Wikinativa/William Barros Albuquerque de Melo (vivencia Guarani 2019 - SMD - relato de experiência)

Nome: William Barros Albuquerque de Melo N°USP: 9777174

Introdução

Este relatório tem como objetivo revelar as minhas experiências na viagem de campo da disciplina ACH3648 - Seminários de Políticas Públicas Setoriais III no dia 21 de Setembro na aldeia do Jaraguá,além da aldeia de Bertioga, entre os dias 15 e 17 de Novembro de 2019. A proposta é fazer com que os alunos possam absorver conhecimento sobre os povos originários além da parte teórica pautada por textos e aula expositiva, ou seja, ter um conhecimento prático através da imersão cultural e trocas de experiência do aluno com a comunidade de forma a entender o dinamismo sociopolítico intrínsecas às aldeias. Esta foi a segunda experiência em uma aldeia, a primeira vez foi justamente no Jaraguá.


Vivência Aldeio Aldeia Jaraguá

A visita aldeia do Jaraguá foi antes de tudo, uma experiência muito marcante, pois me permitiu a reconhecer diversos preconceitos que ainda carregava, além de entender a complexidade do problema e entender ainda mais a importância da demarcação de terras.

A aldeia de Jaraguá é localizada da região metropolitana - ao lado do Prque Estadual do Jaraguá - sua extensão corresponde 1,7 hectares de terras demarcados e reconhecidos pelo governo Federal - a menor reserva indígena no país. Inclusive a justiça  federal, em 2017, derrubou em em caráter liminar uma portaria que tirava o direito dos indígenas em ocupar uma parte da área, a decisão do governo Temer permitiu a permanência da comunidade no local.  

A comunidade é composta por cinco núcleos, sendo divididas por estradas e por casas pequenas. Ao chegar na aldeia, me deparei com um local de grande vulnerabilidade social e muito pequeno, dificultando a cultivo alimento, plantas nativas e acesso ao saneamento básico, ou seja, a autonomia da aldeia fica comprometida. onde os indígenas acabam tendo acesso a alimentação, saúde e educação fora da aldeia.

Me chamou atenção atenção também - em um segundo momento - duas crianças que estavam visivelmente empolgadas com a nossa presença tentaram estabelecer algum tipo de contato - sorrindo e perguntando o nome. Ao adentrar mais na aldeia tive contatos com mais crianças que estavam super felizes brincando comigo e com a turma demonstrando afeto, simpatia e receptividade. Pude perceber que as casas eram pequenas e estruturas - como tanquinho, panela e comida  -eram compartilhadas pela comunidade.

A grande aproximação - física e cultural - da aldeia com a área urbana e o seu pequeno tamanho acaba provocando diversos conflitos:

  • Obstáculo a autonomia da aldeia: o acesso à alimentação, educação e saúde acaba sendo feito fora da aldeia;
  • Crianças têm constante acesso às estrada bastante movimentadas, ocasionando uma situação perigosa;
  • Grande quantidade de animais - principalmente cachorros e galinhas -  que são abandonadas pelos moradores da região. Os indígenas acabam cuidando devido a sua forte relação com a natureza;

Após uma breve passagem em dois núcleos, fomos até a casa de reza antiga. Foi interessante analisar que os meninos ficaram de um lado e as meninas ficaram do outro, e foi o momento da Sônia - líder Guarani -  falar um pouco sobre como o atual momento político está interferindo na vida da aldeia e dos povos indígenas como um todo. Foi interessante notar, através da fala, que ela enfatizou a luta diária de sobrevivência desde 1500 dos povos indígenas, logo, criticou também governos anteriores em relação à causa indígena, e que o atual governo é pior. Ela comentou também sobre a - Ysani Kalapalo, uma indígena pró Bolsonaro - que a aldeia “não está fechada com ela”, ou seja, que não apoia as decisões e o discurso dela onde são baseado em fake news. Por outro lado, comentou sobre os apoios que estão recebendo de artistas tal como Maria Gadú, Criolo e KL Jay. Por fim, agradeceu a presença de todos.

Em seguida fomos até uma outra casa de reza -que foi construída em 2018 com ajuda dos alunos da EACH -  onde nós cantamos e dançamos. Infelizmente não pude ficar até a janta devido a um compromisso familiar, mas foi um momento de união onde senti uma conexão muito forte com a aldeia e com a natureza. Foi um sentimento único.


