Introdução ao curso O Futuro da Informação

Bem-vindos à primeira aula do curso O Futuro da Informação. Esse curso busca oferecer uma compreensão ampla das transformações na organização social humana despertadas pela Internet, onde práticas de compartilhamento e colaboração ocupam um lugar central.

O objetivo desta primeira leitura é apresentar exemplos que ajudem a destacar o que é a produção colaborativa baseada em compartilhamento na Internet, descrever algumas características fundamentais desse ambiente de informação e elencar teorias usadas para estudar a eficiência e escala que tal modo de organização adquire nela.

Uma questão de liberdade e eficiência

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O exemplo mais conhecido que se enquadra na produção colaborativa baseada em compartilhamento é o Software Livre, surgido originalmente na década de 80 em reação ao fabricantes de hardware cessarem a distribuição do código-fonte dos programas de computador, a parte sem a qual é impossível modificá-los. O movimento é uma tentativa de preservar liberdades desfrutadas nas raízes das computação, quando era comum a troca de código fonte para que cada um pudesse adaptar os programas às suas necessidades e tivesse controle sobre seus computadores. Participantes do movimento também argumentam que essas liberdades garantem que o software não possa ser usados para violar outros direitos como privacidade e liberdade de expressão. A partir delas, construiu-se um sistema de produção baseado no compartilhamento do código, que mostrou-se eficiente para desenvolver um ambiente computacional transparente e aberto à participação de todos, além de estável, seguro e moderno. O movimento cresceu nos seus 25 anos de existência e hoje um número expressivo de pessoas e corporações utilizam o sistema operacional GNU/Linux e os vários pacotes de programas livres distribuídos com ele.

Quase duas décadas depois do surgimento desse movimento, com a Internet já bastante popularizada em partes do mundo, algumas pessoas deram-se conta de que o sistema de direito autoral restringia de maneira semelhante a liberdade de acesso e uso do conhecimento. Para contornar esse problema, criaram uma enciclopédia que garante aos seus usuários direitos equivalentes aos desfrutados no Software Livre, a Wikipédia, promovendo a mesma dinâmica de colaboração em massa sobre um bem compartilhado. A Wikipédia existe hoje em mais de 200 línguas, com aproximadamente 800.000 artigos em português, e é o quinto sítio mais acessado na Internet.

O movimento de Software Livre e a Wikipédia serão melhor discutidos na aula Wikipédia e Software Livre, os improváveis pais da revolução.

Também inspirados nos princípios do Software livre e o problema de acesso e participação que ele apontava, artistas e advogados preocupados com as restrições, desta vez à liberdade cultural, impostas pelo direito autoral uniram-se para criar um sistema de licenças livres para obras criativas que permitissem sustentar um ecossistema de arte, cultura e conhecimento paralelo ao que se chama de "todos os direitos reservados". Esse grupo criou as licenças Creative Commons, encontradas em milhões de obras publicadas na internet, além de impressos e peças de arte. Tais licenças funcionam como parte da arquitetura da rede para permitir, de maneira legal, o livre fluxo de idéias e compartilhamento de expressões. Nem todas elas são completamente livres, mas sua diversidade oferece um caminho crescente de liberdades para que os autores experimentem e possam encontrar um equilíbrio e, ou, aos poucos migrar para um ecossistema livre.

Simultâneamente, grupos de artistas organizandos em torno de uma tradição antiga de trabalho coletivo e ativismo nas artes começaram a buscar com a Internet formas de potencializar sua cooperação da mesma maneira que viu-se com esses demais movimentos. Assim, testemunha-se presentemente correntes crescentes de arte-ativismo e de manifestações artísticas coletivas organizadas colaborativamente. Hoje o movimento de Cultura Livre e os coletivos de arte coalescem, mas ainda não encontraram-se sistemicamente.

Esse tema será aprofundado na aula Cultura livre e criando liberdade.

