Trabalho de memória 2024

UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS

CIÊNCIAS SOCIAIS

PLANO COLLOR E CONSEQUÊNCIAS.

Beatriz de Pádua Machado

Introdução

Em 1990, Fernando Collor assume a presidência do Brasil após derrotar Luís Inácio Lula da Silva, apoiado por um discurso de combate à corrupção e por um programa de governo reformista. Com a promessa de resolver os graves problemas econômicos herdados do governo de José Sarney, sua primeira medida foi o polêmico “Plano Collor,” que incluiu ações drásticas como o congelamento de preços e salários. Essas decisões causaram forte impacto e descontentamento popular, levando a uma crescente insatisfação que culminaria no impeachment de Collor. Esse episódio histórico permanece na memória coletiva dos brasileiros, que ainda sentem as consequências econômicas do Plano Collor até hoje.


Objetivo

O trabalho tem a finalidade de construir uma análise acerca das memórias das pessoas, traçando uma relação com um fato histórico relevante para que assim, permita-se a preservação da história e compreensão do coletivo. Os depoimentos da família de Dorival, que perdeu toda sua economia com o Plano Collor, entre outras pessoas, trazem relatos importantes sobre os impactos do confisco para a população do Brasil na época e sobre o contexto do governo anterior de Sarney. Os temas abordados serão fundamentais para compreender por qual motivo o plano econômico do ex-presidente seria o ponto inicial que levaria até seu impeachment, bem como a importância de dominar a história de seu país para não cair nas mesmas tentações novamente.

Entrevistas

No interior paulista, em 2019, Dorival Silva, que na época do governo Collor trabalhava com frete de caminhão para sustentar sua família, o senhor já de idade, menciona todo seu esforço para ficar rico quando era jovem, relata que as coisas foram dando certo e ali surgia uma transportadora de sucesso, também conta da sucessão de fatos desde o momento em que Collor surge como candidato à presidência e como opção para fugir do “comunismo” de Lula “A gente não entende de política, ‘cê’ vai na conversa dos outros né, eu via o povo falando ‘cê’ vai e faz também e pronto”.

A filha, Carla Beatriz relata o sentimento de alívio “Agora vamos parar de ter problemas, preocupações financeiras, inflação”, todo o enredo segue até o momento em que o Plano é anunciado para a população, a família vende uma casa para conseguir o dinheiro porque o marido estava planejando comprar um caminhão melhor, até que eles recebem uma ligação “Nós não estamos mais vendendo nem comprando nada, porque eu fiquei assistindo o jornal da globo ontem até de madrugada, e no jornal da globo falou lá que o Collor lá e mais a Zélia Cardoso de Melo falou que vai ter um tal de fundão aí e que quem ‘tiver’ dinheiro no banco, conta corrente, poupança, vai tudo pra esse fundão”, o dinheiro estava no banco, eles haviam perdido a casa, a filha conta que o pai estava perdido e vivia estressado.

A esposa Ester Branco chora ao contar “Pronto, tá lá o nosso dinheiro, e agora? E agora?”, ela havia dito ao Dorival para que retirasse o dinheiro no banco, mas ele insistiu em deixar tendo em vista que parecia ser o único local seguro. A família conta que tentou manter o mesmo estilo de vida, mas ele precisou vender os caminhões, ficando com apenas um, além de dispensar os funcionários, “Ficou muito difícil, e foi ficando cada ano mais difícil... A gente não tinha como ter uma vida digna”. Ester que nunca havia trabalhado antes, conta que precisou começar a trabalhar, a família abriu uma sorveteria/boteco.

“Aí meu pai se transformou, aquela pessoa tranquila, doce, acessível, ele ficou um homem, um ser humano amargo, completamente sem paciência, agressivo, ele não dormia, ele não comia direito”, conta Carla que acompanhou de perto todos os sonhos do pai se desmoronando.

Dorival conta que sentia muito medo durante as viagens “Eu tomava uns vinhos gelados, uns conhaques, parece que o sangue agitava, ficava mais normal e ia embora... E eu fui tocando aquilo mas não falava pra ninguém”, até que em um dia durante uma viagem ele precisou parar o caminhão e nunca mais conseguiu dirigir novamente, “Ele chegou em casa arrasado, calado, aí acabou” conta sua esposa ao procurar uma sobrinha que era terapeuta ocupacional que o diagnosticou com síndrome do pânico. Ester assumiu todas as responsabilidades da casa e acabou entrando em depressão durante este período.

Desenvolvimento

A elaboração desta pesquisa se fundamentou no documentário “Confisco”, que foi gravado em 2019 e lançado em 2021, com direção de Felipe Tomazelli e Ricardo Martensen, disponível na plataforma de streaming HBO. Por meio das entrevistas concedidas, procura-se compreender o contexto em que a população estava inserida, focando apenas no relato da família, com o intuito de encontrar na memória do leitor os mesmos sentimentos, tendo em vista que após o Plano Collor toda a sociedade brasileira havia sido afetada.

Para a classe média alta, o confisco das poupanças significou a perda do estilo de vida que mantinham. Sem acesso ao dinheiro bloqueado e enfrentando uma inflação descontrolada, muitas pessoas tiveram que se adaptar a uma nova realidade. Já para as classes mais pobres, a situação foi ainda mais dramática: com o desemprego em alta e a falta de renda, o acesso a condições mínimas de sobrevivência se tornou um desafio diário.

No campo político, a delação de PC Farias, tesoureiro de Collor, foi o ponto de virada. A revelação de um esquema de corrupção abalou o governo, levando à abertura de uma CPI. O até então presidente vai até a TV e desmente toda a situação, pedindo o apoio da população, que vai às ruas e responde com um protesto. Ao logo do processo de impeachment, na última etapa Collor acaba renunciando, essa memória ainda é viva dentro de todos que viveram este governo e as consequências são vistas até hoje através de inúmeros processos judiciais das pessoas em busca do dinheiro que lhes foi tirado.

Conclusão

Embora as medidas do Plano Collor tenham inicialmente cumprido o objetivo de controlar a inflação descontrolada que assolava o país, os efeitos dessas ações logo se tornaram evidentes. Entre eles, destacaram-se o impacto econômico sobre a população e a crise de confiança nas instituições. Esse contexto culminou no impeachment de Fernando Collor, que não apenas entrou para a história como o primeiro afastamento de um presidente no Brasil, mas também deixou profundas marcas sociais, políticas e econômicas.

Além disso, a atuação da mídia desempenhou um papel muito importante durante todo o processo, na construção da narrativa que perpetuou esses eventos na memória coletiva da sociedade brasileira. Assim, o impeachment de Collor não foi apenas um marco político, mas também um reflexo da complexidade das interações entre governo, população e meios de comunicação, consolidando-se tanto na memória coletiva quanto na individual.

Referências

CONFISCO. Direção de Felipe Tomazelli e Ricardo Martensen. São Paulo: HBO, 2021

SOARES, Alexandre Sebastião Ferrari; DOS SANTOS, Ivan Cordeiro; KRIEGER, Agnes Oliveira. A QUEDA DE UM PRESIDENTE: EFEITOS DE SENTIDO SOBRE O PROCESSO DE IMPEACHMENT DO EX-PRESIDENTE FERNANDO COLLOR DE MELLO NO JORNAL O GLOBO. Revista Interfaces, v. 14, n. 3, p. 56-62, 2023.