Temperaturas Paulistanas/Planejamento/Santana/Turma D

Grupo:

Maria Isabel Cassab Ramos (residente do distrito - bairro Jardim São Paulo)

Maria Victoria Poli Cipeda

Victoria Leite Martins Ferreira

Divisão de tarefas:

O grupo apurará informações e elaborará um questionário a ser aplicado na região levando em conta os dados do CEM na fase quantitativa da pesquisa. Fotos e vídeos bem como as entrevistas aos moradores servirão na fase qualitativa da pesquisa. O objetivo é explorar a utilização de todas as opções de transporte público, lazer, saúde e educação no distrito pelos moradores e provocar a reflexão acerca dos serviços oferecidos pelo distrito caso os moradores saiam dele para utilizar de serviços que já estão disponíveis no local em que moram.

Planejamento:

Santana é um distrito da cidade de São Paulo, SP, Brasil. Localiza-se na Zona Norte da cidade, ao norte do rio Tietê e compõe com os distritos de Tucuruvi e Mandaqui a Subprefeitura de Santana/Tucuruvi. Santana se desenvolveu rapidamente devido ao processo de industrialização e à riqueza gerada através do ciclo do café em todo o estado. Atualmente é um centro socioeconômico regional, funcionando como polo de comércio, serviços e lazer para outras localidades da zona norte.

Destaques:

- Parque da Juventude (antiga Casa de Detenção de São Paulo);

- Pavilhão do Anhembi;

- Terminal Rodoviário do Tietê;

- Aeroporto Campo de Marte;

- Expo Center Norte.

IDH: Possui o maior IDH (0,925) da zona norte da cidade e o décimo nono maior dentre todos os 96 distritos. Para efeito de comparação: no ano 2000, data do último censo paulistano, este valor de IDH era igual ao da Alemanha.

Dados gerais:

Área: 13,14 km²

População: (37°) 112.613 hab. (2010)

Densidade: 89,38 hab/ha

Renda média: R$ 2.507,75

IDH: 0,925 - muito elevado (19°)

Subprefeitura: Santana/Tucuruvi

Região Administrativa: Nordeste

Área Geográfica: Norte

Bairros:

Santana é formado por 19 bairros, dois dentre eles formam a região chamada de Alto de Santana, são o bairro de Vila Santana e a região alta do bairro de Santana. As regiões de Jardim São Paulo, Vila Paulicéia e Alto de Santana caracterizam regiões nobres do distrito. O bairro do Carandiru possui parte situada no distrito de Santana.

1 Água Fria 11 Vila Marisa Mazzei
2 Chora Menino 12 Vila Matias
3 Imirim (parte) 13 Vila Paulicéia
4 Jardim Carmem Verônica 14 Vila Rabelo
5 Jardim do Colégio 15 Vila Santa Luzia
6 Jardim São Paulo 16 Vila Santana
7 Santa Teresinha 17 Vila Siciliano
8 Santana 18 Vila Vitório
9 Vila Benevente 19 Vila Zélia
10 Vila José Casa Grande # Alto de Santana (região)

Privação e Ciclo de vida familiar:

Baseado nos dados do CEM, o distrito de Santana é composto majoritariamente por áreas de privação muito baixa, nenhuma privação e baixa privação e idosos. Pontualmente, aparecem regiões de alta privações e adultos (ao redor da Avenida Cruzeiro do Sul e do Terminal Rodoviário do Tietê, ambos no bairro de Santana). As regiões de média baixa privação e idosos estão localizadas no bairro do Imirim. Os bairros do Jardim São Paulo, Vila Paulicéia e Alto de Santana compõem as áreas de nenhuma privação e privação muito baixa.