Há, por fim, conhecimentos especializados para o aprendizado, como livros didáticos, ou para o desenvolvimento de novo conhecimento, como artigos científicos. A produção e uso de tais obras envolve vínculos com sistemas de organização, a escola e a academia. Nesse contexto, movimentos específicos surgiram para advogar as mesmas liberdades de transparência e participação, o movimento de Recursos Educacionais Abertos e o movimento de Acesso Aberto à Ciência. Pelos vínculos existentes, a produção colaborativa tem um grau de complexidade maior nesses sistemas. O primeiro requer exercício de uma atividade profissional para adquirir experiência com alunos e aprimorar a compreensão da qualidade de um material didático. O segundo depende de um sistema de reputação e distribuição de fundos de pesquisa formalizado e intermediado por instituições, sejam universidades ou editoras. Em ambos os casos, contudo, desfrutar as liberdades traz benefícios ainda mais claros, pois na educação a dificuldade de acesso gera enorme desigualdade e a possibilidade de adequar o material às classes é valiosíssima, e na ciência essas liberdades de fato nunca foram abandonadas, mas foram cedidas momentaneamente e de forma condicional como um sacrifício necessário para superar a dificuldade de distribuição da mídia impressa.

A aula Raízes do conhecimento: ciência e educação abertas trata do acesso ao conhecimento educacional e científico.

É, por sua vez, auto-evidente que a capacidade de comunicação em grande escala e distância — desde a escrita, o impresso e a radiodifusão, — molda a sociedade ao configurar sua capacidade de replicar, filtrar e verificar informação factual, assim como de análise da realidade imediata e coordenação da resposta individual. Assim, a atividade jornalística, a formação de opinião e a função da crítica social são bruscamente deslocadas com os progressos tecnológicos. A concentração desses meios, crescente e frequentemente defendida pelo Estado, crescentemente enfrenta uma massa distribuída de comunicadores livres alheios aos seus interesses, das rádios amadoras ao mimeógrafo, e a partir daí até o surgimento da Internet, o inesperado híbrido de interesses bélicos com esse espírito comunicativo. Com ela, um novo balanço de forças surge e a mídia nos moldes do Cidadão Kane sofre seu baque final, ou estamos apenas vendo um período de instabilidade enquanto não se implementam novas restrições? Qual o papel da criptografia e das certificações digitais nessa contenda?

A aula Comunicação social, produção...? aborda essas questões.

Enquanto novas formas de organização da produção surgiam no alvorecer da Internet, eram conjuntamente exploradas formas de aplicar esses mesmos princípios organizacionais baseados em sua arquitetura à organização política e administrativa da sociedade. De fato, essa tentativa predata a Internet, pois a própria democracia e as teorias dos mercados compartilham em seus princípios constituintes várias noções que encontraram na rede um ambiente prolífico para sua manifestação. A firma tradicional já havia sido posta em cheque junto ao desenvolvimento das comunicações, primeiro pelo modelo japonês, evidenciado na recuperação da Toyota na década de 80, e depois no surgimento de processos de gestão do conhecimento e comunidades de prática na década de 90. Enquanto isso, democracias modernas caminharam para modelos mais transparentes e participativos de gestão, a nível nacional com a adoção de direitos civis e sufrágio universais, mas destacadamente nas administrações locais.

Mas a Internet trouxe essas mudanças para o âmbito individual, permitindo recriar a esfera pública à sua imagem e disputar espaço com instituições criadas para intermediar processos que agora poderíamos optar por serem diretos. Ao mesmo tempo, permite uma relação diferente na esfera privada, onde clientes tem a possibilidade de organizar-se autônomamente em seu relacionamento com empresas e as empresas tem a possibilidade de integrar esses clientes no processo de produção.

Essas transformações do público e do privado em torno de processos que não geram necessariamente produtos informacionais serão o assunto das aulas Respeitável público: o mundo da vida interconectado e Cidadãos do mundo: um momento de oportunidade e desafio.

O que é a Internet?

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É uma rede? De computadores? De pessoas? Sim, e não. A internet é melhor descrita como um ambiente informacional. Um lugar onde regras para a manipulação de informação podem ser experimentadas. Essas regras manifestam-se e são construídas sobre quatro camadas.

Referir-se à Internet como um meio de comunicação também não ajuda a entendê-la, pois as capacidades dos computadores nos nós da rede é parte fundamental da sua construção e do impacto que ela tem. Assim, esse ambiente informacional constitue-se na comunicação, armazenamento e processamento da informação.

O modelo de quatro camadas

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Este esquema é ainda uma simplificação, mas suficientemente completa para permitir um raciocínio coerente sobre a Internet. Cada camada na ordem abaixo é construída sobre a anterior e, assim, cada uma delimita o que é realizável nas posteriores.

Física

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É a constituição material da rede, com seus cabos, satélites, wifi e os computadores que ela conecta. Aqui as regras são determinadas pela capacidade do hardware, a potência dos computadores e a velocidade das transmissões, além da forma como estão conectados.

