rigor, também poderia ser apenas uma metáfora da linguagem comum que migrou às ciências exatas. Só uma análise de uma etimologia poderia comprovar com mais claridade essas possibilidades. Outra MCI interessante está no uso do termo “processamento da informação”, encontrado no trecho “Príons são versões defeituosas de uma proteína abundante na superfície dos neurônios e importante para o funcionamento dessas células, responsáveis pelo processamento da informação no cérebro”). Trata-se de uma metáfora computacional aplicada ao funcionamento fisiológico do cérebro. No entanto, essa metáfora não se tornou invisível. É vocabulário comum para inúmeras ciências cognitivas, mas recebido com recuo, por exemplo, no campo da filosofia da mente. A metáfora do cérebro como computador (mais especificamente, a analogia entre a relação mente-encéfalo e a relação software-hardware) está circunscrita a uma determinada corrente teórica chamada de “funcionalismo”, e não se estende a outras correntes que leem o funcionamento cerebral de um ponto de vista, por exemplo, “psicossubstancialista”. Antes de encerrar, gostaria de indicar alguns outros termos que suscitaram dúvida, mas que ao final não considerei MCIs: “mutações” (pelo sentido literal científico) e “induzem” (pelo sentido comum de inductio em latim, que precede a ideia de “indução” como espécie de inferência lógica).

Filosofia da ciência editar

Para esta etapa, reveja o conteúdo da aula sobre "Ciência e Filosofia". Discorra sobre em que medida o artigo da Pesquisa FAPESP que você selecionou coloca questões filosóficas e apresente exemplos extraídos do texto. Esteja logado.

O item “Ciência e Filosofia” apresenta brevemente o conceito de falseabilidade de Popper como critério de validade científica de uma hipótese ou teoria. O conceito sugere que só é ciência aquilo que admite refutação. Para Popper, a criação de uma conjectura é ato de livre invenção do cientista, mas é preciso testar tal conjectura por meio de suscessivos experimentos para corroborar que a teoria de fato se aproxima da verdade. Se alguma asserção que sustenta essa teoria puder ser falseada (refutada) pela via de um experimento, a teoria modifica-se ou cai. Se nenhuma asserção da teoria puder ser falseada (refutada), então ela não é teoria científica. Passemos à análise da matéria da Revista Pesquisa escolhida para estudo. A reportagem traz explicitamente um contraponto à (b) hipótese já descrita em completude no item 3 desta tarefa. Trata-se da apresentação de um comentário científico, publicado na mesma Nature Medicina, de cientistas de outras instituições que sugeriram cautela na interpretação da pesquisa principal.  Diz um desses cientistas: “Por um lado, é prudente considerar essas conclusões com certa dose de ceticismo. Os casos apresentados são diversos e complicados; os indivíduos foram submetidos a uma variedade de intervenções médicas para vários distúrbios no início da vida e é difícil excluir uma contribuição dessas circunstâncias para os fenótipos complexos da doença que apareceram muitos anos depois”. A consideração sugere que uma das premissas da pesquisa (o tratamento na infância com c-hGH como causa suficiente para o desenvolvimento de Alzheimer) poderia, em tese, ser falseada. No entanto, o cientista não oferece nenhum experimento concreto para refutar a premissa. Apenas especula: “Por outro lado, há boas razões para levar a sério as conclusões. Só os indivíduos que receberam hormônio de crescimento cadavérico preparado de uma maneira específica desenvolveram as características da doença de Alzheimer”. Reconhece-se assim, ainda que maneira indireta ou mesmo provisória, até novos experimentos, a validade científica da pesquisa principal que serve de gancho à reportagem.

Referências