Sociologia e Comunicação/Estudo 6

“Para Spivak o papel dos intelectuais não deve ser o de representar ou falar pelo sujeito subalterno, eles devem abrir espaços para que eles possam falar e mais do que isso, que possam ser ouvidos, pois não resolverá o problema se estes falarem e ninguém os ouvir. Nesse sentido a autora conclama principalmente as mulheres intelectuais, não para que essas representem as demais mulheres, mas para encontrar meios eficazes em que essas sejam ouvidas e se auto-representem” ).

(Cleiton Ricardo das Neves e Amélia Cardoso de Almeida. A identidade do “Outro” colonizado à luz das reflexões dos estudos Pós-Coloniais)


LITERATURA editar

“Em horas de maluqueira Fabiano desejava imitá-lo: dizia palavras difíceis, truncando tudo, e convencia- se de que melhorava. Tolice. Via-se perfeitamente que um sujeito como ele não tinha nascido para falar certo. Seu Tomás da bolandeira falava bem, estragava os olhos em cima de jornais e livros, mas não sabia mandar: pedia. Esquisitice um homem remediado ser cortês. Até o povo censurava aquelas maneiras. Mas todos obedeciam a ele. An! Quem disse que não obedeciam?”


Seu Ignácio fingiu não ouvir. E Fabiano foi sentar-se na calçada, resolvido a conversar. O vocabulário dele era pequeno mas em horas de comunicabilidade enriquecia-se com algumas expressões de Seu Tomás da bolandeira. Pobre de Seu Tomás. Um homem tão direito sumir-se como cambembe, andar por este mundo de trouxa nas costas. Seu Tomás era pessoa de consideração e votava. Quem diria? Nesse ponto um soldado amarelo aproximou-se e bateu familiarmente no ombro de Fabiano: - Como e, camarada? Vamos jogar um trinta-e-um lá dentro? Fabiano atentou na farda com respeito e gaguejou, procurando as palavras de Seu Tomás da bolandeira: - Isto é. Vamos e não vamos. Quer dizer. Enfim, contanto, etc. É conforme.Levantou-se e caminhou atrás do amarelo, que era autoridade e mandava. Fabiano sempre havia obedecido. Tinha muque e substância, mas pensava pouco, desejava pouco e obedecia.


Os “homens do governo” chamam o “coronel” Damázio de famigerado e ele sai à procura de alguém que possa dizer-lhe o significado da palavra.

“— "Vosmecê é que não me conhece. Damázio, dos Siqueiras. Estou vindo da Serra...

Sobressalto. Damázio, quem dele não ouvira?

O feroz de estórias de léguas, com dezenas de carregadas mortes, homem perigosíssimo.

Constando também, se verdade, que de para uns anos ele se serenara — evitava o de evitar.

Fie-se, porém, quem, em tais tréguas de pantera? Ali, antenasal, de mim a palmo! (...)

"Vosmecê agora me faça a boa obra de querer me ensinar o que é mesmo que é: fasmisgerado...faz-megerado... falmisgeraldo... familhas-gerado...? (...)

— "Pois... e o que é que é, em fala de pobre, linguagem de em dia-de-semana?"

— Famigerado? Bem. É: "importante", que merece louvor, respeito...

— "Vosmecê agarante, pra a paz das mães, mão na Escritura?"(...)

Saltando na sela, ele se levantou de molas. Subiu em si, desagravava-se, num desafogaréu.

Sorriu-se, outro. Satisfez aqueles três:

— "Vocês podem ir, compadres. Vocês escutaram bem a boa descrição..." — e eles prestes se partiram.

Só aí se chegou, beirando-me a janela, aceitava um copo d'água.

Disse: — "Não há como que as grandezas machas duma pessoa instruída!"

(Guimarães Rosa. “Famigerado”. In: Primeiras Estórias).