Projeto Filas-GovBR

As páginas do projeto Filas-GovBR da Wikiversidade são recursos para organizar e apoiar as diversas iniciativas de obtenção de dados relativos às filas de espera nos serviços de atendimento do governo ao cidadão brasileiro.
O grupo de estudos elabora, de forma pública e colaborativa, modelos de referência e fundamentos para padrões mais práticos e consistentes de publicação de dados das filas na Internet.

Tempo é documento: filas onde a espera é de dias a anos, precisam ser registradas. Os usuários (solicitantes) registrados na fila possuem o direito de se ver e de monitorar o andar do atendimento, tal como numa fila comum.

Introdução editar

É conhecido o fato de que a espera por atendimento em áreas como saúde, justiça e educação carece acompanhamento efetivo, ou seja, os interessados não recebem informação sobre o andamento da fila de espera. Em diversos serviços há o registro digital da solicitação, há um compromisso formal (a rigor um contrato) entre a entidade mantenedora do serviço e o cidadão solicitante, mas não há informação sobre o andamento da fila. Alguns exemplos:

  • no SUS, a espera por exames, cirurgias e consultas é devidamente registrada no DataSUS, e se caracteriza de fato como contrato do posto de saúde ou hospital com o paciente, mas não existem estimativas oficiais do tempo de espera previsto, nem indicadores de posição na fila. É comum a espera por mais de um ano por cirurgias e exames complexos.
  • Nas creches e escolas a espera por matrícula leva semanas ou meses, e não há informação sobre o andamento da fila ou posição do candidato na fila.
  • Nos processos e solicitações junto à defensoria pública, apesar do sistema ser totalmente informatizado, não há divulgação relativa à posição na fila ou estimativas de espera. No fórum a situação se repete, o cidadão comum não tem acesso à informação.

Para o cidadão usuário do serviço a reclamação e demanda é quanto a ser informado sobre a sua posição na fila, ou, minimamente, o tempo de espera estimado da fila.

Para os demais cidadãos a transparência sobre as filas é fator imprescindível para se aferir a eficácia e a destinação dos repasses financeiros realizados. Sem a possibilidade de se auditar a fila, perde-se a perspectiva da auditoria dos repasses.

Anonimato e publicidade editar

Numa fila indiana comum, seja no banco ou no hospital, todos podem se ver. São pessoas atestando que dividem aquele momento de espera com outras pessoas, atestando que estão todas elas na mesma situação, e monitorando a preservação da ordem e do atendimento. A fila é um coletivo solidário, se ela não andar, esse coletivo precisa se manifestar, tendo mais voz que ao indivíduo sozinho.

As pessoas na fila do banco, do cinema ou do hospital não tem crachá com o nome nem mostram seu RG e telefone para o vizinho. Há o sentimento de que, apesar de estar vendo as pessoas, o seu anonimato está sendo respeitado. Se cada um aparecesse na fila vestido igual e com capacete cobrindo a cabeça, seriam todos iguais, haveria maior garantia de anonimato, mas o sentimento de coletivo seria perdido.

O registro digital da fila (por exemplo em tabelas de dados), pode preservar um certo anonimato, não requer o RG de cada pessoa, basta o seu "código da pessoa". Pode até ser um código encriptado, se alguma norma de sigilo assim o exigir, mas há que se preservar um certo grau de informação, alguma dica para que as próprias pessoas da fila ainda se reconheçam nela e como parte de um coletivo.

Essência da fila editar

 
Abstraindo a fila de espera, e periféricos tais como a fonte da fila (pessoas chegando).
A fila é um conjunto de pessoas identificadas e ordenadas. A fonte é um conjunto de pessoas distinto e sobre o qual nada sabemos, exceto por uma estimativa do seu número de elementos.

A fila pode ser fotografada e minuciosamente descrita, mas quando desenhamos a fila no papel, ou quando tentamos descrever para outra pessoa por voz no telefone, simplificamos. Esse processo de simplificação acaba destacando a "essência da fila".