Lógica

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São os programas executados na rede, inclusive quando codificados no hardware, e os protocolos e padrões que estes implementam, que regulam como, para quem e quais informações os computadores processam e retransmitem, e a maneira pela qual, e se, representam informações para e interpretam sinais das camadas superiores.

A camada lógica, tecnicamente, é flexivelmente dividida em quatro subcamadas: liga, internet, transporte, aplicação.

Simbólica

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São as obras e expressões de idéias compartilhadas na rede, sobre as quais incidem regulações como a determinação dos nome de domínio, o direito autoral, leis sobre difamação, pornografia etc.

Humana

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São os indivíduos conectados pela rede, sujeitos de suas próprias normas sociais, culturas e padrões psicológicos.

Princípios organizadores

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A Internet foi construída, para assegurar sua utilidade, eficiência e estabilidade, sobre alguns princípios técnicos. Isso não quer dizer que eles sejam universalmente respeitados, mas que historicamente norteiam as decisões dos órgãos reguladores e de padronização. Para simplificar, uma vez que descrevemos acima as 4 camadas, pode-se imaginar que os princípios derivam de um superprincípio, o princípio da independência, segundo o qual as camadas diretamente responsáveis pelo fluxo de informações na rede devem operar independentemente das sucessivas. Assim, a partir dele, temos alguns princípios derivados.

Primeiramente, essa independência implica o chamado princípio da ponta a ponta. Ele diz que a retransmissão e roteamento dos pacotes entre os computadores deve ser feita postergando quaisquer considerações às camadas simbólica e humana, e até mesmo a subcamadas superiores da camada lógica, o mais perto das extremidades quanto possível, isto é, da sua origem e seu destino. Assim, a rede em si pode ser composta de canais simples, enquanto o processamento mais pesado é realizado apenas nos extremos, o mínimo de vezes necessário. Dessa forma, a rede beneficia-se de não interpretar o conteúdo de cada pacote. Isso afeta o software que realiza tais funções na camada lógica, como também, na camada física, chips dedicados a elas, onde a lógica de transmissão está impressa no circuito.

Além disso, um protocolos e padrões abertos devem ser utilizados nos níveis mais fundamentais de comunicação, como o TCP/IP. Protocolos e padrões são um conjunto de regras pelos quais se comunica, processa ou armazena determinada informação, semelhante a uma linguagem. Serem abertos significa que são de conhecimento público, sem nenhuma restrições sobre seu uso e que sua evolução é definida publicamente, considerando-se recomendações. Isso garante a independência da camada lógica das demais camadas, isto é, de tecnologias ou fabricantes específicos, evitando que se monopolize a implementação de sistemas. Além disso, tais protocolos básicos da Internet são encapsuláveis, permitindo liberdade aos fabricantes de implementá-los no ambiente que preferirem.

Por fim, há o princípio da neutralidade da rede, que costuma ser referido como uma forma mais forte do princípio da ponta a ponta, mas de fato tem outras implicações. Enquanto aquele é essencialmente um princípio técnico, a neutralidade da rede é um princípio político e econômico. Ela prescreve que não apenas deve ser evitado interpretar camadas superiores ao longo da rede, mas que isso é proibido na maioria dos casos. Isto é, os canais da rede não podem priorizar ou prejudicar o encaminhamento de um pacote baseado em sua origem, destino ou conteúdo.

Esse último princípio é atualmente alvo de debates e disputas, além de ser frequentemente violado por empresas de telecomunicação, através de práticas como traffic shaping ou prejudicando o acesso de usuários de provedores concorrentes.

Ao longo do curso, veremos surgir nas demais camadas extensões naturais desses princípios, potencializando seus benefícios para os modos de produção e organização da sociedade. Nas subcamadas superiores da camada lógica, discutiremos o uso de software livre e, na camada simbólica, o uso de licenças livres como algumas Creative Commons. Veremos, por fim, como esses princípios relacionam-se com o direito à liberdade de expressão e privacidade, além de como influenciam a prática democrática, que poderia ser vista como sua aplicação, ou de fato sua origem, na camada humana.

Quem detém o poder?

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A aula Cidadãos do mundo: um momento de oportunidade e desafio lidará com as disputas legais e regulatórias que podem deslocar o eixo da Internet, tornando-a mais ou menos acolhedora dessas novas formas colaborativas e inclusivas de produção e organização.

Elenco de modelos teóricos

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Sem entrar em nenhum detalhe, algumas teorias e conceitos pertinentes ao curso são, para referência: