Sistema nervoso
SISTEMA NERVOSO
editarA neurotoxicologia é muito importante atualmente porque nos permite conhecer melhor o funcionamento do cérebro e porque milhões de pessoas estão diariamente expostas a neurotóxicos a nível ambiental, o que é evidenciado pelo número de doenças neuronais.
ESTRUTURA
editarO sistema nervoso é constituído por:
- sistema nervoso central (SNC) - formado pelo cérebro e espinal medula
- sistema nervoso periférico (SNP) - inclui o sistema nervoso autónomo, os nervos eferentes somáticos, que enervam músculo esquelético e os nervos aferentes somáticos e viscerais (função nociceptiva)
As células do SN são basicamente de dois tipos: as Células da Glia e os Neurónios.
As células da glia podem ser:
· Astrócios - que ajudam a regular o meio externo dos neurónios no SNC, participam no metabolismo e influenciam a neurotransmissão (neurónios não excitáveis)
· Microglia – migram no SNS e fagocitam material estranho ou degenerado
· Oligodendrócitos – formam a mielina nos axónios do SNC
· Células de Schwann – formam a mielina nos axónios do SNP
Os neurónios são formados por dendrites e axónios e corpo celular (onde se localiza a maquinaria produtora de proteínas). Estes são especializados em responder a estímulos físicos e químicos, conduzir impulsos electroquímicos e libertar reguladores químicos. A mielinização torna a célula neuronal única pois a mielina faz com que seja possível a condução de impulsos eléctricos. A mielina é formada ao nível do SNP pelas células de Schwann e no SNC pelos oligodendrócitos. O neurónio é uma célula excitável, com carga intracelular negativa, com potencial de membrana e consequentemente com impulsos eléctricos. A sinapse é a forma de comunicação intercelular do SN. O cálcio intracelular provoca a libertação dos neurotransmissores das suas vesículas no axónio, que vão actuar como primeiros mensageiros. A ligação do neurotransmissor ao receptor pós-sináptico é seguida da modelação de um canal iónico (impulso eléctrico – entrada de sódio na vesícula pós-sináptica) ou da activação de um segundo mensageiro que levará a alterações na célula. O neurotransmissor é depois degradado ou recaptado.
BARREIRA HEMATOENCEFÉLICA
editarO sistema nervoso (SN) está protegido, através de barreiras anatómicas da entrada de muitas substâncias potencialmente tóxicas. A maior parte do cérebro encontra-se protegida por uma barreira, a barreira hematoencefálica (BHE), com uma selectividade semelhante à da interface entre as células e o meio extracelular. Pensa-se que a estrutura básica da barreira hematoencefálica sejam células endoteliais especializadas, existentes na microvasculatura cerebral, ajudadas, pelo menos parcialmente, por interacções com as células da glia. Das propriedades únicas das células endoteliais no SN, destaca-se a presença de ligações impermeáveis entre elas, em contraste com os hiatos de 4 nm existentes entre as células endoteliais fora do SN. Para terem entrada no SN, as moléculas maiores têm de passar através das membranas celulares das células endoteliais do cérebro, em vez de passarem por entre elas, como acontece noutros tecidos. Assim, excluindo as moléculas que são transportadas activamente para o cérebro, a penetração de substâncias tóxicas, ou dos seus metabolitos, no SN está grandemente relacionada com a sua lipossolubilidade e com a sua capacidade para atravessar as membranas plasmáticas das células que formam a barreira. Existem, porém, importantes excepções a esta regra. No SN maturo, os gânglios espinais e os do sistema nervoso vegetativo (SNV), bem como um pequeno número de outros locais dentro do cérebro, chamados órgãos circumventriculares, não possuem estas ligações impermeáveís endoteliais e não estão protegidos por qualquer barreira hematotecidular. A barreira hematoencefálica não está completamente desenvolvida na altura do nascimento, e ainda menos nos prematuros. Estes factos tomam os prematuros predispostos a lesões centrais por tóxicos, como a bilirrubina não conjugada, que em indivíduos mais velhos são excluídos do SN. Para além desta interface com o sangue, o cérebro, a medula espinal e os nervos periféricos estão completamente cobertos por uma camada contínua de células especializadas que limita a entrada de moléculas a partir dos tecidos adjacentes. No cérebro e na medula espinal esta camada é a superfície meníngea, enquanto no SN periférico cada feixe de nervos está rodeado de células perineurais.
NECESSIDADES ENERGÉTICAS DO CÉREBRO
editarOs neurónios e os miócitos cardíacos conduzem impulsos eléctricos. A sua dependência da respiração aeróbia traduz as elevadas necessidades metabólicas associadas com a manutenção e reconstituições sucessivas dos gradientes iónicos. As despolarizações e repolarizações da membrana ocorrem com tal frequência que estas células têm de ter a capacidade de produzir grande quantidade de fosfatos de alta energia, mesmo num estado de repouso. Para dar resposta a esta elevada necessidade em energia, o cérebro utiliza glicólises aeróbias e, por isso, é extremamente sensível a interrupções, mesmo se breves, nestes fornecimentos de glicose ou oxigénio. O contacto sistémico com tóxicos que inibem a respiração aeróbia, como o cianeto, ou situações que produzam hipóxia, como o envenenamento com monóxido de carbono, conduzem a sinais muito precoces de disfunção miocárdica ou neuronal. A lesão do SN nestas condições é uma combinação entre os efeitos tóxicos directos no SN e as lesões secundárias resultantes da hipóxia global ou da isquemia. As estruturas no sistema nervoso central (SNC) mais vulneráveis à hipóxia global são os neurónios das regiões específicas dos núcleos da base e do hipocampo, as camadas médias do córtex cerebral e as células de Purkinje do cerebelo.
O OBSTÁCULO DO ESPAÇO
editarEmbora organismos multicelulares simples possam sobreviver sem meios de comunicação intercelular, os invertebrados mais complexos e todos os vertebrados têm sistemas especializados para solucionarem o problema da separação espacial das células. O SN pode ser entendido como uma solução para o obstáculo do espaço na comunicação intercelular. Os impulsos são conduzidos rapidamente por grandes distâncias e transmitem informações sobre o ambiente ao organismo de uma forma coordenada, permitindo que uma resposta num dado local. Isto é facilitado pelo facto de as células individuais, em vez de esféricas e com poucos micrómetros, são alongadas e podem ter mais de um metro de comprimento. As duas exigências imediatas que se colocam aos neurónios são a manutenção de volumes celulares muito maiores e o transporte de materiais intracelulares por grandes distâncias. Apesar de os neurónios poderem exceder em 200 000 vezes as dimensões da maior parte das células, o volume celular não acompanha este aumento. Isto porque este aumento de dimensões é feito à custa de umas extensões cilíndricas, extremamente finas, atributo único utilizado pelos neurónios para alcançar grandes distâncias. Através da redução do diâmetro das extensões celulares, o neurónio torna-se capaz de alcançar as distâncias necessárias, mantendo um volume citoplasmático aceitável. Mesmo assim, o volume do axónio pode ser muito maior que o volume do corpo celular. Isto impõe aos neurónios a necessidade de encontrar uma solução que proporcione um sistema de síntese proteica adequado ao seu volume citoplasmático. Este sistema é facilmente visível, por microscopia óptica, em grandes neurónios (os corpos de Nissl, que são formados por agregados de complexos ribossómicos para a síntese de proteínas). O neurónio também tem de distribuir materiais a grandes distâncias através dos seus processos. Embora existam sistemas análogos em todos os tipos celulares, referidos como corrente ou fluxo citoplasmático, no SN este processo ocorre através de distâncias muito maiores, e é conhecido por transporte axonal. A síntese proteica ocorre no corpo celular e os produtos proteicos são, então, transportados para o local apropriado através do processo do transporte axonal. O transporte axonal rápido transporta um grande número de proteínas desde o seu local de síntese, o corpo celular, para o axónio. Muitas destas proteínas estão associadas a vesículas e migram através do axónio à velocidade de 400 mm por dia. Estas proteínas, a dineína e a quínesina, asseguram tanto a força mecanoquímica como a interface entre os microtúbulos e as vesículas. A primeira na forma de uma ATPase associada aos microtúbulos, a segunda entende-se comparando os microtúbulos a estradas e as vesículas a carga. As vesículas são transportadas rapidamente na direcção antrógrada pela quinesina e retrógrada pela dineína. Apesar de este mecanismo de, transporte citoplasmático em direcção à periferia da célula e de volta para o núcleo parecer ser uma característica geral das células, o processo é amplificado no SN devido às grandes distâncias alcançadas pelas extensões axonais dos neurónios. O transporte de alguns organelos, incluindo as mitocôndriais, constitui um componente intermédio do transporte axonal, desenrolando-se a 50 mm por dia. Como no componente mais rápido, a função é, aparentemente, a substituição contínua dos organelos dentro do axónio. O componente mais lento do transporte axonal é o movimento do próprio citoesqueleto, mais que o movimento de enzimas ou organelos através do citosol. O citoesqueleto é composto por elementos estruturais, incluindo microtúbulos, formados pela associação de subunidades de tubulina, e neurofilamentos, constituídos pela associação de três subunidades proteicas de neurofilamentos. Cada um destes elementos estruturais do citoesqueleto move-se através do axónio a uma velocidade específica. Estas relações dinâmicas entre o corpo celular do neurónio e os seus axónios são críticas para compreender as respostas patológicas básicas às lesões axonais e neuronais causadas por neurotóxicos.