A finalidade do Projeto Filas-GovBR é justamente formalizar essa essência, e garantir que ela satisfaça todos os requisitos e direitos apresentados. Numa primeira aproximação uma fila de espera por um serviço pode ser abstraída e qualificada pelos seguintes elementos:

  • Solicitante: usuário do serviço, pessoa (cidadão) beneficiada pelo atendimento. É quem vai ficar "esperando na fila" enquanto não for atendido.
  • Responsável: entidade responsável (cidade, unidade, empresa ou estabelecimento), que presta o serviço ou gerencia uma fila de atendimento para um conjunto de prestadores, distribuindo entre eles os solicitantes.
  • Tipo de atendimento: nomeia ou determina com mais precisão, dentro de uma classificação geral de serviços. Surge como objeto do contrato ou compromisso firmado entre responsável e solicitante.
  • População fonte: conjunto de futuros solicitantes, que ainda nem entraram para a fila, mas estabelecem uma pressão de demanda. A velocidade com que aparecem novos solicitantes depende do perfil desse conjunto fonte.
  • População atendida: conjunto de solicitantes efetivamente atendidos. A cada atendimento um solicitante da população fonte deixa de ser solicitante e passa a ser atendido.
  • Status atual: descreve situação do atendimento num dado instante (por exemplo "indefinido", "agendado", "atendido", etc.).
  • Datas: a partir do momento em que é firmado o compromisso entre responsável e solicitante (data de registro), todas demais datas de alteração de status podem também ser registradas, para justamente "cronometrar" a espera em todas as etapas do processo. Exemplos: "data de agendamento", "data de cancelamento", "data de atendimento".

Todos esses elementos fazem sentido dentro de um modelo de fluxo: o sistema de atendimento consome solicitantes da população fonte e os transforma em população atendida.

Direitos e transparência editar

Direito à Informação sobre a Fila: é um direito legítimo mas há que se especificar qual variável, qual tipo de informação. Além disso estamos tratando de três direitos distintos,

  1. Direito do solicitante, de ser informado sobre a fila onde está inserido.
  2. Direito do cidadão de auditar o serviço público por ele recebido.
  3. Direito do cidadão de auditar a prestação de contas dos fornecedores de serviços públicos, de forma completa e consistente, vinculando os atestados de atendimento aos valores pagos.

O primeiro poderia ser resolvido com uma consulta online (aberta ou sigilosa) do solicitante sobre a sua posição na fila e tempo estimado, e com a hipótese de que o solicitante confia nos dados desta consulta. O segundo e terceiro não podem fazer uso da hipótese de confiança, o que dificulta o sigilo. O segundo pode ser traduzido como "direito do cidadão de analisar as provas por ele mesmo".

O terceiro é uma variação do segundo, que por um lado permite um certo nível de agregação dos dados, mas por outro requer total consistência e completeza com os dados contáveis. Reforça que não existe hipótese de "prestação de serviço público secreta".

Projetos de Lei: não existe ainda uma regularização ou exigência para a publicação e transparência dos dados das filas, e mesmo as iniciativas de projetos de Lei, como por exemplo no SUS, são ainda vagas e subjetivas.

Descrição técnica-formal da fila editar

 
Modelo de referência de uma fila de espera. Todos os parâmetros passíveis de registro são descritos matematicamente pelo modelo. Sem medir as desistências (r2) não é possível medir o desempenho da fila.
Os critérios de controle na entrada (c1) e antes do atendimento (c2), são como que catracas para decidir quem será o próximo, e também requerem transparência. As recusas (r1) podem ser relevantes em análises mais gerais de demanda e oferta no sistema.

O presente projeto apresenta convenções para a descrição eficiente e transparente das filas. As descrições formais são relativas principalmente à estrutura de dados e ao processo de publicação dos mesmos (por exemplo em em tabelas abertas específicas para este fim) e eventualmente para as interfaces dos sistemas que publicam esses dados.

