Turma Joc/Lei do feminicídio

No ano em que vários Estados do Brasil registraram as primeiras condenações devido à nova legislação, país segue entre os mais violentos contra mulheres.

por Lorena Giron e Matheus Meirelles

Grande avanço para a luta contra a violência e as mortes por razão de gênero, a Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104) completou um ano em 9 de março de 2016. A segurança e a liberdade que deveriam surgir na vida das mulheres brasileiras, porém, seguem travadas pela cultura patriarcal em que o país está mergulhado desde 1500. De acordo com a Organização das Nações Unidas, no Brasil, a taxa de feminicídios é a quinta maior do mundo, chegando a 4,8 para cada 100 mil mulheres. Em abril deste ano, quase 10 anos após o presidente Lula sancionar a Lei Maria da Penha (nº 11.340, de 7 de agosto de 2006), o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, em parceria com o governo do Brasil (então presidido pela primeira vez por uma mulher, Dilma Rousseff) lançou as Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres - Feminicídios.

Por todos, é para elas

O documento apresenta recomendações referentes às atitudes das autoridades ao tratar de crimes de ódio por gênero, com o objetivo de tornar mais claro os direitos das vítimas. O caminho para se acabar com a discriminação passa pela batalha contra o machismo dentro e fora de casa, contra o racismo institucionalizado, contra LGBTfobias e as consequências que esses problemas trazem para a vida das próprias mulheres. As diretrizes servem como incentivo para que a tipificação do Feminicídio continue sendo implementada em todo o país. O medo de constrangimento que leva cidades e Estados a aplicarem diariamente e respeitarem essa e outras legislações, porém, não parece ter efeito direto na sociedade.

Quantos corpos mais?

O estudo Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres, de Julio Jacobo Waiselfisz, mostra que o problema é crescente muito antes da Lei do Feminicídio. A melhora esperada com a Lei Maria da Penha, em 2006, foi vista apenas nos 12 meses posteriores à implementação dela. Até 2013, porém, o índice de assassinatos motivados pelo ódio de gênero só cresceu. A taxa de homicídio de mulheres tem evoluído com pequenas oscilações. O índice passou de 2,3 para cada 100 mil mulheres, em 1980, para 3,7 em 1992. Quatro anos depois, a taxa alcançou 4,6. O avanço de políticas pública contra a violência nos anos seguintes fez com que a o número de homicídios variasse entre 4,2 e 4,4 até 2006, o ano em que a Lei Maria da Penha foi implementada. O fenômeno visto com a nova legislação, foi uma queda na taxa de homicídio de mulheres no Brasil. O índice foi de 4,2 para 3,9 em apenas um ano, provavelmente devido ao engajamento momentâneo das instâncias públicas para divulgar e aplicar a nova lei. Do ano seguinte em diante, porém, a taxa só cresceu, chegando a 4,8 para cada 100 mil habitantes em 2013.

Quem são?

O feminicídio contra mulheres negras tem números ainda mais graves. Em 2013, 66,7% das vítimas eram pretas, segundo o Mapa da Violência. Desde a implementação da Lei Maria da Penha, o pico chegou a 77,1% em 2012. Para cada 100 mil mulheres, o número de mortes ficou entre 4,4 e 5,6, entre 2006 e 2013. Por outro lado, nesse mesmo período, o total de mulheres brancas mortas por Feminicídio ficou entre 3,2 e 3,2 para cada 100 mil habitantes. Em menor escala, se observa a partir da vigência da Lei Maria da Penha que o número de vítimas cai 2,1% entre as mulheres brancas e aumenta 35,0% entre as negras. Esta diferença é gritante, provando que mulheres negras estão mais vulneráveis à violência do que as de qualquer outra raça. As taxas de ambas a raças se afastaram com o passar dos anos, denominando o chamado índice de vitimização negra, que é esta diferença entre as taxas de mulheres de ambos os grupos. Porém a pesquisa informa que ainda é muito cedo para dizer se estes dados são uma tendência, precisando de pelo menos três anos consecutivos de uma queda ou aumento constante, que não é o caso. Já na questão da idade, as mulheres que sofrem violência letal (homicídios, suicídios e acidentes de transporte) possuem a mesma taxa que os homens: Baixa ou nula incidência até os 10 anos de idade, um crescimento considerável até os 18 anos, e, a partir daí, um declínio lento até a velhice. Porém, mesmo com esta semelhança de números e casos de ambos os sexos, as mulheres ainda se sobressaem quando a questão é homicídio com a elevada incidência feminina no infanticídio e a estrutura da domesticidade da violência contra a mulher na faixa de 18 a 30 anos de idade.