MANUTENÇÃO DE UM AMBIENTE RICO EM LÍPIDOS
editarA mielina é formada no SNC pelos oligodendrocitos e no sistema nervoso periférico (SNP) pelas células de Schwann. Ambos os tipos celulares formam camadas concêntricas de mielina, rica em lípidos, através do enrolamento progressivo dos seus processos citoplasmáticos em torno dos axónios, em voltas sucessivas. Por fim, estas células excluem a água e os iões da superfície citoplasmática das suas membranas, para formar uma camada densa de mielina. De forma semelhante, o espaço extracelular existente entre as superfícies extracelulares das bicamadas é eliminado, e as membranas lipídicas aderem, permanecendo separadas apenas por uma linha proteinácea existente entre camadas sucessivas. A formação e a manutenção da mielina requerem uma maquinaria metabólica e a existência de proteínas estruturais exclusivas do SNC. A proteína básica da mielina, uma proteína integral da mielina do SNC, está intimamente associada com o espaço intracelular, e uma proteína análoga, a proteína P1, distribui-se pelo SNP. Na superfície extracelular da bicamada Iipídica encontra-se uma proteína do SNC, a proteína proteolipídica. A mutação desta proteína resulta no aparecimento de doenças do SNC, caracterizadas por uma formação anómala da mielina. Há doenças hereditárias nas quais a mielina é formada em quantidade insuficiente ou não é mantida depois da sua formação. Para além da mutação da proteína proteolipídica, existe um conjunto de erros congénitos do catabolismo lipídico, incluindo erros no catabolismo de algumas ceramidas, sulfatos de ceramida e gangliósidos. por que dá para escrever aqui?
TRANSMISSÃO DA INFORMAÇÃO ATRAVÉS DO ESPAÇO EXTRACELULAR
editarA comunicação extracelular desenvolve-se no SNC através das sinapses. Os neurotransmissores libertados por um axónio actuam como primeiros mensageiros. A ligação dos neurotransmissores ao receptor pós-sináptico desencadeia a modulação de um canal iónico ou de um segundo mensageiro, conduzindo a alterações na célula pós-sináptica. O processo de neurotransmissão constitui um alvo para a actuação de fármacos com acção terapêutica e é um componente de extrema importância em neurofarmacologia. Existem também compostos tóxicos que interagem directamente com o processo de neurotransmissão, formando a base da neurotoxicidade associada aos neurotransmissores. Assim sendo, os vários processos que são o alvo de muitas estratégias da neurofarmacologia são também o alvo de vários compostos neurotóxicos.
DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA NERVOSO
editarReplicação, migração, diferenciação, mielinização e formação de sinapses são os processos que estão na base de desenvolvimento do SN. Tanto os precursores neuronais como os gliais replicam no manto germinativo, um conjunto de células dispostas perto do sistema ventricular. Camadas sucessivas do córtex cerebral, bem como outros neurónios, astrócitos de suporte e oligodendrocitos mielinizantes migram do manto geminativo segundo uma ordem precisa, tanto in utero como na vida pós-natal precoce. A mielinização inicia-se in utero e continua pela infância. Por fim, a formação de conexões sinápticas, que constituem a base da função neuronal, é um processo dinâmico e que se prolonga pela vida fora. O desenvolvimento do cérebro durante a infância permite uma certa capacidade de recuperação após uma lesão. A principal razão pela qual isto ocorre é a grande capacidade plástica que o cérebro jovem possui, em relação ao cérebro adulto, que confere a uma porção do SN a capacidade de assumir a função de uma outra destruída. O cérebro de uma criança pode compensar parcialmente uma lesão que resultaria numa deficiência maior se a mesma acontecesse num adulto. A plasticidade do SN imaturo parece resultar da capacidade das dendrites de arborizarem e formarem novas sinapses.
MANIFESTAÇÕES FUNCIONAIS DE NEUROTOXICIDADE
editarUm grupo, ou uma bateria, de testes é habitualmente realizado para avaliar uma série de funções neurológicas. Estas baterias de observação funcional (BOFs) têm a vantagem de permitir avaliar o início, progressão, duração e reversibilidade da lesão neurotóxica ao longo do tempo e num único animal. Existem duas etapas de testes para o estudo funcional de neurotóxicos: uma primeira, em que as BOFS, ou testes de actividade motora, podem ser usados para identificar a presença de um neurotóxico; e uma segunda, em que se procura pôr em evidência os efeitos do composto nas funções sensitiva, motora, vegetativa e cognitiva. Esta segunda etapa é crítica, pois é a partir dela que se estabelece a validade dos testes comportamentais, e as alterações comportamentais são correlacionadas com a identificação fisiológica, bioquímica e patológica da lesão neurotóxica. Existem problemas relacionados com a extrapolação interespécies de alterações comportamentais, em particular de animais de experiência para humanos. Apesar disto, a comparação de diferentes protocolos de BOFS e de testes de actividade motora com um número limitado de compostos sugere que diferentes métodos podem ser eficazes na identificação de compostos neurotóxicos.
Neuronopatias
editarAlguns tóxicos são específicos para os neurónios, ou até para um tipo específico de neurónios, conduzindo à sua lesão ou possivelmente à sua morte. A perda de um neurónio é irreversível e inclui a degeneração de todas as suas extensões citoplasmáticas (dendrites e axónios) e da camada de mielina que envolve o axónio. Cada alteração tóxica é o resultado de um tóxico celular com uma apetência especial pelos neurónios, provavelmente por causa de uma das vulnerabilidades peculiares dos neurónios. À lesão inicial segue-se a necrose, conduzindo à sua perda irreversível.
