O Programa de Formação em Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) para Assentamentos Rurais (PROFOR-EXT)

As diretrizes governamentais brasileiras relativas à reforma agrária apresentam um extenso caráter social e econômico, possuindo potencial para ampliar o desenvolvimento rural, porém, ainda é um segmento marcado pela exclusão e preconceito. Portanto, a partir desse ponto, emerge a necessidade de entendimento sobre a questão agrária, sobretudo no estado de Minas Gerais, pois conforme afirmam Souza; Gonzaga; Junior (2010), este se configura como o primeiro estado da região Sudeste com maior número de assentamentos rurais criados ao longo dos anos [...]. No ano de 1986, se estabeleceram os primeiros assentamentos no estado de Minas Gerais e somando todos os assentamentos foram disponibilizados cerca de 64.600 m² para a reforma agrária no estado.  Ainda de acordo com o mesmo autor, desde a restauração da democracia no Brasil, diante de desafios e intensa batalha  foram criados, aproximadamente, 343 assentamentos no estado de Minas Gerais entre os anos de 1986 a 2007, representando cerca de 4,3 % do total dos assentamentos rurais no Brasil neste mesmo período.

Assim, quando ocorre a conquista da terra surgem outras necessidades e demandas conforme afirma Fabrini (2000) não somente do ponto de vista da produção, mas também de uma inclusão social e política. De acordo com esta visão pode-se afirmar que assentamento e assentado são palavras carregadas de complexidade, tendo em vista a diversidade existente e, assim,  o assentamento não é apenas um conjunto de famílias convivendo no mesmo espaço, é um local que carrega história política e social, dedicado às relações camponesas. Portanto são necessárias políticas nacionais e regionais considerando a especificidade de cada assentamento, assentado e região.

Dessa forma, o Profor-Ext se integra perfeitamente neste momento trazendo consigo a extensão rural que é assegurada pela Lei nº 12.188/2010 entendida por definição:

“Serviço de educação não formal, de caráter continuado, no meio rural, que promove processos de gestão, produção, beneficiamento e comercialização das atividades e dos serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive das atividades agroextrativistas, florestais e artesanais. (Art. 1º da Lei n. 12.188/2010 [BRASIL, 2010]).

A Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural  (PNATER), segundo Caporal (2009) tem como suporte os princípios do desenvolvimento sustentável, propõe  mudanças na Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) brasileira, buscando romper com o difusionismo e com as práticas tecnicistas. Suas orientações são pautadas na agricultura de base ecológica, na perspectiva do uso racional dos recursos e da preservação ambiental. Portanto, para uma assistência técnica e extensão rural efetiva, é essencial implementar políticas públicas e investimentos em uma extensão crítica e contínua. Isso é necessário para o desenvolvimento de metas e objetivos sustentáveis, conforme a Agenda 2030 e a PNATER. Além disso, é importante capacitar constantemente os agentes extensionistas para evitar o retrocesso de um modelo extensionista sujeito-objeto. A extensão rural é crucial não só para os produtores rurais, mas também para universidades, institutos federais e escolas técnicas, pois proporciona uma percepção realista da vida camponesa e desafia paradigmas estabelecidos na sociedade.

Neste sentido, é fundamental a criação de políticas ou programas que estimulem a atuação de instituições de ensino e pesquisa no envolvimento com atividades voltadas à ater, permitindo a difusão de conhecimentos científicos e técnicos para promoção do desenvolvimento econômico, social e tecnológico das áreas produtivas e, consequentemente, a formação de profissionais críticos em relação aos principais problemas enfrentados pelos agricultores familiares e assentados da reforma agrária. O Campus do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG), situado no município de Bambuí-MG, possui 56 anos de existência e atuação na formação profissional, ofertando cursos profissionalizantes, de Ensino Médio, de graduação (Tecnologia, Bacharelado e Licenciatura) e pós-graduação (Lato Sensu e Stricto Sensu). Dentre as diferentes áreas de atuação, destaca-se a tradição da instituição nos cursos das Ciências Agrárias, hoje ofertando curso técnico em Agropecuária e Meio Ambiente e superiores em Agronomia, Engenharia de Alimentos, Medicina Veterinária e Zootecnia, além dos cursos de outras áreas.