Desafios:

Por se tratar de uma região bastante homogênea nos quesitos censitários, étnico-raciais e políticos, a pesquisa encontra obstáculos no tocante à variedade. O grupo deseja abordar temas como:

- uso de ciclofaixa/ciclovias/locais para exercício ao ar livre (presentes em grandes avenidas como Avenida Luiz Dumont Villares e Avenida Braz Leme);

- trânsito (fenômeno agravado nos últimos anos devido à realocação de eventos musicais, feiras e exposições, marchas e passeatas para a região);

- utilização de transporte público pois o distrito conta com estações de metrô (Santana, Jardim São Paulo, Carandiru, Portuguesa-Tietê, Armênia) e terminais rodoviários (Santana e Tietê) ;

- visitação à biblioteca do Parque da Juventude;

- matrícula de jovens na ETEC Parque da Juventude ou no IFSP - Instituto Federal de São Paulo;

- frequência em shopping centers locais (Center Norte, Lar Center, Shopping D), exposições (Expo Center Norte e Pavilhão Anhembi), teatro (Teatro Cacilda Becker);

- frequência em hospitais da região (Hospital São Camilo e Hospital San Paolo);

- matrícula em colégios particulares de prestígio (Colégio Jardim São Paulo, Colégio Cil, Colégio Madre Mazzarello, Colégio Santana, Colégio Salesiano Santa Terezinha);

- viés político: o grupo acredita na pouca divergência em relação a este assunto caracterizada pelo perfil dos moradores do distrito.

Pesquisa:

1) Qual a sua faixa etária?

a- de 10 a 17 anos

b- de 18 a 25 anos

c- de 26 a 33 anos

d- de 33 a 40 anos

e- de 41 a 49 anos

f- 50 anos ou mais

2) A sua renda familiar é de:

a- Inferior a um salário mínimo

b- Até 2 salários mínimos (Até R$ 1.576,00)

c- De 2 a 4 salários mínimos (De R$ 1.576,01 até R$ 3.152,00)

d- De 4 a 10 salários mínimos (De R$ 3.152,01 até R$ 7.880,00)

e- De 10 a 20 salários mínimos (De R$ 7.880,01 até R$ 15.760,00)

f- Acima de 20 salários mínimos (R$ 15.760,01 ou mais)

3) Em qual bairro você reside?

a- Santana

b - Alto de Santana

c- Jardim São Paulo

d- Água Fria

e - Chora Menino

f- Imirim

g- Vila Pauliceia

h- Vila Zélia

i- Carandiru

j- Outro

4) Você se lembra em quem votou na última eleição municipal?

a- Sim

b- Lembro de parte dos candidatos

c- Não

d- Não votei

5) Está satisfeito com o mandato do candidato eleito para prefeito (Fernando Haddad)?

a- Extremamente satisfeito

b- Moderadamente satisfeito

c- Pouco satisfeito

d- Nem satisfeito, nem insatisfeito

e- Pouco insatisfeito

f- Extremamente insatisfeito

6) O que acredita ter piorado em seu distrito (Santana)?

a- Saúde

b- Educação

c- Infraestrutura

d- Trânsito/Mobilidade

e- Lazer

f- Tudo

7) Você tem plano de saúde?

a- Sim

b- Não

8) Se não, já usou a rede pública? Quais críticas pode fazer?

a- Demora

b- Profissionais não capacitados

c- Higiene

d- Infraestrutura (falta de equipamentos, hospitais em más condições)

e- Outras

9) O que você acha que foi melhorado em seu distrito (Santana)?

a- Saúde

b- Educação

c- Infraestrutura

d- Trânsito/Mobilidade

e- Lazer

f- Nada

10) O que acha que foi melhorado em sua cidade?

a- Saúde

b- Educação

c- Infraestrutura

d- Trânsito/Mobilidade

e- Lazer

f- Nada

11) Você costuma se sentir bem servido no seu distrito (Santana)? Acredita que ele atende a todas as suas necessidades?

a) Atende todas as necessidades

b) Atende algumas necessidades

c) Atende poucas necessidades

d) Não atende nenhuma necessidade

12) Você se sente seguro em seu distrito (Santana)?

a- Me sinto muito seguro

b- Me sinto um pouco seguro

c- Neutro

d- Me sinto um pouco inseguro

e- Me sinto muito inseguro

13) Você sai de seu distrito para realizar quais atividades? Marque mais de uma se necessário.