*Compostos associados a neuropatias
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Neurotóxico |
Alteração neurológica |
Base celular da neurotoxicidade |
Alumínio |
Demência, encefalopatia (humanos), défices de atenção |
Espongiose do córtex, agregados neurofibrilhares, alterações degenerativas do córtex |
6-Aminonicotinamida |
Não há descrições em humanos. Paralesia das patas posteriores (animais) |
Degeneração espongiforme (vacuolar) da medula espinal e tronco cerebral |
Arsénio |
Encefalopatia (aguda), neuropatia periférica (crónica) |
Edema e hemorragia cerebrais (aguda), degeneração axonal no SNP (crónica) |
Azida |
Dados insuficientes (humanos); convulsões, ataxia (primatas) |
Perda neuronal no cerebelo e córtex |
Bismuto |
Perturbações emocionais, encefalopatia, mioclonias |
Perda neuronal nos gânglios da base e nas células de Purkinje do cerebelo |
Monóxido de Carbono |
Encefalopatia, parkinsonismo e distonias tardias |
Perda neuronal no córtex, necrose do globus pallidus, desmielinização focal |
Tetracloreto de carbono |
Encefalopatia (provavelmente relacionada com a insuficiência hepática) |
Hipertrofia dos astrócitos no corpo estriado, globus pallidus |
Cloranfenicol |
Neurite óptica, neuropatia periférica |
Perda neuronal (retina), degeneração axonal (SNP) |
Cianeto |
Coma, convulsões, morte rápida; parkinsonismo e distonias tardias |
Perda neuronal no cerebelo e globus pallidus, desmielinização focal |
Ácido domóico |
Perda de memória, desorientação, convulsões |
Perda neuronal no hipocampo, amígdala e camadas 5 e 6 do neocórtex |
Doxorrubicina |
Dados insuficientes (humanos); ataxia progressiva (animais) |
Degeneração das células dos gânglios das raízes dorsais, degeneração axonal (SNP) |
Kainato |
Dados insuficientes (humanos); convulsões em animais |
Degeneração axonal dos neurónios no hipocampo, córtex olfactivo, amígdala, tálamo |
Chumbo |
Encefalopatia, défice de aprendizagem (crianças), neuropatia |
Edema cerebral (agudo), perda axonal no SNP (humanos), desmielinização segmentar (ratos) |
Magnésio |
Perturbações emocionais, parkinsonismo/distonia |
Degeneração do corpo estriado e do globus pallidus |
Mercúrio elementar |
Perturbações emocionais, tremor, fadiga |
Dados insuficientes em humanos (pode afectar vias da medula e o cerebelo) |
Metanol |
Cefaleias, perda visual ou cegueira, coma (grave) |
Necrose do putámen, degeneração das células ganglionares da retina |
Acetato de metilazoximetanol |
Microcefalia (ratos) |
Anomalias do desenvolvimento do cérebro fetal (ratos) |
Metilbrometo |
Perturbações visuais e do discurso; neuropatia periférica |
Dados insuficientes |
Metilmercúrio |
Ataxia, constrição dos campos visuais, parestesias (adulto) Atraso psicomotor (exposição fetal) |
Degeneração neuronal do córtex visual, cerebelo, núcleos Disrupção espongiforme generalizada do córtex e cerebelo |
1-metil-4-feni-1,2,3,6-tetra-hidropiridina (MPTP) |
Parkinsonismo |
Degeneração neuronal da substância nigra |
Fenitoína |
Nistagmo, ataxia, tonturas |
Degeneração das células de Purkinje (cerebelo) |
Quinino |
Constrição dos campos visuais |
Vacuolização das células ganglionares da retina |
Estreptomicina |
Perda de audição |
Degeneração do ouvido interno (órgão de Corti) |
Tálio |
Perturbações emocionais, ataxia neuropatia periférica e vegetativa |
Edema cerebral (agudo), degeneração axonal no SNP |
Trimetilina |
Tremores, hiperexcitabilidade (animais) |
Necrose dos neurónios do hipocampo, amígdala, córtex piriforme |
*Doxorrubicina
editarApesar da toxicidade cardíaca limitar a quantidade de doxorrubicina (Adriamicina) que pode ser dada a doentes neoplásicos, a doxorrubicina também lesa os neurónios do SNP especificamente os dos gânglios das raízes dorsais e os dos gânglios do SNV. A doxorrubicina é um derivado dos antibióticos antraciclínicos cujas propriedades citostáticas resultam da capacidade de se intercalar nas cadeias duplas do ADN, interferindo na transcrição. Como todos os neurónios estão dependentes da capacidade de transcrever o DNA, a vulnerabilidade particular dos neurónios sensitivos e do SNV parece reflectir a falta de protecção da barreira hematoencefálica dentro dos gânglios.
*Metilmercúrios
editarA toxicidade neuronal de compostos organomercúrios, como o metilmercúrio, manifestou-se de forma trágica, por um grande número de envenenamentos no Japão e no Iraque. Os habitantes da Baía de Minamata, no Japão, cujo regime alimentar era maioritariamente constituído por peixes pescados na baía, foram expostas a elevadas quantidades de metilmercúrio, quando efluentes industriais, carregados de mercúrio, foram despejados para a baía. O metilmercúrio foi o responsável por ainda mais vítimas no Iraque, com mais de 400 mortos e 6000 hospitalizados. Nesta epidemia, assim como noutras de menor dimensão, os efeitos ocorreram após o consumo de cereais cujos grãos tinham sido pulverizados com um metilmercúrio, por este ser um pesticida barato. O quadro clínico varia com a gravidade da exposição e com a idade do indivíduo na altura da exposição. Nos adultos, os principais locais de lesão são os neurónios do córtex visual e as pequenas células da camada granulosa do córtex do cerebelo, cuja degenerescência em grande extensão resulta numa marcada ataxia. Nas crianças, em particular naquelas expostas in utero a estes compostos, a perda neuronal é generalizada e, nos casos de maior exposição, provoca paralisias e atrasos mentais profundos.
*Trimetilina
editarAs organotinas são usadas industrialmente como plastificantes, como fungicidas ou como insecticidas. A intoxicação com trimetilina tem sido associada com uma síndrome limbicocerebelosa potencialmente irreversível em seres humanos e a alterações comportamentais semelhantes em primatas. A trimetilina chega ao sistema nervoso e conduz a uma lesão neuronal difusa, cujo mecanismo não está esclarecido. Muitos neurónios do sistema nervoso começam por acumular corpos citoplasmáticos, compostos por estruturas tipo Golgi, ao que se segue edema celular e necrose. O hipocampo é particularmente vulnerável a este processo. Após uma intoxicação aguda, as células da fascia dentata degeneram e, com a intoxicação crónica, as células do corpus ammonis são destruídas.
*Toxicidade da hidroxidopamina e das catecolaminas
editarA toxidade do processo de oxidação dos produtos das ca tecolaminas, bem como a dos produtos da redução parcial do oxigénio, leva, com a idade, à perda progressiva de neurónios catecolaminérgicos. A oxidação das catecolaminas pela MAO gera H2O2, um metabolito tóxico. A auto-oxidação das catecolaminas, em especial a da dopamina, catalizada por iões metálicos, leva à produção de quinonas derivadas das catecolaminas, de ião superóxido (O2-.), à dismutação do H2O2-. e à de OH-. pela reacção de Fenton. O glutatião celular protege contra o fluxo de quinonas, a peroxidase do glutatião contra o H2O2-. e a superóxido dismutase contra o (O2-.). De todas as catecolaminas que existem naturalmente a mais citotóxica é a dopamina, devido à sua grande facilidade de autoxidação, e da reactividade relativamente maior da ortoquinona resultante da sua oxidação. A 6-hidroxidopamina, um análogo da dopamina, é extremamente potente a provocar uma simpatectomia química. Este composto não atravessa a barreira hematoencetalica e, por isso, a sua acção limita-se à periferia. Para além disto, não penetra através dos nervos periféricos, apenas lhes tendo acesso pelos terminais nervosos. As fibras simpáticas degeneram, conduzindo a uma hipertonia parassimpática não compensada, com diminuição da frequência cardíaca e hipermotilidade do aparelho digestivo. Os neurobiólogos usam a 6-hidroxidopamina para destruir grupos específicos de neurónios catecolaminérgicos.
