Turma Joc/Clandestinas: A violência do estado com as mulheres
Por Giuliana Pompeu, Julia Guadagncuci. Juliana Ferreira, Stéfanni Mota
Todo ano mais um milhão de mulheres abortam no Brasil. O aborto acontece e o Estado não garante a seguridade desse procedimento mesmo em casos onde o aborto é legal
Maria abortou. Joana abortou. Cláudia abortou. Dezenas, centenas, milhares... São mais de um milhão de abortos anualmente no Brasil, segundo a pesquisa divulgada pelo IBGE. Elas são mulheres clandestinas que lutam em um país que criminaliza a liberdade de escolha da mulher.
Com uma penalização de três anos de prisão para quem aborta de propósito, segundo o artigo 124 do Código Penal, as mulheres continuam realizando esse procedimento. Não é opinião de vizinha, Estado, ou religião que impedem que essa escolha seja feita. O aborto acontece sendo legal ou ilegal. O aborto acontece.
Uma gravidez indesejada será interrompida com a permissão do Estado ou não. E essa mulher tem que ter seu direito de escolha protegido. Marcela* mora no Jardins e pagou quatro mil reais para realizar o procedimento. Foi rapidinho, ela entrou no consultório, recebeu a anestesia e acordou em 5 minutos. Mas Jandira, mulher negra e periférica, morreu. Entrou numa clínica clandestina e "desapareceu". O Estado matou Jandira, como mata uma mulher pobre a casa dois dias por aborto inseguro.
São 1 milhão de abortos clandestinos e 250 mil internações por complicações por ano e quem mais sofre por isso são as mulheres pobres que não tem condições de bancar o procedimento em uma clínica clandestina- não, amiga, nem todo aborto clandestino é inseguro! Ele pode ser feito por médicos preparados, mas eles cobram caro para realização desse procedimento que muitas vezes duram cinco minutos! Assim, cria-se um situação de desigualdade, na qual as mulheres pobres tem que enfrentar um aborto clandestino e inseguro.
O aborto tem cor e classe. Entre as mulheres pretas, o índice de aborto provocado (3,5% das mulheres) é o dobro daquele verificado entre as brancas (1,7% das mulheres) e no Nordeste, por exemplo, o percentual de mulheres sem instrução que fizeram aborto provocado (37% do total de abortos) é sete vezes maior que o de mulheres com superior completo (5%). Só há três casos em que o aborto provocado é legal: quando não há meio de salvar a vida da mãe, quando a gravidez resulta de estupro e quando o feto é anencéfalo. No Brasil, 74 estabelecimentos de saúde estão classificados como Referência para Atenção à Interrupção de Gravidez nos Casos Previstos em Lei e, em caso de violência sexual, para a mulher ser atendida não é necessário o Boletim de Ocorrência.
Apesar de o médico que realizar aborto para salvar a vida da gestante ou se a gravidez resultar de estupro ser isento de punição pelo artigo 128 do Código Penal Brasileiro, muitos profissionais não informam a mulher que esse procedimento é acessível e quais caso isso é permitido ser realizado dentro de hospitais públicos com a segurança da lei. Por isso, segundo as informações do Sinan, 67,4% das mulheres grávidas em decorrência de estupro em 2011 não tiveram acesso ao serviço de aborto legal.
Nós entramos em contato com Ministério da Saúde pela Lei de Acesso à Informação e solicitamos a lista dos 74 estabelecimentos de saúde que estão disponíveis para realização do aborto em casos onde é permitido por lei, entretanto, a resposta não contemplou o que lhes foi pedido e não houve nenhuma informação sobre o nome ou o endereços desses estabelecimentos.
Mesmo quando o aborto é legal, as mulheres enfrentam obstáculos. As informações são ocultadas pelo Estado e pelos profissionais que muitas vezes exigem o Boletim de Ocorrência como uma forma de intimidar a vítima. O Pérola Byington é um dos hospitais em São Paulo que oferece o serviço de aborto legal e atende em média 130 casos por ano. O atendimento é feito nos moldes da Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, que orienta os atendimentos na rede pública. A equipe é diversa e reúne obstetras, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais. Esse modelo foi adotado durante o funcionamento do primeiro serviço público de abortamento legal, criado em 1989, no Hospital Municipal Arthur Ribeiro Saboya (conhecido como Hospital do Jabaquara, em São Paulo), pelo médico obstetra Jorge Andalaft Neto e pela assistente social Irotilde Pereira Gonçalves.
Até a 12ª semana de gestação, a interrupção é feita por aspiração intra-uterina, manual ou elétrica. É um procedimento cirúrgico rápido e seguro que dura menos do que cinco minutos. Depois desse período, o método mais seguro a interrupção da gestação por meio de medicação. No Brasil, usa-se o Misoprostol, de distribuição controlada pelo Ministério da Saúde, também conhecido como Cytotec.
Processo de Levantamento de Dados por meio da LAI
Fizemos um levantamento de dados sobre o aborto antes de fazer o pedido à Lei de Acesso à Informação e verificamos que há o atendimento para a realização de aborto legal em 74 estabelecimentos de saúde nos quais o serviço é realizado pelo SUS, portanto gratuito. Pesquisamos no DataSUS, no site do Ministério da Saúde e em outros portais a lista desses estabelecimentos e não conseguimos encontrá-la. Contatamos que não há disponível o nome, endereço ou qualquer informação que pudesse amparar mulheres que precisam realizar esse procedimento de forma legal. A lei que criminaliza o aborto no Brasil já é bastante punitiva com as mulheres. O Estado permite apenas em três casos a seguridade desse procedimento, mas não o faz sem que haja uma punição: a falta de informação para esse serviço é uma forma de punir as mulheres. Pedimos a informação para o Ministério da Saúde que nos respondeu depois de quatro dias. Entretanto a resposta não contemplou nosso pedido. A resposta consistiu em um explicação detalhada do passo a passo para como chegar aos dado de "Morbidade Hospitalar no SUS" com os filtros de "aborto por questões médicas". É bastante significativa essa resposta tendo em vista que não foi informado os hospitais onde o aborto pode ser realizado e sim a taxa de morbidade de mulheres que realizaram esse procedimento.
Importância da LAI para a prática jornalística
A LAI é uma ferramente de suma imrpotância para a prática jornalística tendo em vista que o objetivo desse fazer é comunicar à sociedade, facilitar o acesso aos direitos de cada cidadão e resistir para uma transparência dos órgãos públicos. Para que os direitos sociais de cada cidadão seja acessível é preciso que este saiba como acessá-lo e nisso a LAI tem um papel fundamental. É uma ferramento que nos possibilita conhecer um pouco mais os órgão que estão organizando a sociedade para então conhecer qual o seu funcionamento e como quais os caminhos pelos quais podemos lutar. A LAI é um instrumento de garantia de direitos e assim, para um jornalista, é um importante meio de acesso a dados que devem ser expostos para a sociedade.