TURMA JO A/Órgãos jurídicos não disponibilizam dados sobre adoção de casais homossexuais

Trabalho realizado pelos alunas Andressa Oliveira, Giuliana Saringer e Juliana Santos do 3º ano do curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero para a disciplina de Legislação e Prática Judiciária.

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                          Órgãos jurídicos não disponibilizam dados sobre adoção de casais homossexuais
              Lei de Acesso à Informação mostrou que sistema estatístico sobre o assunto ainda tem falhas

O Supremo Tribunal Federal (STF) se posicionou a favor da adoção de uma criança por um casal homossexual pela primeira vez em 2015. A decisão, assinada pela atual presidente do STF, Carmen Lúcia, mostrou um avanço para a comunidade LGBT. Mesmo que antes houvesse adoção por casais do mesmo sexo, o processo não havia sido autorizado pelo STF. No entanto, os órgãos públicos ainda não possuem ou não disponibilizam dados que podem ser divulgados sobre o assunto, segundo foi constatado por meio do uso da Lei de Acesso à Informação (LAI). Para a advogada Simone Baddini, especializada em Direito de Família e Sucessões, o processo de adoção no país é difícil para todos os tipos de casais. “As decisões de enviar pedido de adoção por casais homoafetivos são pautadas nos princípios constitucionais da igualdade e dignidade da pessoa humana”, explica.

Além disso, a especialista afirma que há avanços no cenário de adoção, já que os órgãos jurídicos não têm tanta preocupação com a formação familiar, mantendo o foco na criança que será adotada e em seu bem estar. Para Baddini, “na maior parte dos casos, os profissionais envolvidos em uma adoção, como psicólogo, assistente social, promotor de justiça, juiz e advogado são pessoas sensíveis e que buscam o melhor interesse da criança”.

Um dos grandes avanços da justiça brasileira considerando os direitos dos homossexuais foi que, em 2011, tornou-se legal a união estável de pessoas do mesmo sexo e, portanto, passaram a ter os mesmos direitos e deveres que casais heterossexuais. Como um dos pré-requisitos para a adoção é que os dois tenham uma união estável, o passo também foi um grande impulsionador para a adoção. A partir de então, começaram a ser considerados pela justiça como uma entidade familiar e, portanto, aptos a adotar, já que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que um dos princípios da adoção é que “para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família”.

Antes da promulgação dessa lei, casais de mesmo sexo podiam enfrentar maiores dificuldades para requisitar e realizar o processo de adoção, já que não estavam regularizados. Uma questão mencionada pela advogada Rochelly Agar é que apesar de haver essa permissão há cinco anos, aos olhos da sociedade a situação pode ser mais complicada, dado que o preconceito se mantém. Ela afirma tratar-se de um tabu a ser quebrado.

Para a profissional, a situação, por ser histórica, exige muito esforço para ser transformada. “Eu acho que a sociedade tem que começar a preparar melhor a nova geração para aceitar a adoção por homossexuais. A própria Constituição fala todos são iguais perante a lei, então por que discriminar? O símbolo do direito é a mulher vedada segurando a balança, a justiça é cega, portanto não faz distinção entre ninguém e busca sempre o equilíbrio”, opina a profissional.

No caso da decisão tomada pela Ministra Carmen Lúcia, que negou recurso do Ministério Público do Paraná e manteve decisão que autorizou a adoção de crianças por um casal homoafetivo, a opinião da Ministra é similar. À época, ela declarou que o conceito de família não pode ser restrito a casais heterossexuais, pois as regras de visibilidade, continuidade e durabilidade exigidas para o processo de adoção devem incluir casais de mesmo sexo, já que algo distinto disso “implicaria forçar o nosso Magno Texto a incorrer, ele mesmo, em discurso indisfarçavelmente preconceituoso ou homofóbico”, justificou a ministra na decisão.

Procurados pela reportagem por meio da Lei de Acesso à Informação, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) informaram não possuir dados que pudessem ser divulgados sobre a adoção por casais homossexuais, tanto no Brasil como em São Paulo, alegando que os casos tramitam em segredo de Justiça.

