Wikinativa/Thaluana Pereira Gabriel (vivencia Guarani 2018 - relato de experiência)
1. Introdução
editarO objetivo da universidade é gerar conhecimentos que ajudem a sociedade prosperar, porém com o passar do tempo a academia na sua constante busca pelo conhecimento se fechou em si mesma e acabou por excluir a sociedade que tanto quer ajudar. Tendo isso em mente a proposta da disciplina era nos proporcionar além da experiência, do empirismo, proporcionar vivências.
O momento não poderia ser mais conturbado e talvez por essa razão tão oportuno, o contexto de eleições presidenciais deixaram tensos aqueles que se preocupavam com a proteção dos grupos minoritários, a academia que tanto se isolou da sociedade não conseguiu ter voz ativa. Na minha perspectiva essa disciplina é uma tentativa de ultrapassar os muros da universidade, e mais do isso, torná-la acessível para toda sociedade, durante o decorrer da disciplina recebemos vários convidados que nos elucidaram um pouco da situação dos povos indígenas no Brasil, recebemos a Cacica Geni que nos contou sobre a luta para demarcação de terras e as provações que ela e a família sofreram antes dessa conquista.
2. Vivência Jaraguá
editarAo visitar a aldeia do Jaraguá, eu fiquei surpresa com quão perto da cidade a aldeia estava localizada, e depois da tarde que passamos lá, eu cheguei a conclusão que essa proximidade não fazia bem a ninguém. Somos uma sociedade moderna, tecnológica e orgulhosa, temos a mania de acreditar que o nosso modo de viver é melhor do que o dos outros, muitas vezes na intensão de ajudar tentamos mostrar as maravilhas de se viver nas cidades, tentando convencer e impor que sabemos mais. Digo isso porque o que presenciei lá foi as dificuldades de uma comunidade carente nos grandes centros urbanos: o espaço era pequeno, uma superpopulação de cães doentes, situações precárias de saneamento e as casas de construções simples de madeira e outros materiais.
A tribo tem população de 700 pessoas, das quais 400 são crianças que moram em 3 hectares de terras demarcadas, nem de perto o suficiente. A situação fica ainda mais crítica quando tomamos ciência que a promessa de destinar 532 hectares a essas pessoas em 2015 foi quebrado. em uma manobra inédita executada pelo governo Temer. Ao impormos nosso modo de vida a esse povo, tiramos um pouco do orgulho desse poderoso povo guerreiro a submete-los a viver num cercadinho de terra, longe da Mãe Terra, distante assim de tudo o que é querido e precioso para eles: a fé, a espiritualidade, o modo de vida, a cultura, a língua; nós brasileiros tiramos muito dos povos originários, dos verdadeiros donos dessa terra.
Por isso, o objetivo dessa vivência era construir, somar; erguemos uma casa de reza, uma construção singela de pau a pique mas com grande significado para aquele povo. É na casa de reza que são celebrados todos os acontecimentos e ritos, desde o nascimento à morte, tudo é celebrado aos olhos da comunidade e de Nhanderú. Confesso que nunca pensei que participaria da construção de qualquer casa, muito menos uma construção que envolve-se barro, me achei inadequada e despreparada para a tarefa, mas no final a casa foi erguida e ficou como presente para essa tribo que apesar das dificuldades (e talvez por causa delas) busca de conectar com a sua fé.
3. Vivência Rio Silveiras
editarRealizamos uma viagem para a tribo Rio Silveiras, localizada em Bertioga, durante o feriado de outubro. A experiência na tribo do Jaraguá não me preparou para essa nova experiência, pois a situação entre as duas aldeias não poderia ser mais distantes, os nossos parentes em Bertioga tem a terra que faltava no Jaraguá, o contato com a natureza aqui era constante, e depois de alguns dias a vida na cidade parecia uma realidade distante. Tudo era visto de uma nova perspectiva: a chuva, a terra, o sol, a lama, as cachoeiras, as árvores, os animais. Acostumados com a selva de pedra até andar na terra foi um desafio, pode parecer pequeno mas nunca tinha percebido como somos dependentes do asfaltos, desafiamos a natureza diariamente com o nosso modo de vida, e ao me deparar com a terra e com a lama eu cai, indefinidas vezes, foi uma batalha para adquirir leveza e recuperar o equilíbrio. Pode parecer banal mas foi o que me fez questionar o meu modo de vida, me vi repetidas vezes olhando como até as crianças de lá já tinham essas qualidades que para nós parece tão distante, enquanto eu estava suja e cansada de lutar contra a lama as crianças corriam, brincavam e pulavam e permaneciam iguais.
A casa de reza foi difícil para mim que estava acostumadas com os templos das religiões ocidentais, grandes, suntuosos e confortáveis mas o que eu presenciei durante a vivência foram demonstração de fé e força inspiradoras, como uma sociedade fundada com base numa religião eurocentrista fomos levados a acreditar que só o nosso Deus tem poder, que a nossa fé é superior, porém os povos originários tem uma maneira diferente de expressar a sua espiritualidade, a natureza é sagrada, as terras são sagradas mais do que isso a terra é mãe que cuida e provê. Nhanderú é um Deus que guarda o seu povo, que protege e sem ele os povos indígenas não teriam sobrevivido a 518 anos de invasão do homem branco.
É claro que o objetivo dessa vivência também era ajudar e somar na vida cotidiana da tribo, mas no final foram eles que nos enriqueceram, nos confortaram. Tempos difíceis sempre chegam, e luta deles não acaba enquanto tiverem algum parente sem terra, mas eles ainda estão aqui, lutando, resistindo e nunca desistindo. Enquanto Nhanderú quiser eles estarão aqui.
4.Conclusão
editarPosso dizer que a disciplina foi enriquecedora, tivemos como aprendizado levar o conhecimento para fora da universidade porém mais que isso a disciplina permitiu conviver com outra cultura, entender seus problemas e conquistas além de nos tirar do pedestal de sociedade moderna eurocêntrica, temos muito que evoluir, e essa evolução não vai ser feita pela busca vazia e desenfreada pela tecnologia e "progresso", e sim lembrar que a terra é mãe, e mãe se protege e não se mata ou destrói.