Wikinativa/Renan Silva de Morgado (vivencia Guarani 2018 - relato de experiência)

O porquê da participação

Eu ouvia de colegas falando de suas experiências com uma disciplina a qual interagia diretamente com comunidades indígenas. O tão bom, diferente e enriquecedor para eles, considerando esta disciplina como a melhor da unidade. No segundo semestre de 2018, eu tive a oportunidade de participar da disciplina optativa oferecida pelos professores Jorge Machado e Mariana Domingues. As aulas preparatórias para a imersão, compostas de convidados e rodas de conversa interessantes, disseminaram diversos conhecimentos sobre a cultura e a luta indígenas. O resultado foi enriquecedor para mim também, encontrando felicidades nas coisas mais simples e tomando consciência da grandiosidade deste projeto e da própria luta indígena.

Comunidade guarani na selva de pedra

A primeira vivência ocorreu no dia 18 de agosto de 2018, nas Aldeias Tenondé Porã e Yvy Porã, no Pico do Jaraguá. Meu primeiro contato pessoal com a realidade indígena. Um local tão próximo da Grande São Paulo, mas ao mesmo tempo tão isolado. As condições precárias, muitos animais abandonados, a menor área de demarcação indígena do Brasil e ainda é cercado por rodovias com nomes de bandeirantes, que são tratados como heróis do progresso do Brasil, mas na verdade eram destruidores de vidas. Mesmos as condições não sendo as melhores, as crianças brincavam, os adultos amigáveis em nos receber. Foi interessante e gratificante participar no acabamento das paredes da casa de reza, um esforço conjunto com os colegas para terminar este local muito importante para a comunidade. Esta coletividade é muito difícil de sentir na correria e competição do dia-a-dia que nos levam a uma vida individualista.

O ponto alto, a vivência na Aldeia Silveiras

Na quinta-feira, 11 de outubro de 2018, nos partimos para a Aldeia do Rio Silveiras em Bertioga, para ficarmos até à tarde do domingo, dia 14. O ponto alto do curso depois de várias aulas preparatórias e a própria preparação pessoal para esta imersão. A turma foi dividida em grupos de trabalho, eu participei do grupo de registro de histórias orais contadas pelos guaranis.

Quando chegamos já era noite, sobe chuva e desconhecimento do local, precisamos nos organizar da melhor maneira possível para desembarcar tudo do ônibus e descobrir o que e onde devia guardar. Os guaranis nos ofereceram a casa de reza, o local mais sagrado deles e onde realizaram danças e cantos mais cedo, para passarmos a noite, porque a escuridão e chuva impedia a montagem das barracas. Sinal das grandes simpatia e confiança que eles têm.

Na manhã seguinte, e principalmente no sábado quando o céu esteve sem nuvens, foi possível perceber a grande imensidão daquela terra enquanto percorríamos a estrada principal e uma trilha para chegarmos a uma cachoeira onde passamos o tempo e nos divertimos com a água. Após a volta, houve atividades com as crianças. A energia incessante e incontrolável delas. Os pais as deixavam brincar como elas quisessem e deixavam que nós brincássemos e pegássemos no colo. Um caso que me surpreendeu foi quando um garoto escorregou, caiu no chão. Eu esperava que ele começasse a chorar, mas não, ele se levantou e continuou a brincar como se nada tivesse acontecido. Ou como eu e meus colegas lutávamos a cada passo com o barro causado pela chuva que afundava e prendia nossos pés, enquanto os guaranis pareciam que flutuavam, andando despreocupados e acabavam sem sujeira e dificuldades. Pareciam que nós não sabíamos como andar. Na noite daquele dia, recebemos lideranças na casa de reza. Uma situação pesada, foi sobre o cenário atual de radicalismo político e ameaças contra tudo que fora conquistado com muita luta e suor.

No sábado, dia 13, o dia amanheceu mais limpo e pudemos ver melhor a beleza do local, o caminho de mata fechada para o passeio no Rio Silveiras, o lugar mais bonito, permitiu o contato mais próximo da Mata Atlântida preservada daquela região. Na volta, tivemos a oportunidade de uma roda de conversa sobre as dificuldades dos guaranis de manter sua cultura e modo de vida sobe a constante ameaça de interferências externas enquanto precisam de ajuda externa também. Pode-se sentir como eles vivem vidas simples e quietas, mesmo assim com propósito muito forte e vivo. Manter a cultura e costumes de seus antepassados é a resistência contra as forças externas que quer extinguir tudo isso para hábitos e pensamentos totalmente estranhos para a realidade dos guaranis.

Após isso, a chuva voltou com força total pelo resto da tarde e no dia seguinte, cancelando e dificultando diversas atividades como a pintura de camisas. Mas fez a turma se reunir procurando refúgio, se tornando um espaço para conversas e jogos entre nós. A despedida no domingo foi encantadora, toda a turma participando com os guaranis em danças e cantos. Eu me sentei no ônibus com paz e uma grande felicidade. Continuei assim em casa e ainda nos dias seguintes.

Resultado

Os relatos que eu ouvi eram verdade. Eu tive uma experiência de autoconhecimento por ter estado dentro de um ambiente leve, silencioso, sem a regulação do relógio, e o medo interiorizado que gera tristeza e estresse. Eu tenho agora grande admiração pela cultura guarani e pela luta indígena.