Aula 9: Economia da Atenção, Influenciadores e Curadoria editar

Lei de Pareto e a Cauda Longa editar

 
Chris Anderson

A imagem da Cauda Longa está diretamente colocada em contraste com a chamada "Lei de Pareto" ou Lei dos 80/20. Em seus estudos sobre a distribuição da riqueza em uma sociedade, Pareto observou que 80 por cento da riqueza concentrava-se em 20 por cento da população. Esse padrão poderia ser expandido e indicava, por exemplo, que 20 por cento dos produtos de uma loja seria responsável por 80 por cento do seu lucro. Ou que 80 por cento do que é aprendido em uma aula está concentrado em 20 por cento do tempo da atenção do aluno.

“A manifestação mais conhecida das distribuições Pareto/Zift é a Regra 80/20, que geralmente é usada para explicar que 20% dos produtos geram 80% das receitas, ou 20% de nosso tempo é responsável por 80% de nossa produtividade, e numerosas outras avaliações que apresentam essa característica comum de uma minoria exercer impacto desproporcional. Entretanto a Regra 80/20 é sempre mal interpretada, por três razões. Primeiro, nunca são extamente 80/20. A maioria dos mercados de grandes estoques que eu estudei é 80/10 ou até menos não mais de 10% dos produtos geram 80% das vendas. (ANDERSON, 2006 p. 129)

Esse modelo está relacionado a uma sociedade marcada pela escassez, ou seja, baseada em limites de recursos, de espaço, de tempo e de capacidade de distribuição do que é produzido. A própria definição de Economia está relacionada a alocação de recursos escassos para atender necessidades humanas ilimitadas. No entanto, o que começou a se tornar significativo no mundo contemporâneo (com a "economia" da informação) foi o desenvolvimento de uma sociedade de abundância, marcada pela crescente digitalização e registro de dados, aumento na capacidade de armazenamento, baixa dos custos de produção e de distribuição de objetos digitais, ampliação do acesso a eles etc.

"De modo mais amplo, Cauda Longa tem a ver com abundância. Abundância de espaço nas prateleiras, abundância na distribuição, abundância nas escolhas. Portanto soa estranho que uma das definições de economia na Wikipédia seja: Economia: S.f. Ciência social da escolha em condições de escassez (...) Mesmo as ideias, em certo nível, podem ser consideradas abundantes pois são capazes de propagar-se sem limites, em face de sua natureza de ‘não-rivalidade’. Como disse Thomas Jefferson, pai do sistema de patentes dos Estados Unidos, ‘Quem recebe minhas ideias adquire sua própria instrução sem diminuir a minha, assim como quem acende sua vela na minha recebe luz, sem obscurecer a minha’ ”. (ANDERSON, 2006 p.142-143)

Na música, isso pode ser visto com o aumento de lançamentos de novas bandas que não precisavam ter hits para serem interessantes comercialmente. Elas podiam atuar com relativa estabilidade em mercados de nichos. As pequenas bandas ou bandas não muito populares encontraram modos de produção com custos relativamente baixos (baixos custos de edição, hospedagem e de distribuição de seu trabalho).

O formato da Cauda Longa se deve à imagem gerada pelo gráfico que vai dos hits até os lançamentos com um número muito reduzido de fãs. Portanto, o conceito de cauda longa é esse fenômenoː produtos que nunca chegariam às prateleiras dos grandes distribuidores, agora, estão acessíveis.

Mas, é preciso lembrar que a abundância em diversas áreas pode gerar novos tipos de escassez em outras. Este é o caso da nossa atenção (SHAPIRO e VARIAN, 1999). A abundância nos obriga a lidar com o caos e com os possíveis novos critérios de relevância entre tudo aquilo que é publicado.

Os fenômenos de Cauda Longa foram possíveis, então, devido a três forças poderosasː

1.) a democratização das ferramentas de produção (responsável pela abundância de publicações)

2.) a democratização dos sistemas de distribuição (o que acabou por gerar a plataformização da internet)

3.) a capacidade de produzir mecanismos de integração entre a oferta e a demanda pelo que é produzido (os mecanismos de filtragem/sabedoria das multidões)

Esta última força, ficou conhecida como a "sabedoria" ou "poder" das multidões (Howe, 2009) e ela está diretamente ligado à lógica dos filtros.

