Wikinativa/Lucas Taveira Barros (vivencia Guarani 2019 - relato de experiência)

Introdução

Este relatório tem como objetivo apresentar minha experiência e percepções pessoais nas visitas às aldeias indígenas do Jaraguá e Rio Silveira com a disciplina de Seminários de Políticas Públicas Setoriais III - Multiculturalismo e Direitos, ministrada pelo Professor Jorge Machado, no segundo semestre de 2019.

As visitas foram precedidas por vivências que eu tive, em ambos os locais, sem relação com a disciplina ou o ministrante. Desta forma, a abordagem crítica e reflexiva do relatório contará com percepções anteriores, visando colaborar, juntamente com todos os envolvidos, na constante evolução das nossas ações frente essa grande oportunidade de aprendizado que nos é dada.


Vivência Aldeia do Jaraguá

A comunidade é formada núcleos separados pela estrada e composta por casas pequenas e pequenas construções. Logo ao chegar na “entrada” da aldeia, é possível notar a vulnerabilidade social local, seja pela quantidade de lixo e entulhos, seja pelo espaços que eles possuem, o qual praticamente impossibilitam o manejo de qualquer cultivo, seja pela falta de saneamento básico, a ausência de suporte básico dos órgãos públicos, dentre outras coisas.

O fato de esta aldeia estar bastante próxima de áreas urbanas faz com que fiquem mais vulneráveis em situações como crianças com fácil acesso às estrada bastante movimentadas e a quantidade de animais abandonados na região da aldeia.

Nesse dia, fizemos uma visita em outros núcleos e à uma casa de reza, onde tive o prazer de conhecer Sônia, líder política, pessoalmente e ouvir dela sobre as lutas, conquistas e dificuldades que enfrentaram e estão enfrentando para manter o território, a cultura e o povo vivo e pulsante. Sendo essa demanda advinda desde 1500, transpassando diversos governos, mas principalmente diante do atual, com uma indígena, pró Bolsonaro que apoia discursos do mesmo que vão contra as demandas e visões reais da população.

Na visita à segunda, e mais atual, casa de reza, podemos vivenciar o ritual deles, com seus cantos e danças. É sempre uma experiência muito forte poder estar com eles em um ambiente tão sagrado, mesmo não tendo as mesmas crenças, sempre consigo sentir e partilhar da energia dos cantos e danças.

A noite, partilhamos uma janta super farta e ficamos conversando na fogueira e comendo bananas e batatas doce, até sermos “obrigados” a ir embora. Essa parte de todas as experiências que tive, é sempre a mais rica e mais proveitosa. Além do valor cultural de partilharmos a alimentação, para mim, é de extrema riqueza podermos estar juntos e conversar de forma descontraída, perguntar, contar e ouvir toda a experiência dos que se propõe a estar nesse momento.

Essa aldeia, mais do que outras que tive a oportunidade de conhecer, dentro e fora do estado de São Paulo, me mostra claramente a definição de resistência. Palavra essa muito presente nos discursos, principalmente no que tange a questão do território. Um povo que é mãe e pai de todos nós e de tudo que usufruímos hoje, que lutam, praticamente sozinhos, pelo direito de todos termos um planeta mais sustentável e habitável, além da luta para manter os costumes, a língua e toda a riqueza dessa cultura sub-julgada.


Vivência Aldeia Rio Silveiras

A visita à aldeia Rio Silveiras, no litoral sul de São Paulo, perto de Boracéia, ocorreu no feriado dos dias 15, 16 e 17 de novembro. Com saída programada para às 9h do primeiro dia e volta após o almoço do último. Apesar de ser perceptível os problemas que o desenvolvimento urbano criou para a região, o núcleo da aldeia é localizado em uma reserva da Serra do Mar, onde podemos encontrar uma mata rica em vegetação preservadas.

O cronograma da viagem foi basicamente estruturada pela equipe responsável e, posteriormente, o grupo da Infraestrutura - do qual eu fiz parte, realizou o encaixe das demais atividades propostas pelos outros grupos, os quais foram concretizados com toda a turma. Esse cronograma foi montado com a intenção de realizar atividades que tivessem relação com o local, a vivência e nossas experiências prévias, mas principalmente que nos proporcionasse, juntamente com os indígenas, um final de semana de aprendizado e troca de energia e experiências.

