Wikinativa/Aline de Oliveira Chaves (vivencia Guarani 2018 - relato de experiência)
Introdução Durante o Segundo Semestre de 2018, foi ofertada na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), pelo Professor Doutor Jorge Machado, a disciplina ACH3787 - Seminários de Políticas Públicas Setoriais VI, cujo intuito foi desencadear os ensinamentos e as informações sobre a cultura indígena através de duas imersões em diferentes aldeias dos povos originários, a aldeia Guarani Tekoa Pyau e a Aldeia Rio Silveiras, ambas localizadas no estado de São Paulo. A disciplina contou, por vezes, com a presença de alguns líderes indígenas ao longo do semestre, que trouxeram para os alunos e alunas um pouco das suas respectivas realidades, histórias, sonhos e agonias. A disciplina contou ainda com textos, documentários, vídeos e músicas sobre a cultura Guarani e a atual situação do povo indígena. A pluralidade dos cursos da EACH traz um enriquecimento ainda maior para a disciplina, apresentando diversos pontos de vista e diversas experiências que colaboraram para uma discussão mais ampla acerca do tema. A primeira vivencia foi na aldeia Guarani Tekoa Pyau, no Jaraguá em São Paulo, logo no inicio da disciplina. Já a segunda, foi em Bertioga, na aldeia Rio Silveiras.
Aldeia Guarani Tekoa Pyau Nos encontramos pela manhã no Terminal da Lapa e seguimos de ônibus até a Aldeia Guarani Tekoa Pyau. Ao chegar, nos deparamos com um cenário bem diferente do que eu imaginava. Haviam barracos de madeira, muito lixo, falta de saneamento básico e muitos cachorros abandonados, aparentando estar doentes, soltos andando em meio ao barro e aos entulhos lá deixados. Andamos pelos quatro núcleos até chegarmos ao quinto, um núcleo totalmente diferente dos outros, mais a dentro da mata e construído onde antes era um lixão. Nele, ficamos livres para explorar os arredores e ajudar na construção da nova Casa de Reza. Era uma cena linda, olhar para todos os lados e ver todo mundo ajudando, uns com a água, outros pisoteando o barro e outros ainda modelando a parede que ali se formava. Eu nunca havia feito parte da construção de algo e com certeza fazer uma pequena parte da construção dessa Casa de Reza foi algo marcante. Lá havia também um local que mais tarde se transformará em uma espécie de lago/rio, próximo da Casa de Reza. Durante a tarde, almoçamos todos juntos e logo em seguida voltamos para ajudar com a construção. Ao anoitecer, alguns alunos participaram da reza e outros foram embora para suas respectivas casas. Algo extremamente importante para ser pontuado na Tekoa Pyau é a proximidade que eles possuem com o Juruá (homem branco em Guarani), o que facilita o consumo de muitos alimentos e produtos industrializados. Além disso, há uma especulação imobiliária muito forte na região, o que agrava ainda mais o problema das demarcações de terras. É preocupante a situação das pessoas que ali residem em diversos aspectos.
A Aldeia Rio Silveiras A Aldeia Rio Silveiras está localizada no litoral sul de São Paulo, entre os municípios de Boracéia e São Sebastião. Saímos da EACH numa quinta-feira no finalzinho da tarde e chegamos em Bertioga já era noite, em meio a uma tempestade e muita lama. Fomos direto para a casa de reza, onde acontecia uma cerimonia típica Guarani, na qual conhecemos o Pajé. O que logo me chamou atenção na reza foi o fato de não poder sentar do mesmo lado que amigos meus (homens) e creio que esse foi meio primeiro choque cultural, dentre vários que viriam. Logo em seguida ao encerramento da cerimonia, nos organizamos para passar a noite lá dentro da casa, tendo em vista que era impossível montar o acampamento em meio a tanta chuva do lado de fora. Ao amanhecer, a chuva tinha sanado e conseguimos montar o acampamento e dar inicio as nossas tarefas. Eu estava no grupo responsável pela Padaria, então fomos até o 5º núcleo da Aldeia visando preparar pães, geleias e bolos, no entanto houve um desencontro e nesse momento nada foi realizado. Seguimos uma trilha então, para nos juntarmos aos nossos colegas em uma cachoeira.
Somente no final da tarde conseguimos localizar a casa onde estava o forno que havíamos comprado para a aldeia e ajudar os indígenas que lá estavam a fazer os pães. Nós enrolamos e pesamos os dois tipos de massa, integral e normal e até colocamos aveia em alguns dos pães, que ficaram deliciosos e foram levados para o Núcleo da Porteira para que todos pudessem comê-los. É importante lembrar que no dia 12 aconteceu um fato que marcou bastante a nossa vivencia. Presenciamos a chegada de um grupo de pessoas religiosas no núcleo da porteira. As mesmas trouxeram presentes e se mostravam muito entusiasmadas em estar naquele local, no entanto o que chocou muitos de nós foi a realização de um louvor em meio a cultura indígena que nem se quer possui o mesmo “Deus”. No sábado, após o café da manhã, fomos para o Rio Silveiras, através de uma bela trilha de nível médio, que compensou todo o nosso esforço ao nos apresentar em seu final uma paisagem maravilhosa que consegue nos proporcionar paz só de olhar. Algumas pessoas brincavam no cipó, outras só ficavam sentadas entre as pedras e a areia que ali havia. Mais tarde, ainda no rio, alguns alunos, inclusive eu, tiveram uma experiência bastante intensa com rapé, que foi aplicado pelo professor presente, por um aluno e por um indígena que estava nos acompanhando. Quando estávamos voltando para o Núcleo da Porteira, encontramos o Cacique Adolfo, que conversou conosco sobre a luta indígena e sobre seu trabalho dentro da comunidade. Durante a noite, houve como em todas as outras noites a reza, que dentre todas foi a que mais me marcou, pois dancei e pulei junto com os de mais colegas que ali estavam. Outra reza marcante também foi a da sexta-feira, na qual estava presente um importante defensor da causa indígena que conversou muito conosco sobre política e à atual conjuntura. No sábado, tivemos alguns problemas com os pães, pois o carro que os traria do último núcleo atolou no meio da estrada devido a chuva, mas no final todos chegaram bem e conseguimos montar uma deliciosa mesa, inclusive algumas mulheres indígenas fizeram tipá para acompanhar nossos pães. No domingo houve uma última celebração antes do nosso retorno para São Paulo. Desmontamos o acampamento, almoçamos e voltamos de uma viagem que seria inesquecível, cheia de aventuras, harmonia, respeito e muito aprendizado.
Conclusões Finais De certo a experiências em ambas as aldeias marcaram de uma forma extremamente positiva a minha vida, tanto pessoal como profissional. Conviver e conseguir entender um pouco de uma cultura e de uma visão tão distinta da minha é com certeza um privilégio que eu gostaria que todos tivessem. Foi muito enriquecedor entender mais sobre nossos povos tradicionais e, além disso, fazer uma reflexão interna sobre a simplicidade da vida, sobre como a levamos e o que levamos dela. A disciplina proporciona muito mais do que uma experiência acadêmica, ela proporciona uma consideração sobre a vida, sobre nossa história e sobre o futuro que queremos para nossos povos originários e para nós, que somos seus irmãos.