Humanidades Digitais/Aula 7
A economia do P2P encontra-se em uma situação muito particular. Ela não é privada e nem estatal.
Trata-se de: a) um terceiro modo de produção. que estimula a colaboração, a liberdade para produzir e compartilhar - diferente da lógica de Mercado ou do Estado. b) um terceiro modo de autoridade, pois a administração desse modo de produção depende da própria dinâmica do coletivo de usuários que se engajam em determinada experiência e c) um terceiro modo de propriedade baseados em novos tipos de licenças, códigos abertos e de produção do "comum".
Muitos consideram o P2P uma economia do dom ou da dádiva, ou seja, uma economia baseada na capacidade das pessoas em dar uma contribuição à sociedade sem preocupação com a retribuição ou reciprocidade. No entanto, o teórico Michel Bauwens, entretanto, considera essa visão equivocada, pois na economia do dom, há sempre uma discussão sobre as relações de reciprocidade que ela acaba gerando. O doar nunca é exatamente gratuito. Ele acaba gerando um gesto de retribuição.
No P2P ninguém é obrigado a retribuir. Cada um contribui segundo suas capacidades e possibilidades e retira apenas aquilo de que tem necessidade. Não há uma obrigatoriedade da reciprocidade como na dádiva.
Pode-se dizer que o P2P compartilha alguns valores comuns com a chamada cultura hacker. Sua lógica está baseada em estruturas flexíveis, sem hierarquias rígidas e que se constituem na própria dinâmica da coletividade de colaboradores. A contribuição é voluntária, baseada no que Clay Shirky chama de um excedente cognitivo disponível entre os indivíduos e que, por diversos motivos, não pode ser potencializado.
Ao contrário do que possa parecer o movimento P2P não se opõe ao mercado. As próprias organizações podem aprender com essa lógica P2P para mudar seus processos.
“Os participantes não podem viver da produção entre pares apesar de retirarem sentido e valor dela, podendo através dela ultrapassar em eficiência e produtividade as alternativas do mercado com fins comerciais.” (BAWENS, s/d )
Os Códigos Abertos e Livres
editar“O código aberto é uma ameaça profunda, não porque o ecossistema do código aberto esteja tendo mais sucesso que esforços comerciais, mas porque está tendo mais fracassos que ele.” (SHIRKY, 2012 p.208)
Como o sistema reduz consideravelmente os custos de produção de projetos, ele estimula as experiências de criação e inovação. Nesse caso, o insucesso e os erros são fatores importantes dos projetos de código aberto, pois, antes de ser uma organização, ele é um ambiente de experimentos com bastante tolerância ao fracasso.
Nos projetos tradicionais, tínhamos de antecipar as chances de sucesso ou fracasso de um projeto. Isso envolvia um tipo de decisão muito particular, pois o erro poderia custar muito. É fácil entender porque muito projetos não tão bons comercialmente - mas com grande potencial criativo - poderiam ser relegados nesse processo.
Os projetos de código aberto não têm funcionários, não dependem de investimentos econômicos grandes e nem dependem de decisões superiores para se desenvolver. Trabalhar com o código aberto não reduz o risco de fracasso, mas seu custo. Por isso, a lógica é: Publique e depois filtre!
Isso abre oportunidade para muitas explorações. Algumas inclusive ousadas e originais.
Quais são, então, as três regras do código aberto?
1. Ele não tem dono. Ele não é apenas gratuito. É possível modificar seus códigos, customizá-los e aprimorá-los em comunidades de práticas espalhadas pelo mundo. É um sistema, muitas vezes caótico, que pode gerar certa frustração e que, por isso mesmo, necessita de uma nova atitude mental (TAPSCOTT & WILLIAMS, 2007)
“Liberdade demais, com muito pouco controle, tem sido em geral uma receita de balbúrdia. Agora, contudo, não é mais" (SHIRKY, 2012 p.215)
2. Os usuários fazem parte do processo, colaborando com soluções. Eles não precisam de conteúdos, mas de um espaço de co-criação. Por isso, não devemos trabalhar com produtos estáticos, mas sim modulares, reconfiguráveis e editáveis. É neles que o ambiente e a cultura de inovação é experimentada. Devemos dar o espaço e as ferramentas para essas experiências.
“...você vai perceber que seu verdadeiro negócio não é criar produtos acabados, mas sim ecossistemas de inovação.” (TAPSCOTT& WILLIAMS, 2007 p. 184)
3. Nesses novos ambientes, precisamos encontrar formas de incentivar os colaboradores e colaborar na coordenação da ação coletiva. Todo projeto está marcado pela criação de um espaço (plataforma), uma promessa (o que vamos encontrar nele) e um pacto (que, dentro do possível, não destrua tudo aquilo que gerou esse ambiente de inovação).
Retomar a questão do copyright é sempre importante para a Economia Criativa, pois ambientes de criação dependem, consideravelmente, de um certo grau de abertura para apropriações e recombinações sem limites muito rígidos.
Uma questão relevante, levantada no início dos anos 2000, por Lawrence Lessig e que merece uma atenção cada vez maior de nossa parte é a seguinte:
“A questão não deveria ser como regular a Internet para eliminar o compartilhamento de arquivos (a rede vai evoluir e eliminar esse problema sozinha)....A questão deveria ser como assegurar que os artistas sejam pagos durante essa transição entre modelos de negócio do séc XX e tecnologias do séc. XXI” (LESSIG, 2005 p. 291)
Referências
editarLer: (Escolher uma leitura)
BAWENS, Michel. A Economia Política da Produção entre Pares.
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Complemento:
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Outras Referências
Fãs podem ser cidadãos? Entrevista com Ashley Hinck - por DigiLabour maio 17, 2020
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Open Street Map X Google Maps ( o que você precisa saber)
Recursos Educacionais Abertos: uma mudança de paradigma
Laboratorios ciudadanos: conocimiento expandido, ciencia colateral y política experimental - Antonio Lafuente
OPEN DATA HANDBOOK - Open knowledge foundation
Licenças de Software Livre História e Características∗ Relatório Técnico RT-MAC-IME-USP 2009-01 Vanessa Sabino, Fabio Kon Março de 2009
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A política do comum e do protótipo. Duas alternativas ao mal-estar contemporâneo. Entrevista especial com Henrique Parra - Patrícia Fachin, Revista IHU-Online - 27/11/ 2017
Visualização de dados de acesso à Wikipédia
Sentidos de um laboratório cidadão, por Antonio Lafuente - Pimentalab, 12 de dezembro de 2017