*MPTP
editarDevido a um erro de um químico nos anos 80, individuos que se injectaram com um derivado meperidínico, ou “heroína sintética”, receberam, concomitantemente, o 1-metil-4-fenil-1,2,3,6-tetrahidropindina. (MPTP). Num período de algumas horas a poucos dias, vários destes doentes desenvolveram sinais e sintomas compatíveis com uma doença de Parkinson irreversível, inclusive, alguns deles, uma imobilidade completa devida a rigidez. A MPTP é substrato para a isoenzima B da MAO (MAO-B). Como a MPTP é apolar a pH fisiológico, facilmente atravessa a barreira hematoencefiálica e difunde para as células, incluindo os astrócitos. A MAO-B dos astrócitos cataliza a oxidação do MPTP, originando o ião piridínio, MPP+. O MPP+ entra nos neurónios da substância nigra através do sistema de recaptação da dopamina, conduzindo a lesões dos neurónios ou à sua morte. Os neurónios noradrenérgicos do locus ceruleus são, também, vulneráveis a exposições repetidas do MPTP. Uma vez dentro dos neurónios, o MPP+ actua como uma toxina mitocondrial geral, bloqueando a respiração a nível do complexo I. Apesar de não serem idênticas a neurotoxicidade do MPTP e a doença de Parkinson são extremamente semelhantes. Este paralelismo tem permitido investigar os mecanismos moleculares da doença de Parkinson e procurar outras toxinas ambientais, mais comuns, que possam actuar por um mecanismo semelhante.
Axonopatias
editarAs doenças neurotóxicas conhecidas por axonopatias são aquelas cujo local primário de toxicidade é o próprio axónio. O axónio degenera e a mielina que o recobre também. Contudo, o corpo celular do neurónio permanece intacto. Como os axónios maiores têm mais alvos para uma lesão tóxica que os mais curtos, são mais afectados nas axonopatias tóxicas. Há uma diferença fundamental nas consequências da degeneração axonal do SNC e do SNP: os axónios periféricos regeneram, o que não acontece com os centrais. Assim, após uma degeneração axonal do SNP, pode ocorrer uma regeneração parcial (ou mesmo completa, em casos menos complicados), enquanto tal acontecimento é impossível no SNC. O número de tóxicos axonais tem vindo a oscilar. Contudo, devem ser encarados como um grupo, em que todos os elementos causam uma perda patológica dos axónios, com manutenção do corpo celular. Como, patologicamente, as axonopatias lembram uma secção transversal física do axónio, o transporte axonal parece ser um alvo para muitos dos tóxicos axonais. Ainda por cima, como estes axónios degeneram, o resultado é, muitas vezes, uma neuropatia periférica evidente clinicamente, em que a sensibilidade e a força muscular estão inicialmente diminuídas nas extremidades distais dos processos axonais, as mãos e os pés. Com o passar do tempo e a manutenção da lesão, o défice progride para áreas mais proximais do corpo e para os axónios da medula espinal. O potencial de regeneração é maior quando a lesão está limitada aos nervos periféricos e pode ser completo nas axonopatias em que a causa primária é determinada e removida.
*Compostos associados a axonopatias:
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Neurotóxico |
Alteração neurológica |
Base celular da neurotoxicidade |
Acrilamida |
Neuropatia periférica (muitas vezes sensitiva) |
Degeneração axonal, porção terminal afectada inicialmente |
p-Bromofenilacetilureia |
Neuropatia periférica |
Degeneração axonal no SNP e SNC |
Bissulfito de carbono |
Psicose (aguda), neuropatia periférica (crónica) |
Degeneração axonal, estádios iniciais com dilatações neurofilamentares |
Clorodecone (Kepone) |
Tremores, descoordenação |
Dados insuficientes (humanos), dilatação e degeneração axonal (animais) |
Cloroquina |
Neuropatia periférica |
Degeneração axonal, inclusões nas células dos gânglios das raízes dorsais |
Clioquinol |
Encefalopatia, neuropatia |
Degeneração axonal da medula espinal, SNP e via óptica |
Colchicina |
Neuropatia periférica |
Degeneração axonal, agregados filamentares neuronais |
Dapsona |
Neuropatia periférica, predominantemente motora |
Degeneração axonal |
Diclorofenoxiacetato |
Neuropatia periférica (tardia) |
Dados insuficientes |
Dimetilaminopropionitrilo |
Neuropatia periférica, retenção urinária |
Degeneração axonal (axónios mielinizados e não mielinizados) |
Dissulfiram |
Neuropatia periférica, predomínio sensitivo |
Degeneração axonal, dilatação dos axónios distais |
Óxido de etileno |
Neuropatia periférica |
Degeneração axonal |
Glutetimido |
Neuropatia periférica, predomínio sensitivo |
Dados insificientes |
Ouro |
Neuropatia periférica (eventualmente alterações psiquiátricas) |
Degeneração axonal, alguns com desmielinização segmentar |
Hexano |
Neuropatia periferia, casos graves com espasticidade |
Degeneração axonal, dilatações neurofilamentares do SNP e medula espinal (graves) |
Hidralazina |
Neuropatia periférica |
Dados insuficientes |
3,3´- Iminodiproprionitrilo |
Ausência de dados humanos; doenças do movimento, tipo excitatório, em ratos |
Dilatações axonais, degeneração das células epiteliais olfactivas e das células ciliadas vestibulares |
Isoniazida |
Neuropatia periférica, ataxia (altas doses) |
Degeneração axonal, fibras não mielinizadas e mielinizadas |
Lítio |
Letargia, tremor, ataxia (reversível) |
Dados insuficientes |
Metil n-butil cetona |
Neuropatia periférica |
Degeneração axonal, dilatações neurofilamentares precoces do SNP e medula espinal |
Metronidazol |
Neuropatia periférica sensitiva, ataxia, convulsões |
Degeneração axonal, afectando principalmente as fibras mielinizadas; lesões dos núcleos cerebelosos |
Misonidazol |
Neuropatia periférica |
Degeneração axonal |
Nitrofurantoína |
Neuropatia periférica |
Degeneração axonal |
Organofosforados |
Cefaleias, dores abdominais (efeito anticolinesterásico agudo) Neuropatia periférica tardia (motora), espasticidade |
Sem alterações anatómicas (em relação com o efeito sobre os neurotransmissores) Degeneração axonal (tardia após exposição única) do SNP e medula espinal |
Platina |
Ototoxicidade com zumbidos, neuropatia periférica |
Degeneração axonal, perda axonal nos cordõesa posteriores da medula espinal |
Bifenis polibromatados |
Visão turva, fadiga |
Dados insuficientes |
Piretróides |
Doenças do movimento (tremor, coreoatetose) |
Degeneração axonal (variável) |
Piridinetiona |
Sem toxicidade descrita em humanos; fraqueza (animais) |
Degeneração axonal, estádios iniciais com estruturas membranares nos axónios terminais |
Taxol |
Neuropatia periférica |
Degeneração axonal; acumulação de microtúbulos nos estadios iniciais |
Tricloroetileno |
Neuropatia craniana (V par, frequentemente) |
Dados insuficientes |
Vincristina |
Neuropatia periférica, com sintomas vegetativos variáveis |
Degeneração axonal (SNP), alterações neurobrilhares (espinal medula, via intratecal) |
=*γ-dicetonas
editarOs seres humanos desenvolvem uma axonopatia sensitivo-motora distal progressiva quando expostos a elevadas concentrações de um alcano simples, o n-hexano. Esta exposição pode ocorrer em situações de contacto prolongado, do tipo profissional, ou após inalação repetida intencional de colas contendo este composto. A oxidação ω-1 da cadeia de carbono conduz à formação de uma γ-cetona, a 2,5-hexanodiona (HD). Esta HD é o metabolito tóxico final do n-hexano e da metil n-butilcetona, facto confirmado pela igual neurotoxicidade das outras γ-dicetonas e seus precursores. As γ-dicetonas reagem com grupos amina em todos os tecidos para formar pirróis. As alterações celulares são idênticas nos ratos e nos humanos: ocorre a agregação do neurofilamento em desenvolvimento na sua porção distal, subterminal, e, à medida que cresce, provoca grandes dilatações do axónio, a maior parte das vezes imediatamente proximais aos nódulos de Ranvier. Estas dilatações axonais, preenchidas por neurofilamentos, conduzem a distorções marcadas da anatomia dos nódulos, incluindo a retracção da mielina paranodal. Com a intoxicação continuada, as dilatações tornam-se mais proximais, com degeneração do axónio distal e da sua mielina. Os grandes axónios do SNC também desenvolvem estas dilatações pelos neurofilamentos, mas a degeneração axonal é muito menos frequente. A característica do neurofilamento que provavelmente o torna um alvo toxicologicamente relevante é a sua baixa velocidade de transporte axonal, predispondo a um aumento progressivo do número de derivações e de ligações cruzadas. O processo patológico de acumulação dos neurofilamentos e de degeneração do axónio conduz ao aparecimento de uma neuropatia clinicamente evidente. Em animais de experiência observou-se uma diminuição progressiva da força muscular, com início nos membros inferiores. Com a exposição mantida, a axonopatia pode progredir, conduzindo à diminuição da força nos grupos musculares mais proximais. Esta sequência de acontecimentos também se verifica nos humanos, tal como a hipoestesia inicial em meia e luva, progredindo no sentido do envolvimento dos axónios mais proximais, motores e sensitivos.