Onde estão?

Em termos regionais, o maior número de homicídios femininos acontece na região Nordeste do país, onde houve um crescimento significativo de 79,3%, graças às capitais Maceió, Fortaleza e João Pessoa, que possuem acima de 10 homicídios por 100 mil mulheres. A taxa da região Norte é de 53,7%, um pouco menor do que a anterior, porém também com um crescimento elevado. Em compensação, as regiões Sul e Centro-Oeste representam uma baixa no crescimento destes números. No sudeste, boas notícias: a taxa de homicídio de mulheres caiu pela metade de 2010 a 2015, com influência de São Paulo e Rio de Janeiro, as capitais com menores taxas do país. Porém, os maiores índices de homicídios de mulheres não estão localizados nas capitais do Brasil. Os pequenos municípios vencem neste quesito: a cidade Barcelos (AM), por exemplo, possui uma população feminina média de 11.958 e registra 42,5 homicídios por dez mil mulheres, ficando no topo da lista de locais com maior taxa de morte de mulheres por violência nacional. Seguido dele, está Alexânia (GO), com população feminina média de 11.947 e 25,1% de mortes de mulheres por dez mil mulheres. Na questão racial, a maior parte dos assassinatos de mulheres negras aparecem no Amapá, na Paraíba e em Pernambuco. Já as mortes de mulheres brancas são registradas com maior frequência em Rondônia, no Paraná e no Mato Grosso

Conclusão

A mulher sofre cada vez mais violência e impunidade no país, já que o foco na proteção feminina ainda é escassa. O Estudo “Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres” nos mostra que, mesmo com a existência da Lei Maria da Penha, aprovada em 2006, houve um aumento significativo no número de homicídios femininos no Brasil, em especial as mulheres negras, que são o perfil preferencial destas vítimas. É preciso mudar o conceito do que entendemos por violência e ampliar mais a luta contra ela. Deve-se estudar as relações sociais, a educação de nosso país, a justiça dos que cometem estes atos criminosos e o costume de nossa sociedade. A questão não pode deixar de ser abordada sempre que possível nas escolas e universidades. Devemos pressionar os sistemas de justiça do país a fim de protegerem estas mulheres em situação vulnerável e seguirem os movimentos de direitos humanos no caminho certo. A frase no final do estudo resume bem a questão da violência contra a mulher no país: “Cada país tem o número de feminicídios que decide politicamente ter, assim como o número de condenações por essa agressão”.

Processo de Levantamento de Dados por meio da Lei de Acesso à Informação

Para levantar informações sobre os números reais referentes ao Feminicídio no Brasil, entramos em contato com o Ministério da Justiça e Cidadania. Depois de duas semanas de espera, recebemos a resposta do pedido nº 293.298.1. O departamento indicou que não tinha as informações solicitadas, e sugeriu que enviássemos uma nova solicitação por meio do e-SIC (Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão). O órgão também não pôde ajudar e orientou pelo envio de um pedido para a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. O departamento informou que não tinha dados atualizados de 2016 sobre o assunto, e nos enviou o Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres, que foi usado para a elaboração da reportagem, juntamente com outros dados pesquisados na internet.