Portanto, O IFMG campus Bambuí é uma instituição com tradição para o desenvolvimento de atividades relacionadas à produção agropecuária, o que o torna apto no desenvolvimento de programas que abordem a capacitação de produtores e trabalhadores rurais, visando contribuir para o seu desenvolvimento da agricultura familiar, sobretudo, dos assentamentos rurais.

O Programa de formação em ATER no estado de Minas Gerais está sendo conduzido pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG) Campus Bambuí. O programa prevê o atendimento de sete assentamentos rurais  de diferentes regiões do estado (Quadro 1).

Quadro 1: Assentamentos atendidos pelo Profor-Ext em Minas Gerais.

PA Município Beneficiários Data da Criação
Dênis Gonçalves Goianá 134 28/02/2014
Ismene Mendes Pará de Minas 20 22/12/2014
Margarida Alves Bambuí 43 11/10/2005
Nova Conquista II Campo do Meio 13 07/02/2014
Primeiro do Sul Campo do Meio 37 02/07/1997
Roseli Nunes Pequi 21 03/09/2003
Santos Dias Guapé 40 12/05/2006
Total de Beneficiários - 308 -

Fonte: INCRA (2024).

O desenvolvimento do trabalho nos assentamentos está sendo dividido em quatro etapas: Conhecimento/apresentação ao assentamento, Realização de diagnósticos individuais, Agrupamento dos assentados por áreas de interesse, Aplicação de capacitações. Inicialmente realiza-se uma reunião com os assentados a partir de um contato prévio com os presidentes das associações de cada PA. Na reunião apresenta-se a equipe do projeto e busca-se conhecer os assentados a partir das apresentações individuais e da escuta de sua história, realidade e problemas.

Posteriormente realiza-se a aplicação de uma entrevista semi-estruturada de maneira individualizada aos beneficiários, buscando identificar as principais atividades agropecuárias desenvolvidas, a forma de organização e as áreas de interesse. De posse destas informações realiza-se uma nova reunião com os interessados, apresentando uma proposta de agrupamento por áreas de interesse e fazendo as adequações necessárias de acordo com as discussões e demandas apresentadas. Uma vez identificadas as áreas, inicia-se a realização de capacitações com o intuito de difundir conhecimentos técnicos, capacitar os atendidos em relação à implantação ou manutenção das atividades  e promover a troca de experiências entre os mesmos. O programa de formação em ATER, atua em sete assentamentos de reforma agrária no estado de Minas Gerais. O desenvolvimento do projeto e da metodologia utilizada permitiu identificar áreas de interesse dos produtores assentados (Quadro 2), para os quais estão sendo desenvolvidas atividades de capacitação.

Quadro 2: Áreas de interesse dos produtores assentados de acordo com o agrupamento realizado.

PA Áreas
Margarida Alves Avicultura, Bovinocultura, Fruticultura (Banana e Abacate), Olericultura e Piscicultura
Nova Conquista II Bovinocultura de Leite, Cafeicultura, Fruticultura (Banana), Olericultura, Agroecologia e Produção Orgânica.
Primeiro do Sul Cafeicultura (Doenças), Cafeicultura (Interpretação de análises do solo e foliar/Recomendação de adubação), Olericultura (Planejamento e Implantação), Bovinocultura de leite, Operação de máquinas de pequeno porte (Roçadora, colhedora)
Roseli Nunes Avicultura (controle de doenças, manejo sanitário e instalações), Olericultura (calendário de pragas e doenças e implementação), Bovinos (manejo de ectoparasitas e controle alternativo de pragas e doenças).
Santo Dias Cultura de Citros, Bovinos (manejo), Aves (identificação de Doenças), Emissão de CAF e oficinas de artesanatos
Dênis Gonçalves Hortaliças, Bovinos, Mandioca, Turismo e Artesanatos