*Bissulfito de carbono
editarAs cinzas vulcânicas e a viscose provocaram as exposições humanas ao CS2 mais significativas que se conhecem. Nestas situações foram observadas psicoses com alterações do tipo maníaco, correlacionadas com a exposição a níveis muito elevados deste composto. Recentemente, o interesse focou-se nos efeitos sobre o sistema nervoso e sobre o aparelho cardiovascular, pois foram encontradas lesões em trabalhadores expostos a níveis muito elevados, muito maiores do que os que são permitidos actualmente. O CS2 provoca uma axonopatia distal, patologicamente idêntica à causada pelo hexano. Pensa-se que as ligações cruzadas covalentes dos neurofilamentos também estão na base da neuropatia deste composto, através de uma sequência de acontecimentos paralela à da axonopatia do hexano. Porém, enquanto o hexano necessita de ser metabolizado a 2,5-hexanodiona, o CS2, é, ele próprio, o tóxico, reagindo com os grupos amina das proteínas para formar aductos ditiocarbamatos dos grupos aminolisil, que são decompostos a aductos isotiocianatos, electrófilicos, que reagem com as proteínas nucleofílicas, formando ligações cruzadas covalentes. A reacção dos aductos isotiocianatos com os grupos sulfidril e cisteinil para formar ligações cruzadas do tipo éster de N, S-dialquilditiocarbamatos é reversível, enquanto a reacção com a função amina das proteínas forma ligações cruzadas tioureia irreversivelmente. As alterações clínicas da exposição crónica ao CS2 são muito semelhantes às que surgem na exposição ao hexano, com o aparecimento das alterações sensitivas e motoras, inicialmente em meia e luva. Para além desta axonopatia, o CS2 pode conduzir a alterações do humor e a sinais de encefalopatia difusa. Alguns são transitórios inicialmente, tomando-se posteriormente duradouros (um factor que é comum à insuficiência vascular do SN). Este facto, aliado ao conhecimento de que o CS2 acelera os processos ateroscleróticos, sugere que alguns dos efeitos deste composto no SNC têm uma origem vascular.
*IDPN
editarO β-β´iminodipropionitrilo (IDPN) é um nitrilo bifuncional que provoca o “síndroma valsante”, que parece resultar da degeneração das células sensoriais ciliadas vestibulares. Para além disto, a administração do IDPN provoca dilatações importantes do axónio proximal, e não do distal, cheias de neurofilamentos. Foi sugerido que os grupos nitrilo são bioactivados, com formação de um reagente bifuncional, com grande aptidão para formar ligações cruzadas. As semelhanças destas dilatações, cheias de neurofilamentos, com as observadas com as γ-dicetonas e com o CS2 é um aspecto notório desta neurotoxidade modelar, enfatizando esta hipótese.
*Acrilamida
editarA acrilamida é um monómero vinil que se usa no fabrico de produtos da indústria do papel, como floculante nos tratamentos das águas, como estabilizante dos pântanos e impermeabilizante, bem como nos géis de poliacrilamida dos laboratórios de investigação. Os envenenamentos humanos têm ocorrido, na sua esmagadora maioria, nos trabalhadores fabris e da construção, expostos a grandes doses. A neuropatia induzida pela acrilamida é uma axonopatia tóxica distal, iniciando-se com a degeneração dos terminais nervosos. A intoxicação mantida conduz à degeneração do axónio proximal. Foram, também, observadas alterações do transporte axonal rápido, que podem estar limitadas ao transporte de glicoproteinas ou à glicosilação de proteínas transportadas pelo transporte rápido antrógrado. Tanto o transporte axonal rápido antrógrado, como o retrógrado são inibidos pela acrilamida. Estes efeitos claramente não resultam da deplecção em ATP mas perecem reflectir uma inibição directa da quinesina ou da dineína.
*Ésteres organofosforados
editarOs ésteres organofosforados, usados como pesticidas ou como aditivos em plásticos e em derivados do petróleo, inibem a acetilcolinesterase e criam um predomínio colinérgico. Contudo, como dezenas de milhares de indivíduos podem confirmar, o tri-orto-cresil-fosfato (TOCP) também pode provocar uma axonopatia distal periférica e central, sem induzir este envenenamento colinérgico. Uma epidemia de grandes proporções ocorreu nos EUA, durante a Lei Seca, quando uma bebida muito popular (Ginger Jake) foi contaminada com o TOCP. Uma outra ocorreu em Marrocos, quando uma quantidade grande de azeite foi contaminada com o TOCP. Estão também descritos casos de paralisia em humanos depois da exposição a herbicidas e a desfoliantes do algodão. Estes organofosforados, por serem hidrófilos, entram rapidamente no SNC, onde alquilam ou fosforilam macromoléculas, conduzindo a uma neurotoxicidade tardia. Há, muito provavelmente, muitos alvos para o ataque destes compostos, mas não é claro quais destes estão relacionados com a degeneração axonal. A degeneração dos axónios não começa imediatamente após a exposição aos compostos, ocorrendo num intervalo de 7 a 10 dias após a exposição aguda com altas doses e coincidindo com os sinais clínicos de axonopatia. A lesão axonal no SNP parece ser reparada facilmente, e os nervos periféricos tornam-se refractários à degeneração após doses repetidas. Pelo contrário, a degeneração axonal das longas vias da medula espinal é progressiva, conduzindo a um quadro clínico que lembra o da esclerose múltipla.
*Piridinetiona
editarA piridinetiona de zinco tem propriedades antibacterianas e antimicóticas, sendo um dos componentes de champôs eficazes na terapêutica da seborreia e da caspa. Devido ao facto do composto ser aplicado directamente sobre a cabeça, surgiram algumas preocupações quando se descobriu que era neurotóxico para os roedores. Quer ratos quer coelhos, desenvolvem uma axonopatia distal quando a sua dieta está contaminada com a piridinetiona de zinco. Contudo como a piridinetiona não penetra bem a pele, até à data, não conduziu a lesões em seres humanos. Apesar de o ião zinco ser um elemento importante na acção terapêutica do composto, somente a piridinetiona é absorvida após a ingestão. Para além disto, como a piridinetiona de sódio também é neurotóxica, estabeleceu-se ser a piridinetiona a responsável pela neurotoxicidade. Este composto também interfere com os sistemas de transporte axonal rápido. Apesar de o sistema rápido antrógrado ser menos afectado, a piridinetiona afecta o retorno das vesículas transportadas mais rapidamente e diminui a velocidade do transporte retrógrado das vesículas. Estas alterações dos sistemas de transporte axonal rápido constituem a base fisiológica da acumulação de estruturas tubulares e vesiculares no axónio distal. À medida que estes materiais se acumulam numa região do axónio, aumenta o diâmetro axonal, com a formação de dilatações axonais preenchidas por estruturas túbulo-vesiculares. Como em muitas axonopatias distais, o axónio degenera nas regiões mais distais às estruturas acumuladas. Os sinais mais precoces são a diminuição da força e alterações electrofisiológicas do axónio terminal, com condução normal ao longo do axónio proximal nas fases iniciais da exposição. Por fim, a consequência funcional da degeneração axonal nesta exposição é semelhante à das outras axonopatias (uma neuropatia periférica).
