Introdução ao Jornalismo Científico/Metodologia e Filosofia da Ciência/Os elementos da metodologia científica: observação, hipótese, experimentação, análise e publicação
Os elementos da metodologia científica: observação, hipótese, experimentação, análise e publicação
O objeto a ser estudado na pesquisa científica e a tradição de uma disciplina influenciam geralmente o método aplicado. Normalmente, uma pesquisa na área de ciências humanas é orientada por métodos diferentes de um experimento empreendido na área das ciências exatas, ainda que um campo possa emprestar estratégias do outro para diversificar ou melhorar as análises. Um exemplo interessante de combinação de disciplinas e métodos é o trabalho do CEPID NeuroMat sobre redes sociais, em que procedimentos utilizados em redes neurais são a base para a conceituação das interações nos espaços digitais.
Observação
editarA estratégia de observação científica se distingue da observação ingênua na medida em que pretende apresentar conjecturas lógicas e empiricamente falseáveis sobre fenômenos da natureza e da sociedade. A observação ingênua, de certo modo, é profundamente naturalista, no sentido de atentar-se muitas vezes apenas às características descritivas. A observação científica é, nesse sentido, mais realista, ao pretender abstrair a partir dos fenômenos observados noções teóricas, tendências de comportamento, ações coletivas.
“A tarefa da matemática é encontrar novos padrões estruturais imperceptíveis por intuição direta e senso comum”, disse o matemático Mikhael Gromov. A observação dos dados, de maneira adequada e verificável, é o elemento que permite superar o olhar ingênuo e reconhecer o funcionamento da realidade observada.
Um caso recente, extraído da matéria "Modelos matemáticos do cérebro", exemplifica a relação entre observar e teorizar[1]. Uma das consequências mais comuns de acidentes de moto são lesões no plexo braquial, um feixe de nervos que sai da medula espinhal e inerva os braços. Ele é uma via de transmissão de comandos motores do cérebro para os músculos e também de informações sensoriais do braço para o sistema nervoso central (SNC). Assim, a lesão desses nervos pode prejudicar ou causar a perda dos movimentos e da sensibilidade. Uma das intervenções atuais para tentar recuperar ou diminuir os danos sobre essas funções é redirecionar, por cirurgia, um nervo que não foi lesionado para o membro afetado e depois estimular a funcionalidade desse caminho alternativo com fisioterapia. A forma como o cérebro interpreta esse novo contexto e se reorganiza é estudada pela equipe coordenada pela neurocientista Cláudia Vargas, no Instituto de Neurologia Deolindo Couto, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vinculada ao CEPID NeuroMat. Usando a eletroencefalografia (estudo do registro das correntes elétricas do cérebro), os pesquisadores acompanharam, com a intenção de investigar as bases fisiológicas do processo de rearranjo neural, a reabilitação de 25 pacientes que passaram por cirurgia do plexo braquial. Uma das possibilidades consideradas é que a reconstrução dos caminhos neurais obedece a determinados padrões, ainda “invisíveis” em meio à imensa quantidade de dados neurobiológicos colhidos a cada experimento. Descrever possíveis regularidades presentes no processo de neuroplasticidade – que é a capacidade de o sistema nervoso de mudar e adaptar-se estrutural e funcionalmente quando sujeito a novos contextos, como uma lesão – ajudaria, por exemplo, a predizer a reabilitação de um paciente. Mas como encontrar regularidades em processos que envolvem a interação de bilhões de neurônios e outras células, permanentemente influenciada por um ambiente em constante transformação? A resposta pode estar na criação de modelos matemáticos da plasticidade do cérebro, isto é, encontrar, como disse Gromov, padrões estruturais imperceptíveis a olho nu.
O filósofo britânico Alan Chalmers, em seu livro O que é ciência, afinal?, expõe a difícil tarefa da observação científica, por um lado objetiva, por outro lado afetada pelo conhecimento, experiência e expectativas do observador. Como exemplo, cita a observação feita através de telescópios e microscópios: para um iniciante, a imagem pode ser apenas um arranjo de padrões brilhantes e escuros, algo muito diferente do que o observador treinado consegue perceber. A relação de dependência entre o que vemos e o que sabemos ou esperamos a respeito do objeto observado não chega a ser tão sensível a ponto de tornar a ciência e a comunicação impossíveis, "há um sentido no qual todos os observadores vêem as mesmas coisas", diz Chalmers.
