Mídias Irredentas

Aquilo ou aquele que contesta a história dos vencedores não pode ser dado como definitivamente vencido. Na ciência daquilo que não se repete, o vencido que não se rendeu não pode ser considerado derrotado, pois permanece questionando tanto os determinismos, quanto a arbitrariedade como determinantes da deriva temporal da sociedade. Mas o materialismo dialético não pode ser o mesmo: há que se permanecer aprendendo sobre o processo dialético muito além das definições antropocêntricas, logocêntricas, dialogais, verbais, lógico-dedutivas de pensamento; há que se lidar com uma matéria feita de sentido e busca de sentido e não apenas da substância que se busca, que busca ou é buscada.

Buscamos na nacionalidade "irredenta" uma imagem política para aquelas mídias supostamente obsoletas e para a sua memória inconsciente portada por seus usuários: aquele pertencimento a corpo coletivo cuja diáspora pode apenas parcialmente ser revertida pela criação de um corpo político nacional (linguística e etnico-culturalmente homogenea, territorialmente contínua) havendo ainda outras populações já sedentarizadas extraterritorialmente. Não redimidos, não reconciliados, não contínuos apesar de contíguos, os irridentismos provém de minorias jamais rendidas ao domínio de corpo político majoritário frequentemente hostil. O irredentismo é a catacrese para nomear as semelhantes experiências de pertencimentos de sentido reclamadas por públicos usuários que, a cada ciclo de disseminação e obsolescência programadas de sistemas semióticos, se recusam a se entregar aos Espetáculos da guerra sem sangue do consumismo, da estetização da política, da volúpia do imperativo do gozo bélico.

Caracteristicamente, mídias irredentas emergem por acoplagem (imageria dialética) transcriativa entre artefatos retóricos de sistemas midiáticos socio-historicamente heterogêneos. Trata-se do propiciamento de lampejos (disparo de memórias inconscientes) dos momentos em que emerge a percepção d"o pressentimento de que poderiam existir momentos de "felicidade inconsciente" [que] seria suficiente para a criação de uma mídia" (Rem Koolhaas, in Kluge, 2007). Exemplos: a história oral não é só oral, a oralidade salta pra fora da transitoriedade de presença do narrador para produzir documento histórico, ao haver a transdução da narrativa em presença para fonograma e nova transdução deste em texto digital; a poesia de sinais não é só feita de língua de sinais, mas também de vídeo digital. As redes distribuídas, apropriadas por oligopólios corporativos, aniquilam a experiência comum de massa que impedia a fragmentação da empiria em "eupistemologias" feudalizadas -- mas, apenas uma década antes, haviam oferecido séria resistência à globalização neoliberal.


A aura emerge não apenas de simulações obsessivantes da história das mídias dos vencedores, ela pode também ser o lampejo de um novo processo de generalização do outro, nas histórias das mídias dos não rendidos: as Mídias Irredentas.