Sociologia e Comunicação Cásper/flâneur/Atividade I

I

A Exceção e a Regra (Bertold Brecht)

Estranhem o que não for estranho.

Tomem por inexplicável o habitual.

Sintam-se perplexos ante o quotidiano.

Tratem de achar um remédio para o abuso.

Mas não se esqueçam de que o abuso é sempre a regra.

II

Assim o viram de uma janela, a mão curiosa afastando a cortina: e ele não passava disso. Evitando as poças d’água. Além de tudo era livre: não pedia provas. Andava olhando os edifícios sobre a chuva, de novo impessoal e onisciente, cego na cidade cega; mas um bicho conhece a sua floresta; e mesmo que se perca — perder-se também é caminho. (Clarice Lispector. A Cidade Sitiada, p. 186)

III

Sobre uma Poesia sem Pureza (Pablo Neruda)

“Assim seja a poesia que procuramos,

gasta como um ácido pelos deveres da mão,

penetrada pelo suor e o fumo,

rescendente a urina e a açucena,

salpicada pelas diversas profissões

que se exercem dentro e fora da lei.

Uma poesia impura como um fato, como um corpo,

com manchas de nutrição,

e atitudes vergonhosas,

como rugas, observações, sonhos, vigílias, profecias,

declarações de amor e de ódios,

bestas, abanões, idílios,

crenças políticas, dúvidas,

afirmações, imposições.

A sagrada lei do madrigal

e os decretos do tato, olfato, gosto, vista, ouvido,

o desejo de justiça, o desejo sexual,

o ruído do oceano,

sem excluir deliberadamente nada,

(sem aceitar deliberadamente nada)

a entrada na profundidade das coisas

num ato de arrebatado amor,

e o produto poesia manchado de pombas digitais,

com marcas de dentes e gelo,

roído talvez levemente pelo suor e o uso.

Até alcançar essa doce superfície do instrumento tocado sem descanso,

essa suavidade duríssima da madeira manejada,

do orgulhoso ferro.

A flor, o trigo, a água

têm também essa consistência especial,

esse recurso de um magnífico tato.