a- Saúde

b- Educação

c- Lazer

d- Trabalho

Resultados do questionário: Questionário aplicado nos bairros: Jardim São Paulo (moradores de um prédio de classe média-alta), Santana (estudantes do colégio particular Jardim São Paulo e moradores da região), Alto de Santana (moradores da região) e Carandiru (moradores do Cingapura). O total de respostas é de 54.

de 10 a 17 anos de 18 a 25 anos de 26 a 33 anos de 33 a 40 anos de 41 a 49 anos 50 anos ou mais
Qual a sua faixa etária? 0% 59.2% 5.5% 3.7% 16.6% 12.9%
Inferior a um

salário mínimo

Até 2 salários mínimos

(Até R$ 1.576,00)

De 2 a 4 salários mínimos

(De R$ 1.576,01 a R$ 3.152,00)

De 4 a 10 salários mínimos

(De R$ 3.152,01 a R$ 7.880,00)

De 10 a 20 salários mínimos

(De R$ 7.880,01 até R$ 15.760,00)

Acima de 20 salários mínimos

(R$ 15.760,01 ou mais)

Não soube opinar
A sua renda familiar é de: 9.2% 1.8% 12.9% 33.3% 35.2% 5.5% 1.8%
Santana Alto de Santana Jd. São Paulo Água Fria Chora Menino Imirim Vila Pauliceia Vila Zélia Carandiru Outro
Em qual bairro você reside? 27.7% 3.7% 25.9% 11.1% 1.8% 0% 0% 0% 7.4% 22.2%
Sim Lembro de parte

dos candidatos

Não Não votei
Você se lembra em quem votou

na última eleição municipal?

51.8% 7.4% 11.1% 29.6%
Extremamente

satisfeito

Moderadamente

satisfeito

Um pouco

satisfeito

Nem satisfeito,

nem insatisfeito

Um pouco

insatisfeito

Extremamente

insatisfeito

Está satisfeito com o mandato

do candidato eleito para prefeito?

(Fernando Haddad)

5.5% 24.1% 11.1% 13% 9.2% 37%
Saúde Educação Infraestrutura Trânsito/Mobilidade Lazer Tudo
O que acredita ter piorado

em seu distrito (Santana)?

24% 14.8% 9.2% 53.7% 3.7% 7.4%
Sim Não
Você tem plano de saúde? 81.4% 18.5%
Demora Profissionais não

capacitados

Higiene Infraestrutura (falta de equipamentos,

hospitais em más condições)

Outras Nunca usei
Se não, já usou a rede pública?

Quais críticas pode fazer? (Múltipla escolha)

24% 7.4% 9.2% 25.9% 0% 55.5%
Saúde Educação Infraestrutura Trânsito/Mobilidade Lazer Nada
O que você acha que foi melhorado

em seu distrito (Santana)?

0% 0% 14.8% 20.3% 42.6% 22.2%
Saúde Educação Infraestrutura Trânsito/Mobilidade Lazer Nada
O que você acha que foi melhorado

em sua cidade?

0% 0% 9.2% 25.9% 46.2% 22.2%
Atende todas as

necessidades

Atende algumas

necessidades

Atende poucas

necessidades

Não atende nenhuma

necessidade

Você costuma se sentir bem servido em seu distrito?

Acredita que ele atende suas necessidades?

31.5% 51.8 9.2% 9.2%
Me sinto

muito seguro

Me sinto

um pouco seguro

Neutro Me sinto

um pouco inseguro

Me sinto

muito inseguro

Você se sente seguro

em seu distrito (Santana)?

9.2% 20.3% 18.5% 24% 25.9%
Saúde Educação Lazer Trabalho
Você sai de seu distrito para realizar

quais atividades? (Múltipla escolha)

31.5% 51.8% 66.6% 29.6%

Análise de dados coletados durante a aplicação do questionário:

O questionário foi aplicado nos bairros: Jardim São Paulo (moradores de um prédio de classe média-alta), Santana (estudantes de colégio particular Jardim São Paulo e moradores da região), Alto de Santana (moradores da região) e Carandiru (moradores do Cingapura). O total de respostas é de 54.