À partir do agrupamento dos produtores de acordo com as áreas de interesse, além de iniciar a promoção de capacitações específicas, foram criados grupos com o uso do aplicativo WhatsApp para  facilitar a comunicação e divulgação das capacitações.  O planejamento das capacitações buscam atender o objetivo da extensão rural em contribuir para o desenvolvimento camponês, levando educação não formal, com capacitações voltadas para as atividades que são desenvolvidas dentro do assentamento e ou que se desejam implantar, entendendo o fluxograma de produção e contribuindo para o melhor gerenciamento dessas atividades. No município de Bambuí-MG foram realizadas entrevistas individuais com vinte produtores, e foram levantadas as seguintes informações: todos os entrevistados trabalham no campo a mais de vinte anos, 100% dos produtores não conhecem a PNATER,  dezoito contam com fontes de rendas não agrícolas e apenas dois agricultores já receberam algum tipo de assistência técnica.

As atividades desenvolvidas até o momento permitiram verificar a grande diversidade existente entre os assentamentos atendidos em relação aos aspectos sociais, econômicos e produtivos. Os assentamentos possuem diferentes níveis de organização, trabalham com diferentes atividades agrícolas e empregam práticas de cultivo e manejo também bastante diversificados. Contudo, é comum em todos eles a carência de assistência técnica e a deficiência de conhecimentos que permitam a adoção de práticas eficientes.  Observa-se ainda a luta e a resistência destes agricultores que empregam suas forças para o cuidado da terra e o sustento de suas famílias.

Mediante o exposto, fica evidente a importância das  políticas públicas para inserção dos agricultores familiares ao mercado, apoiando e fortalecendo a continuidade das atividades no campo, somando-se a isso torna-se imprescindível políticas de ATER para o desenvolvimento rural. Desse modo, o Programa de Formação em ATER, contribui para a educação não formal de produtores e trabalhadores rurais, além disso, favorece a aproximação da instituição de ensino  e toda comunidade acadêmica da realidade do campo.

Entretanto, ainda são necessárias políticas públicas que possibilitem a continuidade dos processos de ATER com foco em agricultores familiares, especialmente dentro dos assentamentos rurais, propiciando a capacitação desses produtores para  um melhor gerenciamento de suas atividades transpondo as dificuldades enfrentadas no campo principalmente pela escassez de assistência técnica, para tecnificação das instalações e melhorias que atenuem as dificuldades de produção possibilitando a manutenção de suas despesas com rendas provenientes das atividades desenvolvidas em suas propriedades.

Referências

CAPORAL, Francisco Roberto. Bases para uma Política Nacional de Formação de Extensionistas Rurais, Brasília,  55 p. 2009.

FABRINI, João Edmilson. Os assentamentos de trabalhadores rurais sem terra do centro-oeste/PR enquanto território de resistência camponesa. 2002. 294 f. Tese(doutorado)-Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia,Presidente Prudente, 2002.

INCRA, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. API SIPRA (v0). In: Projetos de Reforma Ágrária Conforme Fases de Implementação: Período da Criação do Projeto : 01/01/1900 Até 14/08/2024, 2024.

SOUZA, Luciana Carvalho; GONZAGA, Humberto Tomaz; JUNIOR, João Cleps. ESPACIALIZAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS RURAIS CRIADOS NO ESTADO DE MINAS GERAIS NO PERÍODO DE 1986 A 2007: PERSPECTIVAS E DESAFIOS NO PRÉ E PÓS CONQUISTA DA TERRA. ACTA Geográfica,  v. 4, n. 8, p. 177-189, 2010.

VERDEJO, Miguel Expósito. Diagnóstico Rural Participativo. In: Um guia prático. Brasília: 2006.