*Neurotoxicidade associada aos microtúbulos
editarO papel dos microtúbulos no transporte axonal e na manutenção da viabilidade axonal ainda está por esclarecer na sua totalidade. Os alcalóides da vinca e a colchicina ligam-se à tubulina e inibem a associação desta subunidade proteica para formar microtúbulos. A vincristina, um dos alcalóides da vinca, tem sido usado clinicamente no tratamento das leucemias, devido às suas propriedades anti-mitóticas pela sua acção sobre os microtúbulos. A colchicina, pelo contrário, é usada primariamente no tratamento da gota. Estes dois inibidores dos microtúbulos provocam neuropatias periféricas. Um outro alcalóide vegetal, o taxol, liga-se aos túbulos na altura em que estes se organizam e estabiliza a sua forma polimerizada, de forma que estes permanecem sempre ligados, mesmo se forem sujeitos a baixas temperaturas ou à presença de cálcio, situações em que os microtúbulos habitualmente se dissociam nas subunidades de tubulina. O taxol tem tido alguma aplicação clínica no tratamento de alguns cancros e tem, também, sido associado ao desenvolvimento de axonopatias sensitivo-motoras ou a neuropatias vegetativas em doentes que recebem grandes doses deste composto. Sabe-se, desde já há algum tempo, que os microtúbulos existem num sistema de equilíbrio dinâmico, com os túbulos a existirem em simultâneo com as subunidades dissociadas. Este processo ocorre, quase de certeza, também in vivo. A morfologia do axónio é, naturalmente, diferente nas duas situações. No caso da colchinina, o axónio parece atrofiado, existindo dentro dele poucos microtúbulos. Pelo contrário, a seguir a uma exposição ao taxol, os microtúbulos estão presentes em grande número e estão organizados, formando uma espécie de malha. Muito provavelmente, ambas as situações interferem com os processos de transporte axonal rápido, apesar disto ainda não ter sido inequivocamente demonstrado para o taxol. Em ambas as situações, a alteração clínica resultante é uma neuropatia periférica.
Mielinopatias
editarA mielina assegura o isolamento eléctrico dos processos neuronais e a sua ausência leva a uma diminuição marcada da velocidade de condução e à condução aberrante de impulsos entre processos adjacentes, chamada transmissão efaptica. Existem agentes tóxicos que separam as lâminas de mielina, processo com o nome de edema da mielina, enquanto outros conduzem à sua perda selectiva, chamada desmielinização. O edema intramielínico pode ser causado por alterações da transcrição do RNAm da proteína básica da mielina e é reversível nas fases iniciais. Contudo, este estadio inicial pode progredir para uma desmielinização segmentar com perda da mielina do axónio. A desmielinização também pode resultar de uma toxicidade directa sobre as células mielinizantes. Depois de ter ocorrido a desmielinização segmentar, a remielinização dos internódulos vazios das células de Schwann é frequente no SNR ao passo que no SNC este processo é muito mais limitado. Muitos compostos que porovocam mielinopatias têm sido usados como modelos para estudar o processo de mielinização no SN e o processo de remielinização após disrupção tóxica da mielina. Nas mielinopatias tóxicas, em que a disrupção da mielina é difusa, ocorre um défice neurológico global, enquanto as limitadas ao SNP produzem uma clínica de neuropatia periférica.
*Compostos associados a mielinopatias:
editar
Neurotóxico |
Alteração neurológica |
Base celular da neurotoxicidade |
Acrilamida |
Neuropatia periférica (muitas vezes sensitiva) |
Degeneração axonal, porção terminal afectada inicialmente |
p-Bromofenilacetilureia |
Neuropatia periférica |
Degeneração axonal no SNP e SNC |
Bissulfito de carbono |
Psicose (aguda), neuropatia periférica (crónica) |
Degeneração axonal, estádios iniciais com dilatações neurofilamentares |
Clorodecone (Kepone) |
Tremores, descoordenação |
Dados insuficientes (humanos), dilatação e degeneração axonal (animais) |
Cloroquina |
Neuropatia periférica |
Degeneração axonal, inclusões nas células dos gânglios das raízes dorsais |
Clioquinol |
Encefalopatia, neuropatia |
Degeneração axonal da medula espinal, SNP e via óptica |
Colchicina |
Neuropatia periférica |
Degeneração axonal, agregados filamentares neuronais |
Dapsona |
Neuropatia periférica, predominantemente motora |
Degeneração axonal |
Diclorofenoxiacetato |
Neuropatia periférica (tardia) |
Dados insuficientes |
Dimetilaminopropionitrilo |
Neuropatia periférica, retenção urinária |
Degeneração axonal (axónios mielinizados e não mielinizados) |
Dissulfiram |
Neuropatia periférica, predomínio sensitivo |
Degeneração axonal, dilatação dos axónios distais |
Óxido de etileno |
Neuropatia periférica |
Degeneração axonal |
Glutetimido |
Neuropatia periférica, predomínio sensitivo |
Dados insificientes |
Ouro |
Neuropatia periférica (eventualmente alterações psiquiátricas) |
Degeneração axonal, alguns com desmielinização segmentar |
Hexano |
Neuropatia periferia, casos graves com espasticidade |
Degeneração axonal, dilatações neurofilamentares do SNP e medula espinal (graves) |
Hidralazina |
Neuropatia periférica |
Dados insuficientes |
3,3´- Iminodiproprionitrilo |
Ausência de dados humanos; doenças do movimento, tipo excitatório, em ratos |
Dilatações axonais, degeneração das células epiteliais olfactivas e das células ciliadas vestibulares |
Isoniazida |
Neuropatia periférica, ataxia (altas doses) |
Degeneração axonal, fibras não mielinizadas e mielinizadas |
Lítio |
Letargia, tremor, ataxia (reversível) |
Dados insuficientes |
Metil n-butil cetona |
Neuropatia periférica |
Degeneração axonal, dilatações neurofilamentares precoces do SNP e medula espinal |
Metronidazol |
Neuropatia periférica sensitiva, ataxia, convulsões |
Degeneração axonal, afectando principalmente as fibras mielinizadas; lesões dos núcleos cerebelosos |
Misonidazol |
Neuropatia periférica |
Degeneração axonal |
Nitrofurantoína |
Neuropatia periférica |
Degeneração axonal |
Organofosforados |
Cefaleias, dores abdominais (efeito anticolinesterásico agudo) Neuropatia periférica tardia (motora), espasticidade |
Sem alterações anatómicas (em relação com o efeito sobre os neurotransmissores) Degeneração axonal (tardia após exposição única) do SNP e medula espinal |
Platina |
Ototoxicidade com zumbidos, neuropatia periférica |
Degeneração axonal, perda axonal nos cordõesa posteriores da medula espinal |
Bifenis polibromatados |
Visão turva, fadiga |
Dados insuficientes |
Piretróides |
Doenças do movimento (tremor, coreoatetose) |
Degeneração axonal (variável) |
Piridinetiona |
Sem toxicidade descrita em humanos; fraqueza (animais) |
Degeneração axonal, estádios iniciais com estruturas membranares nos axónios terminais |
Taxol |
Neuropatia periférica |
Degeneração axonal; acumulação de microtúbulos nos estadios iniciais |
Tricloroetileno |
Neuropatia craniana (V par, frequentemente) |
Dados insuficientes |
Vincristina |
Neuropatia periférica, com sintomas vegetativos variáveis |
Degeneração axonal (SNP), alterações neurobrilhares (espinal medula, via intratecal) |
*Hexaclorofeno
editarA evidência de que o hexaclorofeno, ou metileno 2, 2'-metilenebis (3, 4, 6-triclorofenol), possui propriedades neurotóxicas para os humanos, surgiu quando se usou este composto em banhos de recém-nascidos, em particular prematuros, para evitar infecções a Staphylococcus. Após a absorção cutânea deste composto hidrofóbico, o hexaclorofeno entra no SNC, provoca edema intramielinico, espessando a linha intraperiódica da mielina tanto no SNC como no SNP. O hexaclorofeno liga-se fortemente às membranas celulares, conduzindo à perda dos gradientes iónicos através da membrana. Eventualmente, o hexaclorofeno poderá conduzir à perda da capacidade de exclusão de iões entre as duas camadas de mielina e que, com a entrada destes, a água separe as duas camadas, formando uma espécie de edema. Um outro efeito, eventualmente relacionado com este, é o desacoplamento da fosforilação oxidativa pelo composto, visto este processo estar dependente de um gradiente de protões. O edema intramielínico é reversível nos seus estadios iniciais, mas com uma exposição continuada, o hexacloroteno induz uma desmielinização segmentar e a adição de água e iões à mielina aumenta o volume cerebral. Este edema cerebral provoca um aumento da pressão intracraniana que pode ser fatal. Na exposição a altas doses, observa-se uma degeneração axonal e também dos fotorreceptores da retina. A pressão resultante do edema intramielínico grave também pode lesar o axónio, conduzindo à degeneração axonal. Esta ideia tem sido apoiada pela medição de pressão endoneural. A toxicidade do hexaclorofeno manifesta-se funcionalmente, traduzindo o processo de lesão difusa da mielina. Os indivíduos expostos de forma aguda ao hexaclorofeno podem apresentar fraqueza generalizada, estados de confusão mental e convulsões. Progredindo, passa a incluir o coma e a morte.