A maioria dos entrevistados tem entre 18 a 25 anos (59,2%) e a segunda faixa etária mais expressiva é de 41 a 49 anos (16,6%), o que influencia diretamente os resultados da pesquisa e as percepções sobre o distrito e a cidade.

Por ser um distrito de IDH alto (0,925), a maior parte dos entrevistados possui renda familiar de 10 a 20 salários mínimos (35,2%). A segunda maior renda familiar está entre 4 a 10 salários mínimos (33,3%). Os entrevistados com renda inferior a um salário mínimo correspondem a 9,2% do total. É necessário pontuar que a quantidade de pessoas entrevistadas com maior renda familiar é superior ao número de pessoas com renda menor do que um salário mínimo (moradores do Cingapura), induzindo o leitor da pesquisa a pensar que o distrito possui apenas pessoas ricas, o que não é verdade. O que ocorre é a má distribuição de renda per capita entre os moradores da região de Santana, que no cálculo final do IDH acaba sendo mascarada.

O grupo observou que a maioria das pessoas abordadas na região de Santana acha que mora no distrito, pelo fato de a Zona Norte ser uma região homogênea em termos de infraestrutura e Santana ser um polo de comércio, serviços e lazer. Ou seja, não há uma divisão clara entre os bairros, o que gera certa confusão entre os moradores. Contudo, a região de Santana é central, o que permite que as pessoas dos bairros adjacentes transitem, estudem, trabalhem e utilizem o transporte público na região, sentindo-se pertencentes ao local.

Quando questionados sobre quem votaram na última eleição municipal (Prefeito e Vereadores), 51,8% afirmam recordar os candidatos escolhidos, enquanto 29,6% não votaram. 11,1% não lembram de nenhum candidato.

Diante disso, a maioria das pessoas está extremamente insatisfeita com o mandato do candidato eleito, inclusive as que não votaram ou que não se lembram em quem votaram. 100% dos moradores do Carandiru estão insatisfeitos com o mandato do prefeito Fernando Haddad, e ainda se recordam do idealizador do conjunto habitacional, o ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf. Os moradores do prédio de classe média alta, em sua totalidade, também mostram descontentamento com a gestão atual.

53,7% dos entrevistados acreditam que o trânsito e a mobilidade pioraram no distrito. 24% afirmam que a saúde piorou, porém 81,4% da pesquisa possuem plano médico de saúde. 14,8% constataram que a educação piorou, mesmo que a maior parte deles estude em instituições particulares. Apesar de grande quantidade dos entrevistados ter relatado a queda na qualidade da saúde, 55% disseram nunca ter utilizado a rede pública.

A pergunta dava possibilidade de mais de uma resposta, visto que muitas pessoas disseram ter mais de uma crítica ao sistema de saúde do governo. A infraestrutura, ou seja, a falta de equipamentos e hospitais em más condições, e a demora no atendimento foram as opções mais escolhidas, respectivamente 25,9% e 24%.

O lazer no distrito melhorou bastante de acordo com os entrevistados, 42,6%. Enquanto 46,2% possuem a mesma opinião em relação ao lazer na cidade. Porém, as mesmas pessoas que disseram que nada melhorou no distrito, também acreditam que nada mudou na cidade, 22,2%. Curiosamente, 20,3% afirmam que o trânsito e a mobilidade no distrito melhoraram e 25,9% também viram a melhora no trânsito e mobilidade da cidade, em oposição aos 53,7% que acreditam que estes quesitos tenham piorado no distrito.

51,8% acham que o distrito de Santana atende algumas necessidades (saúde, educação, lazer, trabalho, transporte público, etc.) e 31,5% têm todas as suas necessidades atendidas. 66,6% saem para outros distritos/regiões em busca de lazer. Este dado provoca confusão, uma vez que os habitantes do distrito afirmaram que o lazer de Santana melhorou.

Por fim, as opiniões sobre a segurança são bastante divergentes. 25,9% se sentem muito inseguros, enquanto 9,2% se sentem muito seguros.  

Produção de pauta:

O distrito de Santana tem o maior IDH da Zona Norte de São Paulo. Tomando como base as entrevistas com moradores do local, tornam-se aparentes as características que fazem da região uma das mais nobres da cidade, onde vive uma população de classe média alta, em sua maioria.