O CNJ explica que possui o Cadastro Nacional de Adoção e que todos os dados sobre o assunto estão no documento. No entanto, os valores sobre adoção de casais homossexuais não constam na planilha, que possui uma série de demais recortes estatísticos. Além disso, o órgão explicou que possui um Grupo de Trabalho, “composto por juízes com experiência na área”, cujo objetivo é tornar o Cadastro um “instrumento efetivo e eficaz, que assegure o resguardo dos direitos da criança e do adolescente previstos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente”.

Vale relembrar que outra quebra de padrão que foi analisada com incentivo à adoção por casais de mesmo sexo ocorreu em 2009, quando o Conselho Nacional de Justiça promoveu transformações no padrão da certidão de nascimento. As categorias anteriores de “pai e mãe” foram retiradas e, em seu lugar, veio o termo “filiação”. Essa mudança teve impacto ao passo que significou a possibilidade do registro de crianças filhas de pais do mesmo sexo, o que garante a elas direitos sucessórios e patrimoniais. Embora os avanços devam ser considerados, Agar afirma que ainda há muito pelo que batalhar. “Antes de ser legal, essa adoção estava sendo debatida, mas dificultavam muito o processo de legalização”, complementa.

Processo de levantamento, relação com o órgão público e reflexão

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Para realizar o pedido de informações por meio da Lei de Acesso à Informação, optamos por entender melhor os números por trás da adoção por casais homossexuais. A ideia surgiu porque o Conselho Nacional de Justiça tem disponibilizado em seu site uma série de estatísticas sobre adoção, mas nenhuma delas contempla o recorte que escolhemos. Por considerar um assunto de grande relevância social, começamos o processo em busca das informações. As perguntas que fizemos foram “quantos casais homossexuais conseguiram adotar em São Paulo? E no Brasil?” e “quantos casais do mesmo sexo entraram na fila de adoção?”, sendo que em ambos os casos deixamos claro que queríamos dados desde que a prática se tornou legal.

Após a apresentação das perguntas durante a aula e auxílio da professora da disciplina, decidimos enviar nossos questionamentos para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Ao entrarmos nos sites das instituições, não achamos o link que leva ao formulário da Lei de Acesso facilmente, detectando problemas de acessibilidade ao tema. No CNJ, só foi possível encontrá-lo por meio da ferramenta de busca do próprio site. Já no site do TR-SP, o campo em que poderíamos achar o formulário foi chamado de “SIC”, o que, mais uma vez, dificulta muito o acesso, pois o nome da aba não é o da Lei em questão.

Acreditamos que essa dificuldade de encontrar o link dentro do próprio site é um grande problema que precisa ser pensado, pois o espaço deve ser visível a todos que entram no site, como é o caso da Agência Brasil, na qual o logo da Lei de Acesso está no topo da primeira página. Nos sites visitados, a forma como está colocado o acesso dificultou mais ainda o processo. Para nós, deixar tão escondido faz com que menos pessoas conheçam a ferramenta e, portanto, questionem em menor escala os dados que desejam conhecer.

A Lei de Acesso à Informação tem um enorme papel na consolidação de uma sociedade mais democrática, sendo definidora de um processo comunicacional entre os cidadãos e os órgãos públicos. O sucesso da legislação, contudo, depende da capacidade dos membros da sociedade de cobrar dos órgãos públicos. Se não houver facilidade e conhecimento desse direito que temos, ela torna-se pouco útil. É a partir do conhecimento dessa possibilidade que se pode exigir os direitos sociais tidos por todos, para que os órgãos cumpram seu dever para com a sociedade.

A lei é de nº 12.527/2011 e prevê como uma de suas diretrizes a divulgação de informações de interesse público. Foi promulgada em novembro de 2011 pela então presidente Dilma Rousseff e está inserida na ideia de transparência ativa, que diz respeito a um dever dos órgãos públicos de divulgar informações de interesse público. Tal divulgação tem como consequência maior eficiência no serviço prestado pelos órgãos públicos, já que dá voz às demandas da sociedade.

Tendo entrado em vigor em maio de 2012, abriu o diálogo entre Estado e população ao abrir as informações públicas a pessoas físicas e jurídicas que passaram a poder, sem necessidade de apresentar motivo, pedir por informações dos órgãos e entidades públicos. Ela abrange os três poderes nas esferas municipais, estaduais, distrital e federal de governo e, como detalha a seção do site do Governo acerca da lei, o acesso à informação é um direito do cidadão e um dever do Estado. É importante que haja, em consonância, um processo de conscientização da obrigatoriedade pública de prover ao cidadão as respostas sobre diversos temas. Isso promove à população um maior conhecimento sobre os processos intrínsecos à administração pública, o que pode engajá-la quantitativa e qualitativamente na participação de políticas públicas sociais.

