Wikinativa/Ingrid Novak Teodoro (vivencia Guarani 2016 - relato de experiência)
A experiência de viver a imersão inclusa na matéria optativa livre, Seminário de Políticas Públicas Setoriais II, ministrada pelo Professor Jorge Machado, de três dias (28, 29 e 30 de outubro) na Reserva Indígena Aldeia Rio-Silveira foi muito enriquecedora para minha percepção de mundo, pois vivenciei momentos que desafiaram minha capacidade de sair da minha zona de conforto e me relacionar com costumes diferentes dos quais estou habituada. Além disso, o choque entre culturas foi gratificante para aprender de perto sobre a cultura guarani e como ela ainda é mantida pelas tribos indígenas que estão imersas na nossa sociedade. Percebi, durante a viagem, que eu carregava comigo alguns preconceitos inconscientes, como por exemplo, achar estranho os adolescentes conhecerem funks famosos e até mesmo ficar surpresa ao saber que eles possuíam antenas de TV fechada.
A questão do choque entre diferentes costumes se estendeu para mais alguns acontecimentos durante o final de semana, como o caso em que uma das índias pediu a mim alguns dos objetos que eu estava considerando ser pessoal, como prato e talheres, para almoçar, logo depois que eu havia almoçado. Isso ocorreu logo no primeiro almoço e eu não sabia muito bem como agir, fazendo com que eu apenas entregasse sem questionar. Depois, ao longo da convivência, percebi que a mentalidade individualista que nós reproduzimos fortemente dentro de nossas relações nas cidades não se estendia para o relacionamento dentro da tribo.
Essa percepção me fez refletir e observar mais o relacionamento das crianças e compará-lo com os das crianças que eu já tive ou tenho contato na minha vida pessoal. Percebi que as crianças indígenas desde pequenas não se importam em dividir os brinquedos, os pertences e de se acolherem todas em todo o tipo de brincadeira, não brigavam entre si e não observei nenhuma criança chorando durante as atividades. Ao contrário de muitas crianças (e até mesmo eu, meu irmão e primas durante a infância) que não emprestavam seus objetos por puro egoísmo, que se gabavam ao possuir algo que outras crianças não tinham, que faziam birra por quererem mais atenção que as outras e que choravam por terem sido excluídas de brincadeiras.
Além dessa observação entre as crianças, percebi também que elas sempre cuidavam uma das outras, e as mães e os pais raramente ficavam próximos das crianças e que, na verdade, quem olhava pelas crianças eram elas próprias, na qual a criança mais velha olhava pela mais nova. Esse conjunto de aspectos me fez refletir sobre as consequências dessas relações infantis para a sociedade e as relações adultas. É certo que essa concepção do coletivo a frente ao individualismo, propagada desde criança, faz com que os indivíduos tenham uma maior consciência e responsabilização de seus atos perante a sociedade, visando uma harmonia na relação social e a maximização do bem-estar social.
Outra experiência que foi única e incrível para mim, e acredito que para a maioria do grupo, foi a participação nas rezas dentro do lugar sagrado que é a Casa de Reza. A maneira como cada um tinha uma participação fundamental durante a reza, assim como em todas as atividades da tribo, foi algo que me chamou atenção. Durante a reza, as mulheres possuíam uma atividade específica diferenciada do homem, na qual um não poderia fazer a atividade do outro. Os rituais foram enérgicos e a forma como lidavam com as fumaças dos cachimbos, com as cantorias e as danças me deixou vidrada e instigada a conhecer mais sobre a espiritualidade das tribos indígenas brasileiras, suas semelhanças e diferenças.
Dessa forma, creio que um dos desafios mais presentes durante a viagem, para mim, foi pensar o relativismo cultural. Eu tentava a todo o momento deixar o etnocentrismo de lado, treinando minha capacidade de me colocar no lugar deles e tentando enxergar as coisas com uma nova perspectiva, visando compreender a realidade deles, a forma como eles se articulam para manterem a cultura viva e a maneira como se relacionam.
Assim, pude perceber que, apesar de culturas estarem em constantes transformações, tanto por conta dos indivíduos que entram em contato com outras identidades e escolhem pertencerem a outros lugares, a maioria dos índios na tribo não negavam sua identidade frente a discriminações que existe mundo a fora. Muito pelo contrário, sentiam orgulho de suas próprias identidades e sentiam-se pertencentes da Aldeia, fazendo com que o compartilhamento de conhecimento e informação fosse uma ferramenta para desconstruir possíveis preconceitos, bem como disse o Mariano, ex-cacique da tribo.
Por fim, a forma como eles lidam com a política a fim de batalharem por suas demandas e lutarem contra seus cortes de direitos e corte de terras indígenas, me fez perceber o quanto é necessário analisar, vivenciar e compreender a trajetória das tribos brasileiras, visando uma melhoria na qualidade das políticas públicas para que as Aldeias continuem vivas e para que os indígenas possam viver com uma boa qualidade de vida.