Entretanto, uma pequena parcela dos habitantes de Santana vive em conjuntos habitacionais – o chamado Cingapura. O contraste entre a realidade social destes moradores e a dos que vivem espalhados pelos bairros do distrito chega a ser gritante, com divergências claras.

O grande objetivo desta matéria é, portanto, explorar e revelar a outra face do distrito de Santana, um lado calado e escondido dos olhos da população em geral. Queremos, através de entrevistas, observação e coleta de dados, levantar o seguinte questionamento: privilégio para quem?

Áudio das entrevistas:

  1. Entrevista Maria: https://soundcloud.com/isabel-cassab/entrevista-maria
  2. Entrevista Joana: https://soundcloud.com/isabel-cassab/entrevista-joana

Reportagem: O privilégio é de quem vive

Localizado na zona norte da cidade de São Paulo, o distrito de Santana é uma das regiões de maior IDH da capital. Antes isolada do restante, devido a barreiras naturais como o Rio Tietê e a Serra da Cantareira, tinha características rurais. Hoje, tornou-se um centro socioeconômico regional, funcionando como polo de comércio, serviços e lazer para outras localidades da zona norte.

Abrigando pontos importantes como o Aeroporto Campo de Marte, o mais movimentado do Brasil, o Pavilhão do Anhembi e o Terminal Rodoviário do Tietê, o distrito logo atraiu moradores, contando hoje com uma população de 112.613 habitantes (dados de 2010). Sem dúvidas, esse aumento demográfico veio acompanhado de desenvolvimento.

A cara de Santana

Maria, de 41 anos, vive em seu apartamento, em um edifício de classe média-alta no bairro do Jardim São Paulo, com seu marido, filhos e sua cadelinha Cici, que adora receber os convidados com pulos e lambidas nos dedos. Sentada em uma das poltronas da sala enquanto divide sua atenção entre a entrevista e sua filha Julia que brinca de dar mamadeira a um boneco de pelúcia, nos recebeu de pijamas, com os cabelos loiros presos em um coque.

“Eu adoro [morar em Santana]. Primeiro, pelo coração, pela família, toda minha família é daqui. Meus irmãos casaram e continuam morando aqui, meu pai continua morando aqui, tios, tias… E segundo, porque eu acho que é um bairro que está perto do Centro, tem bastante condução e tem tudo que eu preciso aqui. E me sinto privilegiada”, inicia, repreendendo com as mãos a Lhasa apso Cici que agora se ocupava em saborear as pernas da mesa de centro. “Só tem uma coisa que eu sinto falta aqui que é de ter um bom hospital”, acrescenta. Maria acompanhou a construção do Cingapura de Santana e acredita que a região foi melhorada. “Eu acho que melhorou bastante aquela região porque era uma favela mesmo, com barracos… E já teve alguns casos de incêndio, além de que não era um visual legal, o pessoal tinha medo de passar por ali. Até hoje, eu tenho amigas que moram ali por perto e têm medo de passar por ali, mesmo não tendo mais aquela imagem”.

Cidade limpa

Quando questionada sobre a gestão do atual prefeito, Fernando Haddad (PT), Maria afirma que não houve mudanças positivas em Santana. “Por incrível que pareça, não sei nem se foi por aqui, mas eu vou falar no geral. Aquele que mandou tirar todos os letreiros, o Kassab, que mandou parar de fumar em lugar fechado. Isso eu acho que foi uma coisa legal que um prefeito fez, porque a cidade era muito feia e eu não fumo, minha família não fuma, então era insuportável viver num ambiente com pessoas que fumavam e não poder fazer nada, então diretamente para mim e para minha família, eu acho que isso foi um benefício”, disse.