Vivência Aldeio Rio Silveiras

A aldeia do rio Silveiras fica localizada no Parque Estadual da Serra do Mar, entre os municípios de Bertioga e São Sebastião, sua extensão é de 984,4 hectares, uma área demarcada e reconhecida pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e povoada também pela etnia Guarani, como no Jaraguá. Sua diferença está na localização geográfica, além de ser maior, está mais afastado do contexto urbano, onde o maior e melhor acesso a mata atlântica possibilita viver em uma situação de menor vulnerabilidade ao se comparar com o Jaraguá. Chegamos na aldeia por volta das 16h30 devido ao trânsito. No começo da tarde, enquanto um grupo estava preparando a janta, a galera estava um pouco dispersa, mas com o passar do tempo, principalmente após colocarmos um vídeo, a comunidade - principalmente as crianças - já foram se aproximando e tendo maior contato, de maneira natural com os alunos da matéria. Nesse momento me chamou atenção a grande receptividade da comunidade e principalmente das crianças, super animadas, sorrindo e abraçando todo mundo. Por volta das 19h demos início a reza, foi um momento muito marcante, onde inicialmente observei bastante o contexto, e devido a grande receptividade já estava dançando de mãos dadas com os parentes, foi um momento onde me senti muito energizado e unido com os povos originários e os colegas da matéria. No fim da reza, o pajé agradeceu a nossa presença e contou um pouco sobre a história da aldeia, onde disse que foram permitindo a presença dos juruás (não-indígena) aos poucos, principalmente, após o projeto dos colaboradores da EACH. Além disso, falou sobre sobre a articulação de outros núcleos indígenas da região, que apesar das pequenas diferenças culturais e linguísticas eles mantém contato para troca de informações experiência e uma forma de proteção e sobrevivência. Após a reza, nós jantamos, a comida estava excelente. No segundo dia, acordamos cedo e tomamos um excelente café da manhã. Logo depois, realizamos a trilha até a cachoeira, mas no caminho podemos conhecer a escola que atende as crianças da aldeia, fiquei muito feliz em ver a escola bem estruturada. Logo depois, fomos até outro núcleo, onde o líder falou um pouco sobre seu papel a luta constante pela sobrevivência da comunidade, sobre a importância da natureza, como se constrói estruturas de moradias e ainda falou da importância dos (juruás) em apoiar a causa deles, inclusive até chamou uma colega nossa advogada a ficar lá na frente. Após a fala seguidos a caminhada, onde distribuíram mudas de plantas para que pudéssemos plantar. Eu plantei uma guabirola - ela é rica em proteínas e cresce rápido - próximo a uma antiga aldeia, hoje não existe mais, e tal atividade criou um respeito e uma aproximação maior com a natureza, não plantava desde criança, e percebi como as rotinas relacionadas a trabalho e faculdade faz a gente não dar atenção a detalhes importante que é o trato com a natureza. Na cachoeira conversei e conheci mais amigos da matéria, e nas pedras pude conhecer duas crianças indígenas que cantaram e se divertiram com a gente. Me chamou atenção também a liberdade e autonomia e expertise que têm as crianças, onde sabiam andar nas pedras muito bem e conheciam alguns animais marinhos. Na volta realizamos atividades com mandalas, foi curioso notar o interesse e a expertise em atividade artesanais, aprenderam rapidamente e foram ensinando outras crianças que chegavam na roda, e foi o momento onde conheci e me encantei pela Jasmine, uma criança de 05 anos que fez uma mandala para mim (foto em anexo). Lindalva também uma criança super carinhosa onde pude conhecer melhor. Mais tarde, demos início a reza novamente, foi um momento onde o pajé realizou um ritual de fortalecimento físico e espiritual, e teve maior participação da galera. Foi mais um momento onde me senti energizado, forte e pertencido/acolhido ao local. No último dia, os indígenas realizaram uma atividade para nós, uma dança onde tínhamos que ficar pulando obstáculos, fazer movimentos circulares.

Conclusão

Quanto a aldeia do Jaraguá, de modo geral, acredito que dá pra resumir essa viagem em três palavras: descaso, união e resistência. Pude perceber e reafirmar o descaso - político, social, econômico e legal do Estado e do homem branco com as questões indígenas, foi triste vê-los e estar presente naquela situação. União no sentimento que os povos indígenas entende o ser humano e a natureza em uma interação harmônica de plena sabedoria e respeito, além da união entre todos nós seres humanos (indígenas e não-indígenas), em um tratamento pautado pelo respeito ao próximo e muito receptivo, onde eles falam baixinho, escutam e prestam atenção quando o outro está falando, olho no olho, respeitam o tempo natural das coisas e as diferenças. E resistência, pelo grande histórico de luta que se mantém até hoje, particularmente é uma região que já enfrentou uma possível diminuição de terras, sofrem pressão constante do governo e da sociedade, caso de dengue e um recente caso de incêndio, e continuam firmes sobrevivendo a fim de perpetuar a cultura, o conhecimento para as próximas gerações. Saio de lá com um olhar mais crítico e mais amplo da complexidade que envolve a causa indígena e a aldeia Jaraguá, em particular. E na minha vida também!

Já passar alguns dias na aldeia de Bertioga foi com certeza uma das melhores experiências da minha vida, pude refletir sobre o meu trato com o tempo, comida, natureza e com os seres humanos.Nem tudo saiu como o planejado, mas as coisas foram acontecendo de maneira orgânica. Me chamou atenção a grande união da sala, onde todo mundo conseguiu realizar as atividades que propôs, aconteceu muito respeito e solidariedade ao próximo. Os indígenas se respeitam muito, onde cuidam um do outro e prestam atenção quando o outro está falando. Me chamou atenção a união, compromisso e articulação das lideranças indígenas com outros núcleos e outras aldeia, o pajé mesmo estava contando sobre sua agenda onde iria até a barra funda em um evento.

Outro ponto importante de analisar foi liberdade, autonomia, energia e expertise das crianças em relação às atividades (música, dança, bambolê, oficina de mandala, etc.) que foram desenvolvidas. Ficou muito claro que as crianças são estimuladas a serem resistentes, unidas, receptivas e com maior expertise as artes. Esse contato me deixou uma pessoa mais pacífica, solidária e admirador da cultura e defensor da causa indígena. Então vai aqui um agradecimento a aldeia, aos professores e monitores e membros da AUPI e a todos os grupos: fotografia, brincadeira, infraestrutura, arte/ música e principalmente ao grupo da comida que proporcionaram um dos finais de semanas mais marcantes. Se tivesse que escolher uma palavra que representasse a experiência seria: união.