Importância da Lei de Acesso à Informação

Sancionada pela Presidenta da República, Dilma Rousseff, a Lei de Acesso à Informação permite que profissionais da imprensa e cidadãos comuns busquem dados de interesse em todos os órgãos desejados, sem bloqueios ou censuras. Tem como objetivo permitir a explicação de assuntos muitas vezes inacessíveis para a população. No âmbito jornalístico, a Lei dá mecanismos para a fiscalização de fatos são divulgados por interesses políticos ou corporativos, mas que influenciam na vida das pessoas. Ao exercer o direito à informação, o cidadão presencia de fato o exercício da democracia. A informação é o requisito básico para a formação de bons jornalistas e boas matérias. Reportagens rasa e teóricas não agregam ao conhecimento de pessoas que estão distante da realidade que eles mostram. Estes comunicadores têm o dever de informar sobre algo de forma mais detalhada possível, até ao fundo da questão. Mas como eles fazem isso? Com a ajuda da Lei de Acesso à Informação, onde conseguem apurar e checar melhor as informações que procuram, sem exigência de motivação, algo trabalhoso de ir atrás antigamente.

Protocolos

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

Memorando nº 186/2016/SIC SENASP/SENASP

À Senhora Coordenadora do Serviço de Informação ao Cidadão - SIC Central

Assunto:              Resposta SIC

Ao cumprimentar Vossa Senhoria e em atendimento ao pedido de informação nº [null 2932981], encaminho o  Despacho nº 335/2016/DEPAID/SENASP [null 2988539], Despacho nº 36/2016/CGAP/DEPRO/SENASP [null 3027138] e anexo [null 3027311], que informa acerca de dados estatísticos sobre violência contra a mulher, que esta Secretaria não dispõe da informação solicitada e sugere o envio da solicitação por meio do e-SIC: http://www.spm.gov.br/sobre/servico-de-informacoes-as-cidadas-e-aos-cidadaos-sic

Atenciosamente,

ALESSANDRO JACONDINO DE CAMPOS -

Chefe de Gabinete da SENASP - Substituto

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E CIDADANIA

Despacho nº 36/2016/CGAP/DEPRO/SENASP

Assunto: Resposta SIC

Destino: GAB/SENASP/MJC

Processo: 08850002832201637

Interessado: Lorena Scavone Giron

Versa o presente acerca de resposta ao pedido de informação, realizado via SIC ([null 2932981]). O presente pedido solicita informações sobre violência contra a mulher no Brasil e o andamento dos casos em geral.

Dessa forma, com vistas a responder à solicitação, informamos que esta Coordenação-Geral não coleta dados da forma requerida. Os dados estatísticos de indicadores criminais, utilizados por esta Coordenação, em conformidade com a resposta apresentada pelo DEPAID, são oriundos do Sinesp (Sistema Nacional de informações de Segurança Pública) e este não compila dados específicos de violência contra a mulher, ficando essas informações no âmbito dos núcleos de análise criminal dos Estados. Ademais, como se tratam de informações que requerem o cruzamento de dados oriundos do Poder Judiciário, com dados afetados as agencias de segurança pública estaduais, regra geral, as mesmas tem sido objeto de pesquisas específicas implementadas por Universidades, organismos internacionais e organizações da sociedade civil especializadas na pauta da segurança pública e justiça criminal.

Em que pese não coletarmos os dados da maneira requerida, como forma de sugestão, indicamos a possibilidade de enviar a solicitação diretamente para a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (http://www.spm.gov.br/), que a exemplo da publicação, "Mapa da Violência 2015: Homicídio de mulheres no Brasil" da autoria de Júlio Jacobo Waiselfisz, que segue em anexo, empreende esforços para a leitura de dados e produção de conhecimento sobre o fenômeno da violência contra a mulher no Brasil, de forma convergente com o pleito apresentado.

Isto posto, encaminhamos para o Gabinete da Senasp para análise e providências posteriores.

Wellington Lima Silva Júnior

Analista Técnico-Administrativo

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  1. Mapa de Violência 2015 - Homicídio de Mulheres no Brasil