Visão matemática editar

Apesar do alto grau de abstração, a Teoria das Filas como ramo da Matemática, se fundamenta em Teoria dos Conjuntos e aborda questões bastante práticas e objetivas:

"As filas de espera são um fenômeno corrente no dia-a-dia, onde existem clientes que desejam prestações de serviços — por parte de servidores que, para serem utilizados, é necessário que os clientes esperem e formem uma fila física ou conceitual — e que haja um número de clientes superior ao número de servidores, pois o servidor demora algum tempo a atender cada cliente (tempo de serviço), e este serviço termina quando o cliente se retira".
"Os pontos de interesse da teoria das filas são: o tempo de espera do cliente, o número de clientes na fila e a razão entre o tempo de espera e o tempo de prestação de serviço".
C. R. V. Pereira[1]

Como num modelo de caixa preta o sistema, composto da fila e do serviço de atendimento, é descrito apenas em termos das suas entradas e saídas.

Elementos editar

Da esquerda para a direita na ilustração temos:

  • Fonte (Fσ): conjunto não-determinado, representando a demanda. Pode ser a população de um bairro ou um perfil geral de usuários. Seu conhecimento permite caracterizar,
    taxa média de chegada λ(F) de novos solicitantes à fila, medida em número de pessoas por unidade de tempo.
    número estimado de pessoas demandando o serviço, n(F). No caso geral, mais simples, pode-se supor n(F)=∞.
  • Sistema de atendimento (σ): delimitação que abrange o serviço e a sua fila. O sistema recebe pessoas através do fluxo de solicitantes, e devolve pessoas através dos fluxo de recusas, desistências e atendimentos. É composto de:
    • Controle de chegada (c1): no caso geral não há controle algum, podendo ser representado também pelo valor estatístico λ(F). Na modelagem do comportamento do fluxo de entrada, o elemento c1 estabelece como as pessoas da fonte são formalmente incluídas na fila. Pode ser por exemplo um subsistema de agendamento. É também onde é "carimbada" a data de registro.
      Fluxo de retorno 1, r1 (ou rλ). Quando há recusa em entrar na fila, como por exemplo alguém que não pode comparecer na data de agendamento sugerida.
    • Fila (Qσ): subsistema representado por um conjunto de pessoas, os solicitantes em espera.
      Número de pessoas na fila num dado instante, n(Q).
      Fluxo de retorno 2, r2 (ou rd): corresponde às desistências, pessoas que se cansam de esperar e deixam a fila, voltando a fazer parte de Fσ.
    • Disciplina de atendimento (c2): o descreve a forma como os solicitantes saem da fila de espera para serem atendidos. A mais comum é conhecida como FIFO (do inglês "First In, First Out"), que é "seguir a ordem da fila". Todavia, em atendimentos de pronto-socorros, por exemplo, existem critérios de priorização, e a "receita" com todos os critérios precisa ser formalmente descrita.
      Fluxo de retorno 3, r3. Quando o solicitante não comparece no dia agendado, ou por outro motivo deixa de ser atendido. Usualmente esse solicitante volta ao final da fila, ou seja, não recebe prioridade mas também não é removido da fila.
    • Serviço (Sσ) ou Atendimento: subsistema representado por um conjunto de pessoas, os solicitantes em atendimento.
      Número de pessoas sendo atendidas num dado instante, n(S).
      Taxa de serviço (μ): número médio de solicitantes que podem ser atendidos por unidade de tempo.
      Configuração de serviço: corresponde ao número de servidores em paralelo (postos de atendimento). Em geral pode-se simplificar e representar todos como um só.
      Forma de atendimento: individual (usual) ou em grupo (por ex. aulas em grupo). Em geral pode-se simplificar o caso do grupo, abstraindo como um-a-um com μ maior.
  • Atendidos (Aσ): conjunto de pessoas representando o reservatório de destino do sistema, e fluxo de sucesso no atendimento.

