Introdução ao Jornalismo Científico/Metodologia e Filosofia da Ciência/Níveis de entendimento
Níveis de entendimento
Filosofia da Biologia
editarO biólogo alemão Ernst Mayr, conhecido como o "Darwin do século XXI", dedicou, em especial, os últimos anos de sua carreira ao estudo de História e Filosofia da Ciência. Antes disso, transitou por outras diversas áreas da biologia tais como Ornitologia, Genética, Evolução, conceito de espécie e classificação. No seu trabalho de organizar um corpo de concepções filosóficas próprias da Biologia, Mayr defendeu a autonomia dessa ciência e indicou como se distinguia das demais ciências físicas.[1]
A filosofia da ciência tradicional, baseada em lógica e matemática, e que adotara a conclusão de René Descartes de que um organismo nada mais é do que uma máquina, para ele, era inadequada para a construção de uma filosofia da biologia.[2] Por outro lado, uma corrente de biólogos, incluindo Hans Driesch e Henri Bergson, que defendia uma filosofia baseada em uma força oculta também não parecia oferecer a explicação mais crível sobre os organismos vivos. Assim, contrapunham-se duas ideias: o cartesianismo que de certa forma reduzia organismos a números e desconsiderava aspectos empíricos para a solução de problemas filosóficos e o vitalismo que diferenciava organismos vivos e não vivos por uma "energia vital", uma alma.
As obras publicadas no século XX sob a categoria de Filosofia da biologia, como as de Ruse (1973), Kitcher (1984), Rosenberg (1985) e Sober (1993) lidavam com questões e teorias biológicas, mas utilizavam a mesma estrutura epistemológica dos livros de filosofia da física. Além de deixarem temas especificamente biológicos fora de suas análises, como biopopulações[3] e causalidade dual, esses livros adotaram uma filosofia cartesiana. Desse modo, reiteravam a noção limitada a respeito do entendimento sobre filosofia da biologia.
Desde a Revolução Científica, a interpretação fisicalista dominou o pensamento dos filósofos da ciência. Galileu entendia a mecânica como ciência dominante, mais tarde, Kant afirmou que "só há ciência genuína [richtig], em qualquer ciência, na medida em que contém matemática". Esse tipo de pensamento, de posicionar a física e a matemática em lugar de dominância, se perpetua até os dias de hoje e pode incitar questionamentos como: "Qual seria o status científico da Origem das espécies (1859), de Darwin, que não contém uma simples fórmula matemática, se Kant estivesse certo?"."Sim, Deus foi o criador deste mundo e responsável, diretamente ou por meio de suas leis, por tudo que existia e ocorria. A ciência, para Galileu e seus seguidores, não era uma alternativa à religião, mas parte inseparável dela, e isso permaneceu verdadeiro do século XVI até a primeira metade do XIX, o que foi aceito pelos grandes filósofos daquele período, até mesmo Kant. No entanto, a expansão vigorosa da ciência do século XVIII e do início do XIX conseguiu encontrar uma explicação natural para cada um dos fenômenos que antes requeriam a invocação da presença de Deus". MAYR, Ernst
As quatro perguntas de Tinbergen
editarO etologista Nikolaas Tinbergen, em seus estudos sobre seres vivos, sistematizou quatro perguntas que ajudam a classificar o comportamento animal (inclusive, do ser humano). Esse tipo de explicação causal é uma matéria que inquieta seres humanos e vem sendo elaborada desde a Antiguidade. Aristóteles, por exemplo, afirmava que "conhecer algo cientificamente é conhecer suas causas" e estabeleceu 4 causas para orientar essa busca: material, formal, eficiente e final.
Em 1930, Julian Huxley apontou o que seriam três grandes problemas da biologia: a causa, o valor da sobrevivência e a evolução. Foi Tinbergen, em seu artigo "Sobre objetivos e métodos de etologia"[4], publicado em 1963, quem acrescentou o quarto problema, a ontogenia, ou seja, o desenvolvimento de cada indivíduo da fase embrionária à morte. Ernst Mayr, em 1961, no entanto, já incluíra em seus estudos a próxima causa e a última causa, conceitos que antecipavam esse intuito de pesquisar os níveis de entendimento biológicos.
Finalmente, as quatro perguntas podem ser definidas da seguinte forma:
Causa ou mecanismo: Qual é a causa do comportamento?
Indica a causa seguinte ou estrutural. São estímulos internos e externos que propiciam o comportamento. Nesse nível de entendimento, os receptores sensoriais desempenham um papel fundamental ao permitir a percepção das informações fornecidas por esses estímulos.
Valor de sobrevivência: Como esse comportamento contribui para a sobrevivência e o sucesso reprodutivo do animal?
Representa a causa final. Ou seja, a função adaptativa, adaptação ou vantagem do comportamento.
Ontogenia: Como esse comportamento se desenvolve durante a vida do animal?
Diz respeito às possíveis mudanças e evolução experimentadas por um padrão de comportamento ao longo da vida dos indivíduos.
Evolução: Como o comportamento evoluiu?
Também chamado de filogenia, permite a explicação de um comportamento no presente com base no sequenciamento molecular dele.
Relacionando o pensamento de Mayr e Tinbergen é possível dizer que as próximas causas, aquelas que ocorrem em relação imediata com o tempo, concernem o mecanismo e a ontogenia. Já as causas evolutivas (mais distantes ou distantes) compreendem o valor da sobrevivência e a filogenia. De modo geral, os dois biólogos refletem acerca das conexões presentes entre as ciências e como os variados níveis de entendimento permitem investigar uma mesma questão por diferentes óticas.
Crédito: O conteúdo desta aula foi baseado em uma entrevista feita com Daniel Takahashi, pesquisador associado do NeuroMat
Referências
editar- ↑ POLISELI, L.; OLIVEIRA, E. F. de; CHRISTOFFERSEN, M. L. O Arcabouço filosófico da biologia proposto por Ernst Mayr. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v.6, n.1, p. 106-120, 2013.
- ↑ MAYR, Ernst. Biologia, ciência única: reflexões sobre a autonomia de uma disciplina científica, São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
- ↑ ANGELO, Claudio. Para Ernst Mayr, Biologia não se reduz às ciências físicas. Folha de São Paulo, São Paulo, 2004. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0407200401.htm
- ↑ TINBERGEN, N. On aims and methods of Ethology. Zeitschrift Für Tierpsychologie, 20(4), 410–433, 1963.
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