Como pegamos o trânsito do feriado na ida, atrasamos nossa chegada em algumas horas, o que acarretou alguns contratempo principalmente com relação a alimentação que foi proposta para a viagem, mas também tivemos que nos re-organizar com relação às atividades que estavam planejadas para a tarde de sexta-feira. Assim que chegamos depois das 16h, em meio a descarregar o ônibus e montar as barracas, o grupo da alimentação foi preparar nosso almoço, o grupo de áudio e música foi preparar alguma atividade que coubesse no tempo que teríamos até a casa de reza, o grupo de infraestrutura auxiliou ambos nas demandas estruturais, enquanto os demais pareciam um pouco dispersos no espaço, na organização das barracas, comendo, etc. Após a montagem da estrutura de “recepção”, começamos a nos reunir, tanto alunos quanto indígenas, e entrar de fato na imersão da vivência.

Na casa de reza, como em outras visitas, tive a oportunidade de sentir a energia e a força da minha origem em sincronia com a natureza que me é negada constantemente nas partes urbanizadas de São Paulo. É muito fortalecedor ouvir dos líderes sobre a articulação com outras etnias, outros núcleos, não só nas proximidades, mas com costumes e crenças, muitas vezes, distintas, em prol de uma luta comum e como isso é a base para a manutenção e as conquistas passadas e futuras.

As atividades programadas não foram realizadas em sua totalidade, por conta de contratempos, mas, no geral, conseguimos manter um bom cronograma, com atividades que fluíram de forma orgânica e se encaixaram muito bem nos momentos, além das atividades que eles nos apresentaram, como a dança do xondaro e a apresentação da dança das mulheres. Foi possível aprender e ensinar, sentir e ser sentido, me divertir e trazer muita experiência boa, sorrisos e abraços.

Uma coisa que me incomodou nessa vivência foi a quantidade de comida calculada por pessoa. Em todas as vivências que tive a oportunidade de estar, sempre comemos com fartura, buscamos sempre respeitar os costumes locais, sem perder o gancho de levar opções mais saudáveis e que sejam mais condizentes com as lutas deles.

Acredito que seria necessária uma melhor avaliação dos cálculo de consumo médio diário do grupo, tendo em vista que a taxa metabólica basal de cada um pode diferir grandemente tanto pelo fisiológico como pelos hábitos de consumo diário, é importante que se atente as diferentes necessidades e possibilite certa flexibilidade. Digo isso pois, observando a alimentação que foi levada para consumo pessoal, toda a proposta de alimentação saudáveis se fizeram inúteis, juntamente com os atrasos e limitação da quantidade comida - em situações como servir apenas três pedaços de abóbora por pessoal, servir batata, com batata doce e cenoura de mistura - fizeram com que o consumo de industrializados e lixo produzido fosse muito grande, mesmo que fossem separados em locais adequados ou consumidos nas barracas.

Apesar de gostar bastante da proposta de alimentação vegana, não foi decidido de forma democrática e, para mim, poderiam ter opções até mais sustentáveis utilizando carne de produção local, como ocorre com o caso do peixe e do frango, ou sugerindo que buscássemos produções sustentáveis próximos de onde vivemos para compor o cardápio e gerar uma discussão e decisão coletiva. Além disso, penso ser de extrema importância, mais do que impor ou proporcionar vivências sustentáveis, problematizar esse consumo, refletir e entender a real condição dos alunos e, principalmente, dos indígenas de acessar esses produtos - o acesso à zona cerealista, no centro de São Paulo, ou a manteiga de coco, por exemplo - e conseguir de fato uma mudança na vida pessoal e consequentemente da sociedade onde estivermos inseridos. Acredito que essa forma como foi decidido, acabou acarretando em contratempos que me incomodaram pessoalmente, tendo em vista as demais visitas que fiz em outras aldeias.


Conclusão

Sempre que tenho a oportunidade de participar dessas vivências eu dou um jeito de estar presente, seja no Jaraguá, na Rio Silveiras ou em outros estados. Aprecio e agradeço imensamente as oportunidades que me foram dadas. Acho incrível que alunos da USP, normalmente tão aparte dessa realidade que é a base da existência do nosso país, possam ter essa experiência com a tutoria do professor Jorge Machado. Gratidão especial ao pessoal da AUPI, sempre nos auxiliando e fazendo cada vivência única e repleta de boa energia.

Aprender sobre as culturas tradicionais sempre me trazem satisfação e milhões de novas questões na cabeça, sobre o mundo, as sociedades, sistemas, mas principalmente sobre mim mesmo e minha experiência nesse momento, nesse mundo. Sempre posso vivenciar o espírito de família, mostrando que juntos somos capazes de mudar o mundo.

Uma ponto muito importante de todas minhas vivências, que sempre me impacta, é a lida com o tempo das coisas, como o mundo nos coloca nas suas engrenagens e só percebemos quando nos dispomos a sair disso e olhar de fora e olhar o outro, dentro e fora de nós.