Em primeiro lugar, as sociedades são marcadas por diferentes tipos de filtros. Na sociedade da escassez, "... em que há disponibilidade limitada nas prateleiras, nas telas e nos canais, criaram-se indústria inteiras de descobertas de promoção das coisas boas... A palavra-chave é ‘previsões’ (ANDERSON, 2006 p. 120)". São os pré-filtros, os gatekeepers, aqueles que são responsáveis por antecipar o que entrará ou não no mercado.

Na economia da informação, funciona a lógica dos pós-filtros, ou seja, publique e, depois, filtre. Embora seja, possível identificar padrões de sucesso (dados/algoritmos) é importante deixar que a modulação provocada pelo movimentos dos usuários siga um possível curso inesperado.

Broadcast/ Socialcast e os filtros editar

A mídia primária tinha esteio no formato Broadcast e propagação de única direção. Total "passividade" do receptor da informação, limitado ao que os selecionadores de notícias escolhiam para veicular (gatekeepers), portanto pouquíssima participação do receptor, que tinha as informações apenas do que era selecionada por outrem.

Com advento da internet e o surgimento de plataformas, mídias sociais, com o objetivo de divulgar, elaborar, compartilhar conteúdo, notícias, informações, o receptor é mais ativo e interage com o comunicador com mais afinidade e maior tempo, em uma interação mais duradoura e fiel. O modelo mais interacional, conhecido socialcast, cuja propagação da informação é de muitos para muitos, beneficiados pela tecnologia.

 
PC Siqueira no Barcamp. Um dos primeiros youtubers brasileiros a fazer sucesso na internet. Dono do canal "Mas poxa vida"

Sob a égide de um formato Socialcast – surge a figura dos influenciadores digitais – youtubers, blogueiros, vloggers etc. São os criadores de conteúdo dos mais diversos temas para os mais diversos propósitos, como por exemplo, moda, culinária, saúde, educação, comportamento, estética, esportes, política, economia, etc. São formadores de opinião na rede e exercem forte influência na decisão de compra dos consumidores-seguidores.

Trata-se de novo nicho mercadológico de marketing digital, pois esses influenciadores são cotados para representar marcas e produtos para propagar a qualidade e as vantagens de um sobre o outro. Neste novo mercado, a credibilidade e a confiança que o influenciador tem são primordiais. Portanto, este não irá submeter-se a colocar em risco seu público e sua reputação não fazendo boas indicações e criando conteúdos de qualidade para agradar um público cada vez mais exigente. Muitas vezes, atuam no princípio da autoridade na Teoria da Persuasão, de Robert Cialdini, emprestando suas experiências e conhecimento no assunto como chancela de qualidade e confiabilidade.

Observa-se que qualquer pessoa pode ser tornar um produtor de conteúdos, bastando definir sua área de interesse, facilitados pelas plataformas e mídias sociais e isso soma-se à máxima de que qualquer usuário conectado é um potencial produtor de conteúdo (TERRA, 2017). Se qualquer pessoa pode ser um influenciador, percebemos que este mercado está sendo pulverizado com o surgimento dos microinfluenciadores, ou seja, influenciadores de pequena audiência ou de nicho.

Influenciadores e o mercado publicitário editar

 
Paolla Oliveira, atriz brasileira que deu vida à influenciadora Vivi Guedes na novela A Dona do Pedaço, da Rede Globo, 2019.

Devido ao seu alto grau de engajamento com os seguidores, os influenciadores estão sendo cada vez mais considerados para campanhas publicitárias. Podemos notar que muitos deles viraram garotos-propaganda de marcas de sucesso, fazendo com que essa marca chegue até seu público. Tal característica é reforçada em pesquisas, como a realizada pela Qualibest em 2018.

Em matéria divulgada no periódico Meio & Mensagem[1], podemos ver que os influenciadores já são a segunda fonte para tomada de decisão, perdendo apenas para a indicação de parentes e amigos.

Esse advento dos influenciadores não ficaria apenas restrito ao mundo digital. Percebendo o alto índice de engajamento, a emissora Rede Globo criou a personagem Vivi Guedes na novela A Dona do Pedaço, que retratava o dia a dia de uma influenciadora digital do tema lifestyle, onde fala-se sobre tudo (ou quase tudo). Uma das principais diferenças e ganhos nesse formato foi a possibilidade de interação fora da tela. O perfil oficial da personagem no Instagram passou da marca dos 1,3 milhões de seguidores. [2]

A característica transmidiática desse perfil gerou uma série de frutos: ao longo da novela, a influenciadora postava em seu perfil no Instagram, o que fazia com que os telespectadores fossem atrás de consumir esse conteúdo também na plataforma de vídeos e fotos. Muitas parcerias e merchandising foram realizados dessa forma no folhetim, possibilitando uma nova maneira de se comunicar com o público. Marcas, como a Fiat, investiram no formato de divulgação com a influenciadora e obtiveram sucesso.

