Wikinativa/Vivência na aldeia Guarani Rio Silveiras 2019-2/Relatório do Grupo Arte e Música (2019-2) (2019-2)

Introdução editar

Este relatório foi elaborado a partir da vivência de três dias (15, 16 e 17 de novembro de 2019) na Aldeia Rio Silveiras. A vivência faz parte da disciplina optativa Seminários de políticas públicas VII, do Curso de Gestão de Políticas Públicas da EACH-USP, onde se discute a temática indígena em diversos níveis e com diversos interlocutores: desde entender os processos de ocupação da América Latina pré-colonização pela ótica da antropologia, até debater com indígenas, de mais de uma etnia, como é a realidade dessas populações nos dias atuais. A proposta da vivência foi exatamente explorar, de forma ainda mais completa e legítima, a realidade dos povos originários. Para esses dias, os alunos se dividiram em cinco grupos que se responsabilizaram por diferentes atividades a serem realizadas na aldeia. Nosso grupo ficou com a temática de "Arte e Música", e desenvolveu as atividades de: cinema, oficina de mandala e roda de música.

Porém, antes de descrever como foi esta experiência, faz-se necessário entender o contexto da Aldeia que visitamos: a Terra Indígena Rio Silveiras está localizada no município de Bertioga, litoral norte do Estado de São Paulo, foi demarcada em 1982 com mais de 984,4 hectares (FUNAI) e faz parte da Área de Proteção Ambiental da Serra do Mar. Hoje estima-se que nos 5 núcleos da Aldeia vivam cerca de 600 famílias.

 
Cacique Adolfo numa conversa com o Grupo

De acordo com as lideranças da Aldeia Rio Silveira, a maioria dos povos originários do Brasil, de diferentes tradições e línguas, buscam a harmonia e a sinergia na condução de suas lutas e reivindicações. Além disso, a luta desses povos estão conectadas com a realidade de significativa parcela da sociedade brasileira, especialmente com as demais sociedades tradicionais, como as comunidades quilombolas,  ribeirinhas e de fundo e fecho de pasto. Um dos principais pontos que conectam as lutas desses povos são as reivindicações de pautas como a efetivação da demarcação territorial dessas comunidades. As demarcações, além de trazerem segurança jurídica contra a invasão e grilagem de terras, também, proporcionam maior tranquilidade para a reprodução da expressiva diversidade cultural, bem como dos tradicionais modos de vida, que acima de tudo, traz o respeito à natureza como valor indissociável.

Sabe-se que um dos principais meios de subsistência dos povos originários, é a confecção de artesanato para venda. É dessa atividade que se garante parcela do sustento de uma aldeia. Ademais, boa parte dos cantos e das danças praticada por esses povos sobreviveram à colonização e são reproduzidos até os dias atuais. Dentro de uma aldeia Guarani, como é o casa da Aldeia Rio Silveira, o principal local de resistência e reprodução cultural é a casa de reza. É nesta casa onde acontecem e são reproduzidos intergeracionalmente a maioria dos rituais sagrados.

Elaboração das Atividades editar

Na elaboração das atividades, iniciada em sala de aula, nosso grupo teve preocupação especial na seleção das propostas de atividades que envolviam arte e música, pois não queríamos introduzir culturas dos juruás de forma impositiva, pelo contrário, nosso objetivo, desde o início, foi apresentar nossas artes que se relacionassem com os povos originários ou que deles tivessem origem. Nesse contexto, uma das prioridades que prevaleceu nos debates foi a de interação, pelo que buscamos propor atividades que dispersassem interesse e pudesse ensejar troca de conhecimento entre nós.

A partir dessas premissas, muitas ideias surgiram de todos os integrantes e houve convergência nas seguintes:

  1. Projeção de filmes, documentários e animações que tratassem o tema dos povos originários, com a intenção principal de discutir sobre o que é apresentado entre os juruás e o que, de fato, faz sentido na vivência real deles;
  2. Roda de música com instrumentos de percussão, os quais eles têm maior intimidade;
  3. Oficina de mandala, pensando numa habilidade prévia com o manuseio das lãs e palitos.

Com as atividades estabelecidas, surgiram novos debates, como por exemplo sobre os títulos a serem selecionados para exibirmos na Aldeia, quais fariam maior sentido?, também sobre quais seriam as melhores cores de lã para fazermos as mandalas. No fim, os títulos foram retirados de uma fornecedora de filmes na qual um dos integrantes do grupo trabalha, suas sinopses foram disponibilizadas em um grupo do Whatsapp criado pelos integrantes para prosseguimento das discussões além das aulas e houve votação nesse grupo, escolhendo-se os títulos imaginando um público adulto. Além disso, no tocante às cores, optamos por um paleta de cores que se fizesse presente na natureza, sendo elas:  verde, amarelo, vermelho, laranja, marrom e preto.