Santana é um bairro de classe média

“Eu acho que (Santana) é um bairro de classe média”, diz ela sobre Santana. Sobre o fato de que existem pessoas morando em conjuntos como o Cingapura e que apresentam reclamações sobre o distrito, Maria afirma que “Se você for no Morumbi e entrevistar uma família de classe média alta, ela vai ter uma visão do Morumbi. E o cara que está lá morando, porque lá tem um monte de favela, tem bem mais do que aqui, para ele, nada está bom. Pela própria condição de vida”, acredita. “Escola não falta, porque tem muita escola perto do Cingapura. Tem o Parque da Juventude do lado deles, mas é perigoso. Talvez por isso seja perigoso, porque o Cingapura está ali perto”, completou.

Cingapura também é Santana

O Cingapura surgiu em 2005. Trata-se de um conjunto habitacional com aproximadamente 2500 moradores. Localizado na Avenida Zaki Narchi, é uma espécie de condomínios de prédios, não tão altos, que abriga mais de 700 famílias realocadas da antiga favela.

Estas unidades ficam no bairro do Carandiru, dentro do distrito de Santana, e fazem parte daquilo que compõe a somatória do maior IDH da Zona Norte.

A área foi ocupada em 1972 e foi apenas em 1979 que a favela pôde contar com a implantação de um sistema de água e luz, com pagamento de tarifa mínima. 2005 foi o ano da desocupação completa da área. Já em 2006, todos estavam alocados nos prédios construídos na década de 90.

Seu Adão

“Todo mundo sabe quem é Seu Adão. É ali, olha! Apartamento 14, terceiro bloco”, informou-nos a moça que estava encostada num carro, na esquina. É lá que mora o Seu Adão. Aos 72 anos, o gari, que está de licença após romper o ligamento do joelho esquerdo numa partida de futebol, vive junto com sua filha e esposa. Ele viu Cingapura acontecer. Seu Adão, junto com as outras 700 famílias, deu vida ao projeto de verticalização da favela Zaki Narchi.

Ele conta que chegou na cidade de São Paulo em 1976. Nascido e criado em Araçaí, no interior de Minas Gerias, Seu Adão se juntou aos moradores da favela em 1978. A área era usada para extração de terra e, posteriormente, depósito de lixo e entulho. Ao lado, ficava o córrego do Carandiru, um enorme esgoto a céu aberto.

“A vida me trouxe para cá. Minha vida é complicada, sabe? Deixei a mulher lá. Ela enciumava muito porque eu jogava bola. Já joguei no Pedra Azul e no Bahia. Ganhava uma grana. Trabalhava como padeiro e jogava. Falei para minha mãe que ia vir para São Paulo e vim. Fiquei trabalhando e, depois, só alegria”, lembrou.

Enquanto aumentava o volume da televisão, ressaltou: "Eu me sinto privilegiado em morar aqui". De primeira instância, o pré-jogo da Liga dos Campeões, segundos depois, o senhor trocou o canal pela novela da TV Record. “É hoje que ela descobre tudo. Eu gosto de futebol, mas não posso perder a minha novela”.

“Foi isso. Cheguei em São Paulo de ônibus. Sozinho. Vim para trabalhar. Foi em 77 ou 78 que me mudei para cá. Começamos a montar as favelas, os barracos. Eu e a turma que já estava por aqui. Juntamos a ‘peãozada’ e começamos a trabalhar. Eu sempre falava: ‘Vamos, cada um ajudar ao outro’. Aí fazia um barraco aqui, outro lá, até que fechamos em 700 famílias”, contou.

Como dois e dois são cinco

A papelada amarelada que Seu Adão nos mostrou tinha semelhanças. Além de sua assinatura em todas, datadas e carimbadas, o gari era tratado ora como coordenador, ora como fundador. “Estão vendo aí? Eu sou tipo um fundador. E gosto assim: tudo preto no branco”. Ele também explicou que as famílias não costumam sair muito de lá, a maioria dos moradores estão no Cingapura desde a construção dos prédios. Mas, hoje, já podem ser vendidos. “Olha aqui! São 700 famílias mesmo. Não mudou quase nada, todos que vieram de lá, ficaram aqui. Gosto de tudo certo. Tudo como dois e dois são cinco”, disse, com muita convicção, sem nem esboçar sorriso.