*Telúrio
editarApesar de não estarem descritos casos no homem, a neurotoxicidade do telúrio tem sido demonstrada em animais. Ratos jovens expostos ao telúrio, por inclusão deste elemento na sua dieta, desenvolveram uma neuropatia periférica grave. Há uma diminuição da síntese do colesterol e de cerebrósidos (lípidos que são constituintes importantes da mielina) enquanto a síntese de fosfatidilcolina, um lípido membranar mais ubiquitário, não é afectada. Os níveis steady-state do RNAm das proteínas da mielina estão down-regulated. A síntese de ácidos gordos livres e dos ésteres de colesterol aumenta até certa medida, e ocorre uma elevação do esqualeno, um precursor do colesterol. Estes achados bioquímicos demonstram que existe uma variedade de anomalias lipídicas. A marcada elevação do esqualeno simultânea à diminuição do colesterol sugere que o telúrio, ou um dos seus derivados, podem interferir com a conversão normal do esqualeno a colesterol. Enquanto estas alterações bioquímicas ocorrem, os lípidos acumulam-se nas células de Schwann, dentro de vacúolos intracitoplasmáticos; rapidamente as células de Schwann perdem a sua capacidade de manutenção da mielina. Os axónios e a mielina do SNC são impenetráveis aos efeitos do telúrio. Contudo, as células de Schwann do SNP desagregam as suas camadas concêntricas de mielina, privando o axónio adjacente, intacto, do seu isolamento eléctrico. Assim, parece que estas células mais vulneráveis são as que possuem o maior volume de mielina para sua protecção. À medida que o processo de remielinização se inicia, várias células cooperam para repor as camadas previamente formadas por uma única célula de Schwann. Talvez o facto de não ser apenas uma e só uma célula a intervir neste processo possa ser a razão que justifica a ocorrência do processo de remielinização, mesmo na presença de uma exposição continuada ao telúrio. A expressão desta lesão neurológica é também breve, reflectindo o carácter transitório destes acontecimentos bioquímicos e celulares. Os animais desenvolvem, inicialmente, uma diminuição da força muscular grave dos membros inferiores, que recuperam ao fim de duas semanas após a dieta com telúrio.
=*Chumbo
editarA exposição de animais ao chumbo resulta numa neuropatia periférica com uma proeminente desmielinização segmentar, um processo bastante semelhante ao da toxicidade pelo telúrio. Todavia, a neurotoxicidade do chumbo é muito mais variável nos humanos do que nos ratos e há também uma série de manifestações da toxicidade deste metal noutros órgãos e sistemas. A neurotoxicidade do chumbo tem sido observada desde há séculos. Actualmente, os indivíduos expostos ao chumbo são-no em contextos profissionais, através de processos de fusão do chumbo ou em soldas, e domésticos, através de cachimbos de chumbo ou do consumo de bebidas alcoólicas de destilação ilegal contaminadas. Para além disto, mesmo na ausência de uma exposição definida, algumas regiões contêm níveis elevados de chumbo ambiental, o que provoca níveis mais elevados deste metal no sangue dos indivíduos aí residentes. As crianças, especialmente as com idades inferiores a 5 anos, têm níveis de chumbo no sangue superiores aos do adulto no mesmo meio ambiente, devido à introdução de objectos na boca e ao consumo de outras substâncias, que não a comida. Contudo, pensa-se que a forma mais comum de exposição em crianças é a ingestão de lascas de tinta contendo pigmentos de chumbo. Em crianças pequenas, as grandes exposições conduziram ao aparecimento de edema cerebral grave, possivelmente devido a uma lesão das células endoteliais. Parece que as crianças são mais susceptíveis a esta encefalopatia do chumbo que os adultos. Todavia, os adultos também a podem desenvolver após uma exposição extensa. A intoxicação crónica pelo chumbo conduz, nos adultos, a uma neuropatia, muitas vezes acompanhada por manifestações fora do SN, como dores abdominais do tipo cólica, anemia e, devido à deposição mais acentuada do metal em determinadas estruturas anatómicas, surgem linhas de chumbo nas gengivas e nas epífises dos ossos longos das crianças. Os efeitos do chumbo no SNP dos humanos não estão ainda completamente caracterizados. Estudos electrofisiológicos demonstram uma diminuição da velocidade de condução nervosa. Apesar desta observação ser consistente com uma desmielinização segmentar que se desenvolve em animais de experiência, estudos patológicos em humanos com uma neuropatia do chumbo mostraram tipicamente uma axonopatia. Um outro achado intrigante nos humanos prende-se com o envolvimento primário dos axónios de neurónios motores, criando uma das poucas situações clínicas em que os doentes se apresentam com uma neuropatia predominantemente motora. Apesar de se conhecer as manifestações da deposição aguda e crónica de chumbo, só recentemente se aceitou que quantidades extremamente pequenas de chumbo em crianças aparentemente assintomáticas podem ter efeitos na sua inteligência. Existe uma relação entre ligeiras elevações do chumbo no sangue das crianças e o seu desempenho escolar. Parece que a exposição ao chumbo tem um efeito adverso sobre as capacidades intelectuais das crianças.
TOXICIDADE ASSOCIADA À NEUROTRANSMISSÃO
editarUma grande variedade de toxinas da natureza, bem como muitas substâncias sintéticas, interagem com mecanismos específicos da comunicação intercelular. Por vezes, a interrupção da neurotransmissâo pode ser benéfica para um indivíduo, e o processo pode ser encarado como neurofarmacologia. Contudo, a exposição inadequada ou excessiva a compostos que alteram a neurotransmissão pode ser encarada como um dos padrões da neurotoxicologia.
Este grupo de compostos pode interromper a neurotransmissão de impulsos, bloquear ou acentuar a comunicação trans-sináptica, ou interferir com os sistemas de segundos mensageiros. Em termos gerais, os efeitos agudos destes compostos estão directamente relacionados com a sua concentração imediata no local activo, que, por sua vez, apresenta uma relação directa com a sua concentração no sangue. A semelhança estrutural de muitos compostos com acções semelhantes levou ao reconhecimento de categorias específicas de fármacos e toxinas. Por exemplo, alguns imitam o processo de neurotransmissão do sistema nervoso simpático (SNS) e são chamados simpaticomiméticos. Como os alvos destes fármacos estão espalhados por todo o corpo, as respostas não são localizadas, são estereotipadas na medida me que todos os membros de uma classe tendem a apresentar efeitos biológicos semelhantes. Em termos de toxicidade, a maioria dos efeitos adversos destes fármacos é de curta duração, facilmente reversível com o tempo ou com o uso de antagonistas apropriados. Contudo, alguma da toxicidade associada ao uso prolongado é irreversível. Tanto a toxicidade reversível aguda com doses altas, como os efeitos mantidos da intoxicação crónica, são aspectos comuns das substâncias que interagem com o processo de neurotransmissão.