A partir do estabelecimento das atividades também separamos algumas tarefas e itens necessários para a execução de cada atividade, nos comunicando por meio do grupo no Whatsapp, extrapolando os contatos em aula para termos uma comunicação e cuidado entre nós ainda maior.

Execução das atividades editar

Cinema editar

Chegamos na Aldeia Rio Silveiras às 16h, sentimos um pouco o lugar e montamos as nossas barracas. Enquanto os integrantes do grupo “Alimentação Saudável” cozinhava nossa janta, começamos a executar uma das atividades idealizadas pelo grupo, a do “Cinema”. Assim, executamos o “Cinema” na primeira noite do grupo na aldeia, em uma sessão anterior ao início da reza daquele dia e em outra posterior.

Exibimos documentários projetados em um telão branco ao lado da antiga Casa de Reza da Aldeia. Ressalta-se que para o desenvolvimento dessa atividade houve um trabalho coletivo e colaborativo de todos, pontuando-se a ajuda do grupo “Infraestrutura”, que montou as tendas e o telão branco; a ajuda de Caio, morador da Aldeia, que cedeu o seu notebook para acessarmos os arquivos de vídeo e a ajuda de diversos alunos, que rotearam suas respectivas redes móveis para acessarmos à internet e, então, carregarmos os vídeos a serem exibidos.

A primeira exibição foi de um curta-metragem de 9 minutos, chamado “Pajerama”, ganhador de prêmios como Melhor Curta de Animação do FestCine Amazônia em 2008 e Melhor Curta de Animação do Festival Audiovisual Mercosul em 2008; e participante de eventos cinematográficos muito importantes como o Festival Anima Mundi de 2009. Trata-se de curta baseado na história de um jovem indígena habitante da cidade de São Paulo, que, ao caminhar pela então floresta, vai se deparando com o surgimento de elementos urbanos, como por exemplo estações de metrôs, trânsitos, poluições visuais e sonoras, trazendo, em suma, uma crítica ao espaço urbanizado que se impõe de modo agressivo ao ambiente florestal, além de perpassar a fisionomia de angústia e agonia do pequeno indígena que se vê, sem escolha, posto nesse processo repentino e voraz de urbanização.

Em sequência, exibimos “Impactos Socioeconômicos do Turismo na Aldeia Silveiras”, documentário produzido por Maria Gabriela Pereira, aluna do curso Lazer e Turismo da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), cujo conteúdo é formado por cenas gravadas por Gabriela em 2017, contendo relatos de moradores, caciques (Afonso e Mariano) e também de estudantes da EACH, como Carlos Henrique.

Por fim, exibimos “A Lenda da Vitória Régia”, retratando uma lenda brasileira de origem tupi-guarani, segundo a qual a vitória-régia, planta aquática símbolo da Amazônia, é originalmente uma índia que se afogou após se inclinar no rio para tentar beijar o reflexo da lua. Para os índios, a lua era Jaci, por quem a índia estava apaixonada. Trata-se de lenda narrada, no documentário, pela própria filha do Pajé da Aldeia Rio Silveiras.

O resultado dessa atividade foi bastante satisfatório. Houve interesse tanto por parte dos estudantes quanto por parte dos moradores da Aldeia, notadamente as crianças e jovens. Desse modo, tratou-se de momento de lazer compartilhado entre os estudantes e os moradores da Aldeia, principalmente as crianças e jovens. Contudo, cumpre dizer que se tratou de mais do que um momento de lazer, tendo sido uma oportunidade de nós, estudantes, conhecermos mais sobre a cultura indígena. Além disso, os conteúdos dos documentários, bem densos, propiciaram um momento de reflexão acerca de algumas das questões indígenas.

Em relação à densidade dos conteúdos dos documentários, a escolha justifica-se em razão das expectativas que tínhamos em relação ao que seria nosso público alvo, pelo que esperávamos um público mais adulto e, na prática, acabamos tendo um público infanto-juvenil. Definitivamente, as crianças se mostraram muito interessadas na atividade, o que foi uma surpresa boa para nós, mas devemos confessar que definimos nossa programação de exibição levando em consideração um público mais velho.

De todo modo, para concluir, o grupo enxerga a execução dessa atividade como satisfatória, tendo sido uma escolha muito feliz.

 
Mandala começando a ser produzida por uma criança Guarani

Oficina de Mandala editar

A mandala foi uma de nossas escolhas para atividade artística na Aldeia. A sua efetivação e execução superaram nossas expectativas, foi muito bem aceita e desenvolvida pelos indígenas e por outros participantes da vivência, teve como engajamento mais efetivo adolescentes, e crianças, sendo muitos bem pititiquinhos.

Devido à existência prévia de habilidade artística entre todos por motivo de já terem contato com diversos artesanatos o resultado foi muito produtivo, desenvolveram mandalas muito lindas, por crianças de todas as idades, um belo trabalho artístico.