Outras grandezas mensuráveis, como intervalo médio Tλ entre duas chegadas consecutivas, podem ser deduzidas como função das grandezas dos elementos básicos — neste caso Tλ=1/λ.

Metodologia na modelagem de filas editar

O modelo de referência pode ser utilizado para modelar qualquer sistema de fila, abstraindo-se elementos e estabelecendo hipóteses simplificadoras. A seguir um passo-a-passo.

Reconhecendo os papeis editar

 
No sistema o responsável presta serviços e o solicitante os utiliza.
Nenhum dos dois pode sozinho "realizar o serviço S".

Quem são os solicitantes e quem é o responsável pelo serviço? Em quais tipos de caso de uso eles participam?

 
Papel do responsavel pelo sistema, e suas participações.

O primeiro passo da modelagem do sistema é estabelecer quem está em cada papel e quais as participações válidas no sistema modelado. Por exemplo na Fila-SUS o solicitante é o "paciente", o responsável típico é um "posto de saúde", e em geral os casos de uso "registro" e "agendamento" encontram-se fundidos.

Taxonomia e identificação dos serviços editar

Uma vez esboçados os papeis, fica mais evidente quem de fato são os serviços, e se há mais de um tipo de serviço. Havendo mais de um, deve-se verificar se os diversos tipos de serviço formarão pares serviço-responsável, ou se é possível abstrair como um só responsável prestando todos os tipos de serviço.

Quando existem muitos tipos de serviço há que se classificá-los em uma taxonomia e identificá-los um a um. A taxonomia (classificação em árvore) permite agrupar serviços quando necessário, e estabelecer nomes e descrições satisfatórios para ambos, solicitantes e responsáveis.

A identificação unívoca de cada par serviço-responsável é fundamental pois ela que determinará o "nome" da fila, ou seja, permitirá estabelecer um rótulo de identificação da fila para a sua gestão e seu fácil reconhecimento por parte dos solicitantes.

Reconhecendo as regras editar

Uma vez rotulados e organizados, podemos avaliar um a um ou grupo a grupo dos serviços para já modelar as respectivas filas. O reconhecimento das regras e a caracterização mais detalhada dos elementos do modelo podem ser realizados na seguinte sequência, a cada sistema de atendimento:

  1. Caracterizar a Fonte: o perfil quantitativo do conjunto de solicitantes e a forma como interagem com o sistema para solicitar seu registro ou agendamento.
  2. Verificar se c1 deve ser modelado dentro ou fora do sistema: se for externo, não há como controlar, ou seja, o registro na fila seria realizado por terceiros ou por conta do solicitante.
  3. Quais as restrições em c1? Quando o solicitante registra sua solicitação, através por exemplo do agendamento, pode também recusa-lo (r1)... São permitidas recusas?
  4. Caracterizar a Fila: tem limite de pessoas? Pode misturar com outros tipos de solicitantes? Pode haver "espera por agendamento"?
  5. Estabelecer a disciplina de atendimento, e demais restrições em c2. Qual a disciplina? Que outras regras (de priorização por exemplo) haverão de ser cumpridas?
  6. São permitidas ou previstas desistências (r2)? Se desistir volta para a população Fonte?
  7. O solicitante pode faltar (r3) no dia agendado para o seu atendimento? Se faltar, volta para a Fila ou para a Fonte?
  8. Há mais de um responsável realizando atendimentos? Quanto demora em média um atendimento?

Modelo final e planejamento editar

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Referências editar

  1. "UMA INTRODUÇÃO ÀS FILAS DE ESPERA", de Cláudia R. V. Pereira, tese PUC de 2009.
    As considerações sobre estimativa de tempo de espera são descritas neste trabalho como "disciplina da fila". Os demais elementos de interesse foram descritos na seção 3 da obra.