Hipótese
editarO problema é formulado como a questão que visa entender a causa dos fenômenos observados. O raciocínio lógico associado à criatividade são utilizados para a elaboração de uma hipótese, ou seja, de uma primeira explicação para determinar essa relação de causalidade.
No caso dos ensaios clínicos, exemplo escolhido para esta aula e que é desenvolvido com maior profundidade no conteúdo audiovisual anexado, a hipótese é de que determinado medicamento ou vacina tem efeito comprovado no tratamento ou prevenção de doenças.
Experimentação
editarUma vez elaborada a hipótese, o cientista retorna ao campo experimental para realizar testes que consistem na coleta de dados para testar a hipótese.
No caso da experimentação em um ensaio clínico, por exemplo, a comparabilidade é um dos elementos fundamentais. A respeito do escorbuto, que causou a morte de centenas de marinheiros ingleses no século XVIII, James Lind propôs um modelo de testagem que pode ser entendido como o primeiro ensaio clínico. Ele criou grupos homogêneos de pacientes e prescreveu diferentes tratamentos para cada um deles. Desse modo, pode comparar os resultados e determinar qual seria o mais eficiente na cura da doença.
Alguns anos após o experimento de Lind, o médico inglês John Haygarth apresentou um novo aspecto da comparabilidade. Ao tratar pacientes de reumatismo com uma terapia ineficaz para a doença, observou o efeito placebo. Ou seja, as pessoas sentiam uma melhora mesmo quando submetidas a um tratamento ineficaz. Por esse motivo, é incluído um grupo controle nos ensaios clínicos modernos: para medir se a eficiência de um remédio é ou não maior do que a de um placebo. O grupo controle sem saber recebe o placebo e assim pode ter seus resultados comparados com os de outros grupos.
Nesse sentido, vale destacar a anonimização, o experimento cego. Tanto os pacientes que recebem o medicamento a ser testado quanto os que recebem o placebo não sabem o que estão recebendo. Isso porque caso o grupo controle soubesse que o medicamento testado é ineficaz ele não surtiria o efeito esperado do placebo. O experimento duplo cego é quando nem mesmo o médico ou a pessoa que aplica o tratamento sabe qual dos remédios oferecido é mais eficaz. Assim, não influencia nenhuma reação por parte dos pacientes.
Ronald Fischer, um dos pais da estatística moderna, foi responsável por afirmar a importância de dois elementos do ensaio clínico: o controle e a aleatorização. Sobre o primeiro, cabe organizar os grupos de forma homogênea, mantendo o mesmo número de homens e mulheres em cada um deles, por exemplo. Já o segundo diz respeito à aplicação do tratamento, a seleção dos pacientes a receber cada um dos tratamentos disponíveis depende da sorte e não da intervenção intencional. Isso corrobora com a obtenção de resultados generalizáveis para toda população.
Análise
editarNa análise, os dados coletados são interpretados para que possam ser feitas associações entre o fenômeno observado e outros fatores. É o momento que, na ciência, se dá um significado mais amplo à pesquisa.
A respeito dos ensaios clínicos, há o experimento triplo cego, no qual a pessoa que faz a análise dos dados não sabe quais dos pacientes receberam o placebo e quais receberam o medicamento. Isso confere um grau ainda maior de neutralidade sobre o objeto estudado. A análise dos ensaios clínicos passa por 4 estágios. A fase 0 implica determinar efeitos sobre o corpo; a fase 1 determinar doses seguras; a fase 2 determinar a eficiência e, por fim, a fase 3 a confirmação.
Publicação
editarA parte final de toda descoberta científica consiste na divulgação dos resultados. Esse pensamento tem sido questionado ao longo do tempo pelos meios de comunicação, que fazem a ponte entre o público especializado e o público geral, e pelos próprios cientistas. Há uma iniciativa de publicar os resultados parciais, o desenvolvimento do processo.
Dessa maneira, o público poderia entender o ritmo de produção científica que é muito diferente do ritmo de produção de notícia. Conhecer o trabalho científico e os percalços do caminho poderia, então, ajudar a criar o que o professor Carlos Vogt denominou como cultura científica. Ou seja, tornar a ciência um assunto popular, amplamente discutido.
Referências
editar- ↑ Fernanda Teixeira Ribeiro, "Modelos matemáticos do cérebro", Mente e Cérebro, jun. 2014.
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