 
Adultos, alunos e crianças na produção de mandalas - Aldeia Rio Silveiras

De início atraímos os olhares e atenção de mulheres adultas, adolescentes e crianças. Começamos a desenvolver a atividade, ensinando àqueles que não sabiam fazer, muitas mulheres já tinham conhecimento de como confeccionar devido a um contato anterior com esta prática, já que uma das origens da mandala é também indígena, sendo realizadas por povos originários da América Latina, apesar de ter diversas origens em países distintos.

A capacidade de concentração dos mais jovens e crianças na atividade nos chamou a atenção! Desde que sentaram pra realizá-la ficaram deslumbrados, gostaram muito da proposta e da realização, focaram toda a sua atenção para aquilo.

Seguimos o fim da tarde e começo da noite fazendo as mandalas com eles.

Por volta da 19h com o início da reza propusemos que nos dirigíssemos a cerimônia, muitas crianças não quiseram a princípio, queriam muito continuar com a realização da atividade, acabamos recolhendo parte dos materiais e nos dirigindo a casa de reza.

Logo após o término da reza as crianças e adolescentes pediram o restante dos materiais para continuar a fazer mandalas, e só pararam por volta das 23 horas, quando os palitos acabaram.

 
Roda da oficina de mandalas

Avaliamos que nossa atividade teve um ótimo resultado, gerou interação, troca e aprendizado entre todos nós, percebemos a facilidade que a maioria tinha em aprender e confeccionar expressões artísticas encantadoras, entendemos isso como um dos resultados de uma criação que os permite crescer mais autônomos, além de ver a felicidade deles naquele momento, tendo a oportunidade de compartilhar este instante juntos!

Musica editar

A música foi a terceira atividade desenvolvida pelo grupo, a justificativa do exercício era de a partir de uma atividade em que os povos originários estão acostumados, estabelecer uma forma de interação maior com a comunidade entre os próprios alunos da matéria.

Levamos:

 
Grupo em volta de fogueira cantando e tocando - Aldeia Rio Silveiras
  • 1 Violão
  • 1 Cajón
  • 1 Tambor
  • 1 Cuíca  

A prática começou depois da reza - por volta das 21h30 - e consistiu em uma espécie de “luau”, onde sentados em roda em volta da fogueira.

Inicialmente estava um pouco vazio, mas a galera foi se juntando aos poucos quando foram ouvindo a música. O legal que a atividade estava acontecendo no momento em que foi servido a janta, então as pessoas começaram a comer na roda de música.

A expectativa era de integrar e juntar mais os adultos e crianças, porém, o grupo acredita que devido ao horário, acabou tendo menor participação das pessoas do que esperado, onde os adultos e os alunos da matéria estavam se preparando para dormir pois eles dormem cedo e havia sido um dia cansativo. Além disso, as crianças se interessaram muito pela oficina de mandala e estavam confeccionando desde a tarde. Mas o ponto positivo foi a  participação das crianças e a integração com os próprios alunos da matéria onde tocaram instrumentos, ajudaram a cantar e propôs diversas músicas. Teve risada, abraços e alegria. O grupo acredita também que tal atividade aumentou a união dos alunos.

Conclusões editar

O grupo conseguiu executar a maioria das atividades dentro do previsto, apresentamos a maioria dos vídeos propostos, tanto os documentários quanto os curtas. Apesar dos vídeos apresentarem uma temática mais adulta e o público mais presente ser em maior parte infantil, a atividade se mostrou bastante acolhedora, pois foi uma forma de aproximação com os moradores da aldeia.

Da mesma maneira se seguiu a roda de música. Utilizamos mais instrumentos de percussão, instrumentos que o povo da aldeia tem mais intimidade, além do violão. Semelhante à sessão de vídeos, a roda de música não só tornou nossa presença na aldeia mais receptiva como também ajudou a nos aproximar como turma e nos descontrair com esse pequeno luau que se desenrolou à beira da fogueira.

 
Alunos da USP que participaram da Vivencia

A oficina de mandalas durante o dia foi uma das atividades mais satisfatórias, a grande maioria das crianças e da turma participaram e se mostraram bastante contentes e cooperativas, ajudando uns aos outros e se divertindo ao mesmo tempo que aprendiam.

Além disso conseguimos nos entrosar e ajudar outros grupos, auxiliando e participando proativamente de algumas tarefas, como na fotografia e nas brincadeiras. Tudo de maneira muito orgânica e natural, realizamos as tarefas sem necessariamente seguir roteiros; de modo prático tudo ia se moldando à sua forma e apresentava um resultado bastante positivo no fim das contas.

Acreditamos que a vivência com os povos originários acrescentou experiência significativa em nossa bagagem como futuros gestores de políticas públicas, mostrando a importância da preservação da cultura indígena e as políticas públicas tanto executadas como ainda necessárias para que eles possam conviver da maneira que desejam, sem deixar de lado seu estilo de vida e cultura.