*Nicotina
editarA nicotina está presente no tabaco e nalguns pesticidas, tendo várias acções farmacológicas e podendo ser uma fonte de considerável toxicidade. Estes efeitos tóxicos variam desde o envenenamento agudo a efeitos mais crónicos. A nicotina exerce os seus efeitos através da ligação a um subtipo específico de receptores colinérgicos, os receptores nicotínicos. Estes receptores estão localizados nos gânglios do SNV, na junção neuromuscular e também no SNC, local que provavelmente justifica as suas propriedades psicoactivas e de farmacodependência. Fumar e a administração de doses farmacológicas de nicotina acelera a frequência cardíaca, aumenta a tensão arterial e contrai os vasos sanguíneos. Como a maior parte destes efeitos pode ser prevenida pela administração de antagonistas adrenérgicos α e β, as suas consequências podem ser encaradas como o resultado da estimulação do SNS a nível dos gânglios. Ao mesmo tempo, a nicotina provoca uma sensação de relaxamento e está associada a alterações electroencefalográficas (EEG) nos humanos. Estes efeitos estão provavelmente relacionados com a ligação da nicotina aos receptores nicotínicos dentro do SNC, e as alterações no EEG podem ser bloqueadas com um antagonista, a mecamilamina.
Sobredosagens agudas de nicotina ocorrem em crianças que, acidentalmente, ingeriram produtos do tabaco, em trabalhadores expostos a folhas de tabaco molhadas ou ainda em trabalhadores expostos a pesticidas contendo nicotina. Nestas circunstâncias, a elevação rápida dos níveis de nicotina circulante conduz à estimulação excessiva dos seus receptores, processo este que é rapidamente seguido pela paralisia ganglionar. Assim, os sintomas iniciais de náuseas, aumento da frequência cardíaca e diaforese são rapidamente seguidos por uma diminuição marcada da frequência cardíaca, com diminuição da tensão arterial. Pode ocorrer sonolência e confusão, seguindo-se o coma. Caso a morte ocorra, é, frequentemente, resultante da paralisia dos músculos respiratórios.
Este envenenamento agudo por nicotina é, felizmente, pouco comum. A exposição a níveis baixos durante muito tempo é, pelo contrário, extremamente comum, e os seus efeitos na saúde levantam preocupações epidemiológicas consideráveis. Nos humanos, contudo, não tem sido possível, até agora, separar os efeitos da nicotina dos dos outros componentes do fumo de tabaco. As complicações do fumo do tabaco incluem doenças cardiovasculares, tumores (especialmente neoplasias malignas do pulmão), doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) e défices de atenção em crianças filhas de mulheres que fumam durante a gravidez. A nicotina pode ser um factor nestes problemas. Por exemplo, tem sido constatado um aumento da tendência para a agregação plaquetária em fumadores, tendo esta anomalia sido correlacionada com os níveis de nicotina. A nicotina também lesa o coração através da aceleração da frequência cardíaca e da subida dar tensão arterial. Para além disto, a nicotina inibe a apoptose, podendo desempenhar um papel directo na promoção tumoral e nos cancros em relação com o tabaco.
Os receptores da nicotina expressam-se cedo no desenvolvimento do SN, começando no tronco cerebral em desenvolvimento e, mais tarde, no diencéfalo. O papel destes receptores nicotínicos durante o desenvolvimento não é claro, contudo, parece que a exposição pré-natal à nicotina altera o desenvolvimento dos receptores nicotínicos no SNC, alterações que podem estar relacionadas com os subsequentes défices de atenção e de cognição observados nos animais e nas crianças.
*Cocaína
editarA cocaína bloqueia a recaptação de catecolaminas nos terminais nervosos e a sua entrada no SNC, através da barreira hematoencefálica, permite um efeito central que justifica as sensações de euforia e as suas propriedades de farmacodependência. A sua toxicidade aguda por administração excessiva, ou sobredosagem aguda, pode resultar em mortes inesperadas.
O consumo crónico por prazer é da maior importância epidemiológica. Talvez o mais alarmante dos seus efeitos, tendo em conta a idade jovem
dos que a consomem, é a possibilidade de provocar alterações no feto.
Apesar de a cocaína aumentar a tensão arterial da mãe durante a exposição aguda, em animais grávidos o fluxo de sangue uterino, na realidade, diminui. Dependendo do nível de droga na mãe, o feto pode desenvolver uma hipóxia marcada, como resultado desta diminuição do fluxo uterino.
Num estudo de mulheres que usaram cocaína durante a gravidez, observou-se um aumento do número de abortos e de hemorragias placentárias em relação às mulheres que não tinham tomado a cocaína. Alterações na função placentária podem ser a causa do aumento do número de enfartes e hemorragias em recém-nascidos que são expostos à cocaína. Verificou-se também que os recém-nascidos filhos de toxicodependentes da cocaína apresentavam-se com menor interactividade que os recém-nascidos normais e exibiam uma resposta mais pobre aos estímulos do ambiente.
*Aminoácidos excitatórios
editarO glutamato e alguns outros aminoácidos acídicos são neurotransmissores excitatórios do SNC. Estes aminoácidos excitatórios são neurotóxicos em concentrações menores que a sua concentração no cérebro. A toxicidade do glutamato pode ser bloqueada por alguns antagonistas do glutamato e a toxicidade dos aminoácidos excitatórios pode estar relacionada como a hipóxia, a epilepsia e doenças neurodegenerativas.
O glutamato é o principal neurotransmissor excitatório do SN, e os seus efeitos são mediados por vários subtipos de receptores. A entrada, do glutamato para o SNC é mediada pela barreira hematoencefálíca e, depois da administração de uma dose elevada de glutamato a roedores muito jovens, é possível observarem-se os efeitos do glutamato na área em que esta barreira está menos desenvolvida: os órgãos circumventriculares. Dentro deste local, o glutamato lesa os neurónios aparentemente através da abertura dos canais iónicos dependentes do glutamato, conduzindo a edema e à morte neuronal. A toxicidade afecta dendrites e corpos celulares, e parece não afectar os axónios. A única doença humana relacionada é o “síndroma dos restaurantes chineses”, em que o consumo de grandes quantidades de glutamato monossódico como tempero pode levar a uma sensação de calor na face, pescoço e peito.
Um análogo cíclico do glutamato, o kainato, foi inicialmente isolado partir de uma alga no Japão, como componente activo de um tratamento naturalista para a ascariose. O kainato é extremamente potente como excitotoxina, aproximadamente cem vezes mais que o glutamato, e é selectivo a nível molecular para o receptor do kainato. Tal como o glutamato, o kainato Iesa selectivamente dendrites e neurónios, não possuindo efeitos significativos sobre as células da glia e axónios. Como resultado, este composto tem tido um grande uso na neurobiologia. Injectado numa região do cérebro, o kainato destrói os neurónios da área, sem destruir qualquer das fibras que passam naquela região. Como consequência desta propriedade neurotóxica, os neurobiologistas podem estudar o papel dos neurónios de uma área em particular, independentemente das lesões axonais que podem ocorrer quando uma lesão semelhante é realizada por secção mecânica.
Bibliografia
editar- Casarett & Doull’s; “Toxicology: The Basic Science of Poisons”; Seventh Edition; Mc Graw Hill Medical; Unit 4; Chapters 13-16; pages 557-664; ISBN:978-0-07-147051-3
- Timbrell, J.; “Principles of Biochemical Toxicology”; 2008; Fourth Edition; pages 335-339; ISBN: 978-0-8493-7302-2