Profissionalização editar

Cada vez mais influenciadores surgem no país[3]. A carreira de Digital Influencer já é uma realidade. O Brasil conta com um bom número de pessoas que se autointitulam influenciadores digitais e fazem desse o seu único trabalho. Pode-se perceber também uma busca por especialização. Há no mercado diversas plataformas que oferecem treinamentos e agenciam esses influenciadores junto às marcas. É possível segmentar, contratar e acompanhar resultados através de sites de empresas que fazem todo o trâmite junto aos influenciadores.


Referências Bibliográficas editar

Ler:


KARHAWI, Issaaf . Influenciadores digitais: conceitos e práticas em discussão. Revista Communicare. Volume 17 – Edição especial de 70 anos da Faculdade Cásper Líbero

TERRA, Carolina. Do broadcast ao socialcast: apontamentos sobre a cauda longa da influência digital, os microinfluenciadores. Revista Communicare. Volume 17 – Edição especial de 70 anos da Faculdade Cásper Líbero


Complemento:

ANDERSON, Chris. A Cauda Longa. 5.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006

BRUNS, Axel. Gatekeeping, Gatewatching, Realimentação em Tempo Real: novos desafios para o Jornalismo BRAZILIAN JOURNALISM RESEARCH – Volume 7 – Número 1 – 2011

CAMPANELLA, Bruno. Em busca do reconhecimento midiático: a autorrealização do sujeito na sociedade midiatizada. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.22, n.1, jan/mar. 2019

_________________. Por uma etnografia para a internet:transformações e novos desafios (Entrevista com CHRISTINE HINE por Bruno Campanella). .

v. 9 - N º 2 São Paulo - Brasil Matrizes, p. 167-173 jul./dez. 2015

Dean, J. (2010). Blog theory: Feedback and capture in the circuits of drive. Malden, MA: Polity.

HOWE, Jeff. O poder das multidões. Rio de Janeiro: Elsevier,2009

LADEIRA, João D. M. O algoritmo e o fluxo: Netflix, aprendizado de máquina e algoritmos de recomendações. Intexto, Porto Alegre, UFRGS, n. 47, p. 166-184, set./dez. 2019

Lee, T. B. (2016). Facebook should crush fake news the way Google crushed spammy content farms. Vox, December 8. http://www.vox.com/new-money/2016/12/8/13875960/facebook-fake-news-google

CORREA, Elizabeth Nicolau Saad (Org.). Curadoria digital e o campo da comunicação. Ed. 1. 2012. São Paulo. E-BOOK. 79 págs. Editora: ECA - USP

Roberts, S.T. (2016b). Digital refuse: Canadian garbage, commercial content moderation and the global circulation of social media’s waste. Wi: Journal of Mobile Media, 10(1):1-18. http://wi.mobilities.ca/digitalrefuse/

SAAD, Elizabeth, RAPOSO, João Francisco. Prosumers: colaboradores, cocriadores e influenciadores. Revista Communicare. Volume 17 – Edição especial de 70 anos da Faculdade Cásper Líbero

SHAPIRO, Carl, VARIAN, Hal R. A Economia da Informação. Rio de Janeiro: Campus, 1999

SANTAELLA, Lucia. Ecologia Pluralista da Comunicação. S.Paulo: Paulus, 2010 (A Nova Economia da Atenção)

O gosto na era do algoritmo - As sugestões de plataformas como Netflix e Spotify elevam o risco de homogeneização da identidade – Daniel Verdú El País, 9 JUL 2016

  1. https://www.meioemensagem.com.br/home/midia/2018/06/07/influenciadores-ja-sao-a-segunda-fonte-para-tomada-de-decisao.html
  2. https://adnews.com.br/social-media/vivi-guedes-perfil-ficticio-da-paola-oliveira-acumula-13-milhoes-de-seguidores/
  3. https://exame.abril.com.br/negocios/dino/com-mercado-ja-consolidado-carreira-de-digital-influencer-desperta-interesse-em-muitos-jovens-brasileiros/