Wikinativa/Carlos Cinquegrana Jr (vivencia Guarani 2022 - SMD - relato de experiência)

Carlos Cinquegrana Jr – 11206431

O final de um ciclo

Vivência Aldeia Guarani Rio Silveiras

Novembro 2022

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Introdução.

Mais do que a obtenção dos créditos, minha opção quando me inscrevi na disciplina foi o fechamento de um ciclo, dado que iniciei a graduação em 2019 tendo sido minha primeira experiência na EACH a disciplina de Sociologia, com o Prof. Dr. Jorge Machado, então quis encerrar com o mesmo docente. Pesou na decisão ainda o contexto de pós pandemia, que nos obrigou a dois anos em ambiente virtual, de modo que uma experiência ao vivo, num espaço diferenciado com parte de meus colegas foi muito bem-vinda.


Roteiro da vivência.

Sexta – embarque – chegada.

Sexta – apresentação na casa de reza e jantar.

Sábado – café da manhã.

Sábado – atividades recreativas com crianças.

Sábado – caminhada trilha cachoeira.

Sábado – almoço.

Sábado – atividades recreativas com crianças.

Sábado - jantar.

Sábado – cerimônia casa de reza.

Domingo – praia.

Domingo - almoço.

Domingo – retorno.


Impressões gerais.

A logística proposta funcionou muito bem, com os grupos de estrutura e alimentação se empenhado em proporcionar abrigo e refeições. O local é muito bonito, localizado na divisa dos municípios de Bertioga e São Sebastião (SP), próximo à praia e numa reserva de Mata Atlântica exuberante. A trilha proposta, que conduz à uma cachoeira é belíssima e, embora longa, não apresenta obstáculos que exijam preparo físico apurado ou habilidades especiais.

Estivemos apenas no núcleo “Porteira” da reserva, que me pareceu bem cuidado e munido de alguns serviços públicos básicos, como um posto de saúde próximo, uma escola e água encanada. A ausência de acúmulo de resíduos sólidos indica ainda coleta de lixo. Desconheço a estrutura de tratamento de esgoto. É um local acostumado a receber turistas, dispondo inclusive de uma banca de venda de artesanato, principalmente esculturas em madeira e peças de arte plumária.

Tivemos pouco contato com adultos, exceto aqueles que estavam “escalados” para nos dar suporte. Os demais se mostraram reservados ou apenas entregues aos seus afazeres, porém quando abordados demonstraram cordialidade. Nossa maior interação foi, portanto, com as crianças, que rapidamente se agruparam em torno de nosso grupo e participaram de jogos e brincadeiras.

Os momentos de maior contato com a cultura local se deram nas noites da sexta e do sábado, na Casa de Reza, onde uma pajé (o titular estava afastado por problema de saúde) se dispôs a conduzir cerimônias e discorrer sobre o cotidiano e sobre a estrutura social e religiosa da comunidade. Na noite de sábado um pequeno grupo realizou uma apresentação musical. Nessa apresentação chamou a atenção o arranjo instrumental, composto de chocalhos, tubos de bambu que são batidos no chão, violões e violinos. A composição segue uma métrica distinta da convencionada na música ocidental, lembrando a estrutura indu-arábica. A harmonia é dada pelos vocais e pelos violinos (rabecas), sendo os violões usados como complemento da percussão. A apresentação foi curta, dando apenas uma impressão, não servindo de base científica para uma análise mais acurada sobre a produção musical do povo Guarani ou mesmo dessa comunidade, uma vez que vários fatores podem comprometer essa observação, como a habilidade dos músicos disponíveis ou a ausência de outros instrumentos. Uma pessoa presente ao local e que desenvolve pesquisa sobre músicas de povos originários me disse que o acervo desse povo é muito mais rico e variado.

A estrutura social, pelo que nos foi explicado em aula e confirmado em alguns depoimentos segue um modelo bastante simples, adotado por agrupamentos humanos no decorrer dos séculos; um núcleo político, representado pelo “cacique geral” da reserva e “sub caciques” nos vários agrupamentos, que exercem a liderança interna e relações exteriores junto às comunidades não indígenas locais; um núcleo religioso, representado pelo pajé e um “militar”, os guerreiros, que na ausência de conflitos armados cuidam da caça, da segurança e de guiar turistas pelas trilhas da região. Homens e mulheres têm papéis definidos, com os homens mais afeitos às atividades externas e as mulheres em funções domésticas. Já o modelo econômico, ainda tendo como fontes as aulas, leituras e alguns depoimentos, segue um modelo coletivista, sem definições de propriedade e com a divisão dos recursos. O sistema apresenta imperfeições, que geram algum desconforto, como por exemplo o fato exposto em aula de que recursos externos advindos de doações e as poucas receitas das vendas de artesanato acabam se concentrando no núcleo “porteira”, mais visível e visitado, em prejuízo dos mais afastados.


Considerações finais.

Embora representativo como organização socioeconômica e cultural de povos originários da etnia Guarani, a aldeia Rio Silveiras, devidamente demarcada, instalada em local de natureza farta e intocada, em região econômica predominantemente turística de temporada, caiçara, residencial, de pouca urbanização, num estado rico e com acesso fácil a serviços públicos, como educação básica, saúde, eletricidade, água encanada, telecomunicações, polícia e boas estradas e, ainda, sem a presença premente de interesses predatórios como expansão agropecuária, especulação imobiliária ou mineração, constitui uma exceção na situação vivida por esses povos país afora. Embora seja visível a contaminação pela presença “branca”, com alterações em costumes e cultura, me pareceu um povo tranquilo, que vive sua vida e interage bem com as comunidades do entorno.

Uma experiência fascinante, que eu repetiria e recomendaria.