“Você sair de um barraco para morar num apartamento? Quer mais o quê? É meio caminho andado. A outra metade vem depois, quando passaram tudo para os nossos nomes. Sou tão conhecido aqui que meu barraco na favela era 14 e, hoje, meu apartamento é o número 14. Eles me respeitam muito”, explicou, agora, sorrindo.

“Eu só saio daqui para curtir a vida. Eu quero é ver as patricinhas dançarem. Tomar cerveja. Sou que nem casado, porque na verdade somos ajuntados, mas a minha mulher me liberou. Desde que fomos morar juntos, sou forrozeiro, pagodeiro. Enquanto não tinha filha, ela ia comigo, mas aí depois a menina nasceu e ela ficou em casa. Engordou e pronto. Não sai mais. Mas mora comigo, sabe que sou assim e não reclama, não”, finalizou.

Foi Maluf que fez

Em 1993 o, então deputado, Paulo Maluf foi eleito prefeito, pela segunda vez, da cidade de São Paulo. Uma de suas principais obras foi tirar o Cingapura do papel e fazer com que ele se tornasse realidade. “Foi o Maluf que fez. Ele chegava aqui, perguntava o que a gente precisava e fazia. Ele ajudou todo mundo. Não é que nem esses prefeitos de agora que nem aparecem aqui para ver se precisamos de algo. Ele que fez isso aqui virar realidade, e eu vi tudo. Ninguém me contou nada, não”, explicou exaltando o ídolo político. “Se hoje ele se candidatasse à prefeitura, pode ter certeza que toda a comunidade do Cingapura ia votar nele. Ele rouba para ajudar os outros. Não tenho do que reclamar”. Enfático. 

“O Haddad nem sequer apareceu aqui. A única coisa que ele fez foram essas faixas aí. Arrumou o asfalto e colocou esses faróis de bicicleta. Até que bicicleta é bom, porque evita acidente, né? Mas continua a mesma coisa. Outro dia a assistente social veio aqui e disse que iam pintar os prédios, mas no fim não veio ninguém. Eles não trazem solução”, disse olhando para a televisão. “Essa aí (apontou para a TV) é mau caráter! ”.

O quarto que ninguém vê

Se, por um lado, o gari representa a alegria e convivência social do conjunto, Dona Joana, moradora do 24, revela o lado mais silencioso da comunidade. Assim como Seu Adão, a mulher de 46 anos viu todo o processo de construção do Cingapura. Antes mesmo de começarmos a conversar, ela se adiantou: “Eu assino embaixo de tudo o que o Seu Adão falou”.  Mas insistimos em ouvir a sua história.

“Conheço o seu Adão desde pequena. Tenho cinco filhos, três meninas e dois homens (Tainá, Alessandra, Rodrigo, Renato e Renata). A minha filha mais velha chega daqui a pouco e a minha filha especial está ali no quarto, vai lá ‘ver ela’. É uma moça do seu tamanho”, disse, apontando para a mais alta de nós duas. “Ela não anda nem fala, tem paralisia cerebral”, completou. Fomos espiar o pequeno quarto ao lado, onde alguns pedaços de madeira encaixados em uma cama de solteiro improvisavam um berço. Sobre a cama, Renata, de 22 anos, olhava atenta aos movimentos. As pernas, cruzadas, muito finas por conta da paralisia, não a permitem levantar, caminhar ou se locomover sozinha. Voltamos à sala em quatro passos. “Senta aí, gente”, disse a mãe.

Foi Maluf que fez – Parte 2

A conversa emanou para discussões um pouco menos políticas e um pouco mais humanísticas. “Antes não era Cingapura, era favela de barraco. Vi tudo, tudo. Eu morei em pensão, depois vim para cá. Era uma favela, depois fomos para o alojamento que fizeram. Montaram ali do lado”, falou, enquanto gesticulava em direção à janela, com vista para a avenida. Assim como Seu Adão, ela fez questão de citar a importância do antigo prefeito em sua vida: “Depois do alojamento, o Maluf fez o Cingapura. Foi ele que fez. Não foi o Haddad, não foi ninguém, não. Foi o Maluf”.