Nesse sentido de conscientização, a ONG Artigo 19 publicou, em outubro deste ano, um guia prático acerca da lei, que traz um modelo para a realização de pedidos aos órgãos públicos. Em termos jornalísticos, é importante frisar que, para que haja um serviço de informação e reflexão de qualidade proporcionado a partir do serviço de noticiabilidade, dialogar amplamente com órgãos públicos, preservando o aspecto da transparência, é fundamental. Com essa porta aberta para a realização de pautas que são de interesse público e que agendam na população um crescente debate acerca de seus direitos e deveres, trazer informações que antes foram sigilosas democratiza a informação e suas posteriores interpretações.

Enquanto jornalistas e cidadãs, concordamos que a lei de acesso não só tem uma importância pontual em cada caso das matérias, por possibilitarem uma apuração oficial, mas é democrática ao passo que traz ao espaço jornalístico uma desmistificação de processos que acontecem dentro das esferas de poder. Para além da representação política, a lei permite que a população participe ativamente da política do país, afastando-se da ideia de que a política é feita fora do âmbito social.

A mídia é muito poderosa em termos de influência quanto aos consumidores de notícia. Construir uma relação de transparência com os órgãos públicos e levar esse princípio à forma como se produz a notícia significa tornar a mídia mais imparcial. Considerando o interesse público, o papel da mídia é propagar informação relevante, transparente e de qualidade, o que se torna mais intenso com a Lei de acesso.

Recebemos a resposta dos dois órgãos em um prazo menor do que os 20 dias máximos estipulados pela lei. A resposta do TJ dizia que os dados eram responsabilidade da Vara da Infância e da Juventude e que os processos correm em segredo de Justiça, impossibilitando que tivéssemos uma resposta. Já no caso do CNJ, eles enviaram um link com as estatísticas de adoção presentes no site, mas olhamos a pesquisa e lá não existem as informações que solicitamos.

A relação com ambos os órgãos foi boa mas, pelo tom dos e-mais, sentimos que o TJ realmente não possuía os dados. Já no caso do CNJ, o encaminhamento do link não resolvia nossas questões, mas os responsáveis pela resposta citaram no e-mail que possuem uma equipe que está sempre buscando melhorar as estatísticas presentes no site. Acreditamos que, por não possuir os dados sobre nosso recorte, eles nos encaminharam estatísticas que poderiam ser úteis considerando o tema geral e não nossa perguntas especificamente.

Anexos

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Reposta do Conselho Nacional de Justiça:

"Prezada Senhora Giuliana,

Em atenção à sua solicitação, informamos que, atualmente, no Cadastro Nacional de Adoção os dados estatísticos disponíveis podem ser acessad os no endereço eletrônico:

http://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf

Outrossim, informamos que com a edição da Portaria n. 36, de 05 de outubro de 2016, foi criado um Grupo de Trabalho, composto por Juízes com larga experiência na área, cujo objetivo é a reformulação dos cadastros atuais, dentre eles o Cadastro Nacional de Adoção, visando torna-lo um instrumento efetivo e eficaz, que assegure o resguardo dos direitos da criança e do adolescente previstos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Atenciosamente,

Corregedoria Nacional de Justiça"

Resposta do Tribunal de Justiça de São Paulo:

"Senhor(a) Solicitante: Foi recebido um processo/protocolo de Giuliana Saringer com o seguinte teor:

Processo/Protocolo: 2016/00185002 Categoria: Infância e Juventude Assunto: Adoção

Descrição: Adoção por casais homossexuais - Gostaríamos de solicitar informações sobre a adoção de casais homossexuais em São Paulo. Desde que a adoção por casais homossexuais se tornou legal, quantos casais do mesmo sexo conseguiram adotar crianças no estado de São Paulo? Além disso, quantos casais homossexuais entraram na fila de adoção desde o ano de 2015 até o momento?

Prezada consulente, os dados solicitados são de responsabilidade das Varas da Infância e da Juventude, pois os processos correm em Segredo de Justiça, e a Coordenadoria da Infância e da Juventude não interfere em matéria jurisdicional".