Wikinativa/Raphael Amancio Lacerda e Sá (vivencia Guarani 2019 - SMD - relato de experiência)

A vivência na aldeia Rio Silveiras foi, sobretudo, uma experiência introspectiva e completamente reveladora do que é ser humano, no melhor sentido do termo. Viver na prática a cultura dos povos originários deveria ser corriqueiro em nossas vidas, haja vista a beleza e a maestria desse povo no manejo das habilidades de sobrevivência e resistência, relação com a natureza e simplicidade. Infelizmente seria impossível coexistirmos com a cultura indígena sem influenciá-la de alguma forma, no caso, estar na aldeia Rio Silveiras e tendo previamente a oportunidade de visitar a aldeia do Jaraguá, em São Paulo, mostrou como é possível, ainda, preservar as suas origens, mesmo em face do domínio de uma cultura estrangeira “abrasileirada”. Ainda assim, as diferenças culturais entre os povos originários e a cultura urbana se chocam ferozmente.

Um exercício que tomei o cuidado de fazer durante a vivência foi de observar a relatividade do tempo, a simplicidade do modo de vida guarani em contraste com o consumismo e a necessidade de possuir bens na cultura urbana e o senso de coletividade presente na comunidade. Na aula anterior à viagem o professor Jorge comentou sobre a questão da relação com o tempo em diferentes culturas e, somado à leitura do artigo escrito e proposto pelo professor, perceber essa relatividade do tempo ficou ainda mais latente. Pessoalmente, fiquei encantado e surpreso com uma situação específica referente ao tema, a qual contarei a seguir:

Experiência com o tempo editar

No segundo dia da viagem, sábado, a turma acordou por volta das 8h da manhã e tivemos por volta de uma hora e meia para tomar café e nos organizarmos para irmos de encontro ao Cacique geral da comunidade e, na sequência, fazermos uma trilha rumo a área que iriamos plantar mudas de árvores e, posteriormente, irmos para a cachoeira. Partimos entre 9h30 e 10h, percorremos um caminho relativamente extenso durante uma estrada de barro e paramos por alguns instantes na escola da aldeia, onde enchemos nossas garrafas d’água. Em seguida andamos mais um pouco e chegamos ao núcleo onde nos sentamos e conversamos com o cacique. Seguimos com a programação, paramos no local originário da aldeia e que foi absorvido pela mata, um exemplo de bioconstrução. Plantamos as mudas e seguimos pelo trecho final da trilha até chegar a cachoeira. Na cachoeira nos divertimos por um tempo, tivemos momentos de reflexão e interação com a natureza, de fato nos demoramos um tempo extenso nessa aventura toda até que alguém verificou o horário no celular e disse ser 14h. Esse momento foi absolutamente chocante para mim porque, na minha percepção, pareciam ter passado muito mais horas desde o momento que saímos do núcleo em que estávamos acampados, na minha cabeça já seria algo por volta das 17h. Depois de mais um tempo na cachoeira fizemos a trilha novamente para retornar ao acampamento e nisso era quase 18h. Ou seja, a percepção do tempo é definitivamente algo incrível e relativo quando nos ocupamos de atividades e uma imersão completamente diferente daquilo que estamos habituados, principalmente neste caso de vivência numa outra cultura. Quanto ao estilo de vida, outra reflexão profunda que fiz a respeito disso foi a questão da simplicidade que os povos nativos têm e não precisam de todos os bens de consumos que somos incessantemente estimulados a ter e usar na cultura branca. Em conversa com outras pessoas que tiveram a vivência, muitos relataram não sentir falta de celular, eletrônicos ou mesmo internet durante o período que estivemos lá, ainda que tivéssemos acesso a eles, não nos era de interesse utilizá-los, porque tudo o que precisávamos estava naquele ambiente.


É sabido que na nossa sociedade contemporânea os indígenas não estão isolados e completamente a parte, portanto há relacionamento e esse intercâmbio cultural, entretanto, infelizmente, a cultura urbana tem invadido cada vez mais a cultura indígena, uma reclamação que os próprios caciques da aldeia fizeram. Quando pensamos nessa relação que temos com eletrônicos e bens de consumo, por exemplo, percebemos que somos extremamente dependentes deles no nosso cotidiano, enquanto os indígenas não possuem essa relação de dependência, mas também usufruem do uso destes aparelhos, ainda que não na mesma intensidade que nós. A questão que me fiz foi: o que faz com que os indígenas não sejam tão dependentes dos eletrônicos e vícios do mundo urbano? Acredito que uma das respostas seja justamente o senso de coletividade e comunidade presente nesses povos. O constante contato com o próximo, com seus similares, além da ideia de serem todos irmãos, como o pajé e o cacique nos disseram durante uma experiência na casa de reza, faz com que a aproximação das pessoas, dos irmãos, seja superior à necessidade de qualquer eletrônico. Não obstante, a relação direta com a natureza, com a preservação da fauna e flora, preocupação com técnicas de sustento e desenvolvimento de práticas e habilidades manuais os ocupa de tal forma. Eu acredito que poderia destrinchar mais detalhadamente cada experiência que tivemos em ordem cronológica na vivência, mas acredito que neste relatório seria primordial relatar os impactos e reflexões que a vivência me permitiu, mais que a descrição de um diário. De fato, minha vida foi transformada depois de viver tudo isso. Acredito que ter a chance de entrar em contato com a cultura originária do meu país e, mais especificamente, uma das culturas que carrego no meu DNA por ser descendente de indígenas, é algo que desperta as mais profundas reflexões e prazeres. Entender a causa indígena me fez me sentir mais humano, fez eu ter orgulho de ser brasileiro e carregar comigo a responsabilidade de lutar pelos direitos desses povos, pela preservação do meio ambiente e da cultura que preza pelo relacionamento saudável entre pessoas umas com as outras e com a natureza.