“Estamos aqui graças ao Maluf, ele que fez o Cingapura. Nós pagamos o aluguel no valor de R$ 57, o meu está atrasado. Minha luz está atrasada, eu só ganho o salário dela, no valor de R$ 880”, revelou. E assim, na condição de mãe, e ser humana, digna de direitos, lançou o que acabou sendo, por obra do acaso, o ponto central de nossa conversa.

Todo sacrifício tem a sua recompensa

Dona Joana, em sua simplicidade, nos transportou e inseriu em sua própria realidade. Mesmo que por pouco tempo, durante aquela uma hora conhecemos e fazemos parte de uma história totalmente diferente da nossa.

“A Renata tem 22 anos. Eu desço com ela, mas ultimamente não estou aguentando mais. Eu pego no colo e desço”, explicou. “Eu não gosto de falar muito, porque é uma emoção muito grande. Eu tenho minha filha mais velha, tenho meus outros filhos e tenho ela. Então, eu falo sempre: dê valor à mãe que vocês têm. Ela (apontou para a neta, filha de Tainá) fala, anda, chama ‘mamãe’, mas a Renata não”, contou. Ao final da frase, não conseguiu conter o choro mas prosseguiu, entre lágrimas: “Ela não fala, ela só entende. Mas ela sente, com certeza. Deus me deu ela porque sabe que sou capaz”.

Governo desinteressado

Por conta de sua deficiência, Renata depende de uma cadeira de rodas para se locomover. A cadeira, no entanto, não é simples. Precisa ser acolchoada, com alguns detalhes de segurança e apoio para a cabeça, braços e pernas. Segundo Dona Joana, ela é acessível apenas por intermédio da Associação de Assistência à Criança Deficiente, a AACD. Ela já teve uma, mas quebrou. Ela poderia até tentar conseguir outra, mas as filas são imensas. E a paciência... acaba, mesmo sem poder acabar.

“Tem a AACD ali. Uma vez, consegui falar com o Geraldo Alckmin, mas ele não resolveu nada. Pedi para ele uma vaga para minha filha. Ele falou que ia arrumar, mas cadê? Nem ligou. Ele só quer voto, para quê? É a obrigação deles vir em casa nestes casos, mas ninguém vem”, desabafou Dona Joana. “Não notei nenhuma mudança com Haddad. Por mim, eu votava tudo em branco. Eles não vêm aqui não, menina. Esses prefeitos não vêm aqui, não sei porque. A Marta pode ganhar. Se eu puder, voto na Marta. Ela foi boa igual o Maluf”, completou.

Deus dá a cruz para quem pode carregar

“Mudou tudo. Antigamente não tinha isso, era diferente. Não tinha equipamento em casa. Eu saio do bairro para ir à Igreja. Médico, vou no posto no Carandiru. Mercado, vou ao Carrefour. Por aqui tem tudo, é tudo perto. Gosto mesmo é de ficar em casa com a minha filha, mas queria espaço para ela brincar”, contou.

Mesmo com a batalha diária de criar a filha, Dona Joana mantém a fé. “Eu trabalhava, sempre trabalhei. Sou auxiliar de limpeza. Mas Deus dá a cruz para quem pode carregar. Eu parei de trabalhar para cuidar dela”, reconheceu.

Antes que pudéssemos perguntar, porém, ela finalizou: “Eu tenho todas (as filhas), mas o amor maior é para ela. Ter uma criança especial em casa é muito bom, você nunca fica triste. Deus me deu essa daí e eu vou carregar para o resto da minha vida”.

“Tem muita gente nova aqui, porque o povo vende os apartamentos. Antes não podia vender, agora pode”, disse. “Se bem que eu achava melhor quando não podia vender, porque quando Deus dá uma casinha para a gente, a gente tem que cuidar e ficar com ela. Tem que dar valor. Ninguém da favela ficou sem moradia”, finalizou Dona Joana, que nos ofereceu um café e um retorno, mas, nesta ocasião, espera poder celebrar a conquista da cadeira de rodas.  

Entrevista com Ubiratan Leal - 1 Bimestre: 

https://www.youtube.com/watch?v=chpYsdqOPlg